domingo, 8 de junho de 2025

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Jovem mapeia histórias apagadas da cultura afro-brasileira

Aos 27 anos, a pesquisadora independente Talita Azevedo embarcou em uma jornada de nove meses por quatro estados brasileiros com um objetivo claro: resgatar as raízes de sua ancestralidade e recontar a história apagada do povo negro no Brasil. O resultado desse projeto é o ” Mapa Presente Histórico “, uma plataforma interativa que destaca 13 locais fundamentais para a memória afro-brasileira, muitos deles pouco conhecidos.

Natural de Campinas (SP), Talita iniciou sua expedição motivada pela busca de conexão com seu avô materno, que sofria de demência e não podia mais compartilhar suas memórias. 

“Para mim, o processo de entender que eu era uma mulher negra demandou muito tempo. Até então, eu não tinha muita consciência disso. Aos 20 anos, quando entrei na graduação, essa busca pela ancestralidade começou a se tornar cada vez mais latente. Meu avô materno teve demência, e eu comecei uma corrida contra o tempo. Sabia que não conseguiria recuperar as memórias dele, então anotei os nomes dos pais dele e saí viajando pelo Brasil. Aos poucos, percebi que estava mapeando não só minha história, mas uma história coletiva que foi apagada” , relembra ao iG Turismo.

Entre os locais mapeados estão:

Campinas (SP)
Estudos apontam que esta cidade do interior paulista foi uma das últimas no mundo a extinguir completamente o regime escravocrata, mantendo práticas análogas à escravidão mesmo após a Lei Áurea.

Itaúnas (ES)
Entre os anos 1950 e 1970, o desmatamento descontrolado na região costeira capixaba provocou o avanço das dunas sobre a vila original, forçando a comunidade local a se deslocar para a margem oposta do rio, onde reconstruíram suas vidas.

Salvador (BA)

Igreja da Misericórdia: Erguida em 1526, é reconhecida como o primeiro templo católico do país
Terreiro de Jesus: Espaço fundamental para a preservação da identidade cultural afro-baiana
Igreja do Rosário dos Pretos: Centro de resistência da Irmandade Negra, com histórico de sepultamentos e local de convivência de intelectuais como Jorge Amado

Rio de Janeiro (RJ)

Palacete Imperial: Residência da família real brasileira, hoje abriga acervo sobre o período monárquico

Lagoa das Lontras: Área de antigos quilombos e importante produção cafeeira
Ilha de Paquetá: Abriga um baobá centenário, testemunha silenciosa da história colonial
Jardim Botânico: Além da biodiversidade, conserva referências a Ossain, orixá das plantas medicinais
Igreja do Rosário: Guarda a emblemática imagem de Santa Anastácia
Catedral Imperial: Mausoléu da família real brasileira em Petrópolis

Cais do Valongo: Principal porto de desembarque de africanos escravizados nas Américas, reconhecido pela UNESCO

Praia da Rasa: Litoral fluminense marcado pelo comércio ilegal de escravizados no século XIX

Sobre a seleção dos locais que compõem o mapa, Talita destaca a importância da imersão presencial.  “Fiz questão de estar em cada um desses lugares. Conversei com pessoas que carregavam saberes ancestrais, mesmo que não fossem historiadores formais. Eram guardiões de memórias que os livros não contam. O mapa começou como uma busca pessoal, mas virou um projeto educativo. Quero que as pessoas entendam o que é tecnologia brasileira de verdade: inovação que nasce da nossa história e das nossas raízes” , acrescenta.

Quando questionada sobre qual local a impactou mais, Talita reflete sobre a relação entre passado e presente:  “Visitar a Catedral São Pedro de Alcântara, onde estão os restos da família imperial, me fez perceber como a história não está distante. Ela está aqui, acessível, mas muitas vezes ignorada. Itaúnas, no Espírito Santo, também foi forte. Ver uma vila soterrada pela especulação imobiliária, com famílias negras tendo que recomeçar do zero, mostrou como o apagamento é violento e intencional” , reflete a pesquisadora.

Além do mapa, Talita prepara o lançamento de um livro com fotos e relatos de suas viagens, previsto para maio deste ano. A obra busca criar uma conexão emocional com os lugares visitados, mostrando como a história negra moldou o Brasil. O projeto não se limita ao digital. Ela planeja transformar o trabalho em uma exposição fotográfica.

Para a pesquisadora, iniciativas como essa são essenciais para combater o apagamento histórico. Sobre o papel da tecnologia na preservação da memória negra, Talita defende uma visão além do digital:  “Aprendi com meu avô que a memória escapa quando não é registrada. Tecnologia, para mim, é qualquer ferramenta que preserve histórias. Pode ser um mapa online, um livro físico, ou até as anotações de receita da minha mãe no caderno. Meu projeto é open source porque conhecimento ancestral deve ser livre. Mas também quero exposições fotográficas, livros impressos. A memória negra precisa existir em todos os formatos, para nunca mais ser apagada” , concluiu.

turismo.ig.com.br

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