Quase 80 anos se passaram desde o fim da Segunda Guerra Mundial, mas a memória dos horrores provocados por ela continua viva nas rotas escolhidas por turistas do mundo todo. Em meio a destinos paradisíacos e experiências culturais, há demanda também por viagens que tocam cicatrizes históricas profundas: Hiroshima, Auschwitz, Normandia, Berlim.
A chamada “rota do turismo de guerra” existe — e impacta quem se propõe a vivê-la.
Ao pesquisar na internet sobre pacotes de viagens com esse perfil, aparecem resultados como:
”Excursão a pé pela história de Hiroshima – Porque é que a bomba atómica foi lançada”.
O passeio sai a partir de 32 € (cerca de R$ 207), por pessoa.
Outro pacote oferece o seguinte:
”Viagem de um dia aos campos de batalha de Somme na Primeira Guerra Mundial saindo de Paris”.
Preço por pessoa: 230 € (R$ 1,4 mil).
Já se pagar 39 € (R$ 253), a pessoa pode fazer um roteiro pela Espanha:
‘ ‘Barcelona: Excursão a pé pela história da Guerra Civil Espanhola”.
Para quem quiser revisitar zonas de dois conflitos, tem este:
”Hitler a Stalin – Tour da Segunda Guerra Mundial e da Guerra Fria (pequenos grupos)”.
Neste caso, cada pessoa para 20 € (cerca de 129).
Apelo emocional dos turistas
“É como respirar mais devagar. O corpo sente antes da mente entender” , conta ao iG Turismo Thaís Reiner Balbino, turismóloga e CEO da agência Estrada Afora.
Ela esteve em Hiroshima em 2017, acompanhando um grupo em uma viagem ao Japão, e fez questão de incluir no roteiro uma visita ao local que foi palco do primeiro ataque nuclear da história.
“Quisemos nos aproximar de algo que, mesmo distante no tempo, reverbera até hoje na humanidade.”
Turismo com propósito
Embora não exista um levantamento oficial sobre o número de turistas que visitam destinos ligados à Segunda Guerra Mundial, operadores relatam uma procura consistente — e, em alguns casos, crescente.
Thaís Reiner Balbino, da Estrada Afora , detalhou.
“A procura existe, principalmente entre viajantes que têm forte ligação com a história, seja por herança familiar ou por interesse acadêmico. Mas nem sempre se converte em pacotes fechados” , explica Thaís.
Ela mesma criou roteiros que percorrem locais históricos na Europa, como a Bósnia, a Polônia e a Alemanha, mas reconhece que, em muitos casos, as viagens são personalizadas e demandam apelo emocional do cliente.
Entre os destinos mais buscados, estão Auschwitz-Birkenau, na Polônia — o maior campo de extermínio nazista — e as cidades japonesas de Hiroshima e Nagasaki, bombardeadas pelos Estados Unidos em 1945.
Também aparecem no radar Berlim, com seus memoriais e museus; a Normandia, na França, palco do desembarque aliado; e até Sarajevo, cenário da Primeira Guerra e da recente Guerra da Bósnia.
Hiroshima: reconstrução e memória
Com cerca de 1,2 milhão de habitantes, Hiroshima é hoje uma metrópole moderna e vibrante. Mas a cidade ainda carrega em sua paisagem urbana o peso da história.
No centro, o Parque Memorial da Paz reúne atrações como o Museu Memorial, o Domo da Bomba Atômica — que resistiu parcialmente à explosão —, a Chama da Paz e o comovente Monumento das Crianças, que homenageia Sadako Sasaki e as milhares de vítimas infantis da radiação.
“Visitar o Museu da Paz foi uma das experiências mais intensas da minha vida” , relata Thaís.
“ É sensorial, verdadeiro. A dor é quase palpável. Mas o mais impressionante é a força da cidade. Hiroshima pulsa vida.”
O museu é dividido em duas seções: uma mais técnica, que explica o contexto político e militar do bombardeio, e outra voltada aos impactos humanos, com relatos de sobreviventes, artefatos e imagens devastadoras.
O ingresso custa cerca de ¥200 (aproximadamente R$ 7) e o audioguia em português ajuda a absorver melhor as informações.
Apesar da tragédia, Hiroshima escolheu a paz como marca.
Desde 1949, foi oficialmente proclamada “Cidade da Paz” pelo governo japonês e hoje se apresenta ao mundo como símbolo de reconstrução e esperança.
Em 6 de agosto, Dia da Paz, a cidade silencia às 8h15 — hora exata da explosão — em um momento de respeito que mobiliza milhares de visitantes e moradores.
Uma experiência transformadora
Para muitos, o turismo de guerra não é apenas uma viagem: é um mergulho profundo em questões humanas, políticas e existenciais.
Thaís diz que a visita a Hiroshima mudou sua percepção sobre a guerra — e sobre o presente.
“Nos tornamos mais conscientes da importância de valorizar a paz. A guerra não pode ser só um capítulo de livro: ela precisa nos ensinar algo.”