Quando o mundo imaginava que o turismo fosse sempre sinônimo de lazer, paz e contemplação, uma nova tendência surge — e causa espanto. Cada vez mais viajantes, sobretudo ocidentais, estão escolhendo zonas de guerra como destino de férias. Mas o que motiva essas pessoas a atravessarem fronteiras em meio a bombas, sirenes e destruição? E, mais importante ainda: qual é o preço moral dessa escolha?
Antes da guerra, a Ucrânia figurava entre os destinos europeus mais cobiçados. Kiev brilhava com seus cassinos, suas catedrais históricas e sua vibrante vida noturna. Mas desde a invasão russa, o cenário mudou radicalmente.
Atraídos pelo que muitos chamam de “turismo de guerra”, visitantes estrangeiros agora desembarcam não para conhecer palácios ou museus, mas para caminhar entre os escombros, registrar imagens de cidades devastadas e experimentar, de perto, o que é viver sob constante ameaça.
Mesmo com a lei marcial e o tráfego aéreo suspenso, o site Visit Ukraine orienta como turistas podem cruzar as fronteiras terrestres, respeitar toques de recolher e sobreviver em uma nação sitiada.
Mas a normalização de instruções como “carregue sempre um documento” ou “mantenha-se atento a alarmes de ataque aéreo” revela algo mais profundo: a transformação da guerra em espetáculo turístico.
Do lazer ao perigo: como o turismo virou espetáculo de guerra
Pacotes de guerra, como os chamados “Donation Tours”, oferecem visitas a cidades bombardeadas, missões humanitárias e até momentos para comprar souvenires e jantar em restaurantes locais. Parte do valor pago é revertido para organizações de ajuda humanitária. Mas será que essa contribuição ameniza o incômodo ético de lucrar com a tragédia?
Influencers como o espanhol Alberto Blasco Ventas, com seus 115 mil inscritos no YouTube, apostam que sim. Ele gravou cada passo na zona de conflito — da ponte destruída de Irpin aos cemitérios de tanques em Borodianka — com o objetivo declarado de sensibilizar seu público.
A linha entre sensibilizar e explorar é tênue, e nem todos encaram essas viagens da mesma forma.
Moradores locais, como a vereadora de Irpin, Mikhailina Skorik-Shkarivska, admitem que a presença de turistas gera renda importante. Mas muitos, no fundo, sentem repulsa. Para eles, o dinheiro vindo de visitantes curiosos é visto como “dinheiro manchado de sangue”.
Quem são os turistas que arriscam a vida por adrenalina?
O fenômeno não para na Ucrânia. Afeganistão, Iraque, Líbia e Serra Leoa também aparecem em catálogos de agências especializadas em turismo extremo. Viajar para zonas de guerra exige mais do que coragem: exige um apetite insaciável por experiências fora do comum — e, muitas vezes, um bolso bem cheio.
O americano Nick Tan, por exemplo, cansado da vida “confortável” em Nova York, procurou algo mais radical. Já saltara de paraquedas, participara de lutas de boxe em festas eletrônicas — mas nada disso parecia suficiente.
A resposta? Viajar para Kharkiv, cidade sob bombardeios constantes na Ucrânia. “Saltar de um avião já não era mais emocionante”, confessou.
Excursões próximas à linha de frente são controladas, guias locais alertam sobre as zonas de risco, e seguros de saúde específicos para áreas de guerra são obrigatórios. Mas nada disso elimina o risco real de estar no meio de um conflito.
Guerra, marketing e moral: até onde o turismo pode ir?
Organizações internacionais, como a ONU e a UNESCO, já alertam para os impactos éticos desse novo mercado. A banalização da dor humana e o incentivo ao deslocamento para áreas frágeis podem piorar a situação de populações que já vivem sob extrema pressão. Mas o fascínio pelo proibido e pelo extremo continua atraindo viajantes.
Enquanto isso, a Ucrânia, em meio aos escombros e tentativas de reconstrução, já firma acordos com grandes plataformas de hospedagem como Airbnb e TripAdvisor, mirando no turismo pós-guerra.
Mas até lá, cidades como Kiev, Kharkiv e Irpin continuam sendo palco de uma nova e controversa indústria: a do turismo em meio à tragédia.
O turismo de guerra escancara, assim, uma dura realidade contemporânea: em um mundo saturado de imagens e sensações, até a guerra, mas especialmente a guerra, se transforma em produto para consumo imediato.