Um vídeo recente captado por drone reacendeu o interesse por um capítulo quase esquecido da história paulista: os trilhos e estações abandonadas da antiga Estrada de Ferro Sorocabana (EFS), um dos maiores símbolos do desenvolvimento industrial e territorial do Brasil. As imagens, que viralizaram nas redes sociais, mostram a vegetação tomando conta da estrutura que, há 150 anos, marcou a chegada do trem em Sorocaba e impulsionou a economia de toda uma região.
O autor das imagens, identificado nas redes como @edy.drone, registrou a antiga estação em ruínas, um cenário de nostalgia e abandono, mas também de potencial patrimonial. Embora desativada há décadas, a estação permanece de pé como testemunha silenciosa da transformação que a ferrovia proporcionou ao interior paulista.
O Portal iG tentou contato com o autor do vídeo para obter mais informações sobre a gravação . Até a publicação desta reportagem, não houve retorno. O texto será atualizado assim que houver manifestação do responsável.
Dos vinténs ao trem: a ousadia de Maylasky
A fundação da EFS remonta a um gesto audacioso de Luiz Matheus Maylasky, imigrante austro-húngaro que, em 1870, levantou os primeiros recursos para construir a ferrovia sacando do bolso duas moedas de 20 réis e proclamando: “Aqui está o primeiro capital subscrito!”. Ignorado em uma reunião de empresários em Itu, ele decidiu fundar sua própria companhia para ligar Sorocaba à capital paulista e ao Porto de Santos, conectando a economia do interior ao comércio exterior.
As obras começaram em 1872. Três anos depois, no dia 10 de julho de 1875, o primeiro trem chegou a Sorocaba em meio a festejos populares, bandas de música e camarotes lotados. O comboio foi tracionado por uma locomotiva belga a vapor e contou com a presença de autoridades da Província de São Paulo e do próprio Maylasky, consolidando o início de uma nova era para a cidade.
Trens que moldaram o Brasil
A Sorocabana foi mais que uma ferrovia: foi um agente de transformação. Seus trilhos estenderam-se até o extremo oeste do estado de São Paulo, chegando ao rio Paraná em Presidente Epitácio, e interligaram regiões produtoras de café, algodão e madeira. Suas oficinas, erguidas em Sorocaba na década de 1920, empregaram milhares de trabalhadores.
Durante a Revolução Constitucionalista de 1932, a EFS teve papel estratégico no transporte de tropas e munições. O lendário “Trem Blindado”, fabricado em Sorocaba, ficou conhecido como “Fantasma da Morte” ao cruzar os trilhos em defesa de São Paulo.
Antes disso, a ferrovia também participou do movimento abolicionista. Maquinistas e ferroviários de Sorocaba, ligados à maçonaria e a causas progressistas, ajudavam a transportar escravizados fugidos rumo à liberdade na capital paulista.
Da engenharia de ponta ao abandono
Com mais de dois mil quilômetros de extensão no auge, a Sorocabana foi a primeira ferrovia do estado a romper o monopólio inglês no acesso ao Porto de Santos. A construção da Linha Mairinque-Santos, iniciada em 1927 e concluída em 1937, é considerada um marco da engenharia nacional – com túneis, viadutos e pontes que desciam a Serra do Mar em meio à Mata Atlântica.
A Sorocabana também foi pioneira na compra de equipamentos ferroviários belgas. Vagões de carga e passageiros, locomotivas tipo Mikado e materiais da Haine-Saint-Pierre, Tubize, Baume et Marpent e Ateliers de la Dyle faziam parte do acervo técnico da ferrovia, reforçando sua posição de vanguarda na época.
Mas, a partir dos anos 1960, com o avanço da malha rodoviária e a preferência dos governos por políticas voltadas ao transporte rodoviário, a EFS entrou em declínio. Em 1971, foi incorporada à Fepasa e, nos anos 1990, privatizada. Trechos inteiros foram desativados e estações, como a mostrada pelo drone, acabaram entregues ao abandono.