No coração da Lagoa de Veneza, a ilha de Poveglia, por séculos marcada por histórias de peste, sofrimento e abandono, está prestes a iniciar um novo capítulo. A partir de 1º de agosto, um grupo de moradores locais assumirá oficialmente o controle do território, após um contrato de arrendamento de 99 anos com o governo italiano. O objetivo é transformar o local em um parque urbano, acessível apenas aos residentes de Veneza, protegendo-o da especulação imobiliária e do turismo massivo.
A vitória da comunidade veio após anos de disputa com investidores privados, que vislumbravam o potencial comercial da ilha, situada a apenas cinco quilômetros da movimentada Praça de São Marcos. Em 2014, o governo italiano chegou a colocar Poveglia em leilão, atraindo propostas de consórcios, incluindo um ligado ao atual prefeito Luigi Brugnaro. No entanto, a mobilização liderada pela ativista Patrizia Veclani, através do movimento Poveglia per Tutti (“Poveglia para Todos”), garantiu a preservação do espaço como bem público.
Um símbolo de resistência
Com mais de 4.500 membros, o grupo arrecadou 460 mil euros (cerca de R$ 2,9 milhões) para assegurar os direitos sobre a ilha.
A cidade, que recebe cerca de 30 milhões de visitantes por ano — contra uma população de menos de 50 mil habitantes — tem adotado medidas para conter o excesso de turismo, como a proibição de cruzeiros e a cobrança de taxas para visitantes diários. Agora, Poveglia se tornará um espaço exclusivo para quem chama Veneza de casa.
Do passado sombrio à renovação
Poveglia carrega séculos de histórias sombrias. No século XVIII, serviu como lazareto durante os surtos de peste bubônica, onde doentes eram isolados em condições precárias. Calcula-se que mais de 160 mil vítimas tenham sido enterradas em valas comuns na ilha. Posteriormente, no século XIX, o local abrigou um asilo psiquiátrico, fechado em 1968 após relatos de tratamentos desumanos.
Desde então, a ilha permaneceu abandonada, coberta por vegetação densa e estruturas em ruínas — além de uma curiosa colônia de coelhos selvagens. Sua fama de “lugar mal-assombrado” atraiu programas de TV sobrenaturais, mas os novos administradores querem reescrever sua narrativa.