Na minha última visita a Amsterdã, vivi uma experiência que me causou um enorme choque em um primeiro momento. Entrei em uma igreja histórica e me deparei com o fim de uma aula de ginástica: colchonetes espalhados pelo chão, alunos recolhendo seus pertences, como se fosse o encerramento de qualquer academia de bairro. E, de fato, aquela igreja já não era mais um templo religioso, mas sim uma academia instalada dentro dela. Até aí já seria algo curioso, mas o que realmente me marcou foi a trilha sonora que ecoava em alto e bom som enquanto todos se preparavam para sair: a música “Losing My Religion”, da banda R.E.M., que em tradução significa “perdendo minha fé”. Uma coincidência simbólica demais para aquele cenário. Será que a Europa está mesmo perdendo a sua fé?
Como sou naturalmente curioso, não resisti e fui conversar com os organizadores do evento (uma academia de ginástica que aluga o espaço da antiga igreja). Eles me explicaram que essa prática é bastante comum, não só em Amsterdã, mas em várias outras cidades da Europa. O que para mim parecia inusitado é, na verdade, parte de uma realidade cada vez mais presente no continente: igrejas sendo desativadas e ganhando novas funções, muitas vezes bem diferentes daquelas para as quais foram erguidas.
O motivo principal está na queda do número de fiéis. A Europa é hoje um dos continentes mais seculares do mundo (Um Estado secular é um Estado neutro em relação às crenças religiosas, que não está sujeito a uma religião). E aí, com menos pessoas frequentando os cultos e o alto custo de manutenção de edifícios históricos, muitas igrejas acabam fechando suas portas. Em vez de ficarem abandonadas, elas são adaptadas para novos usos – o que, de certa forma, garante sua preservação arquitetônica.
A Holanda é um dos países que mais vivem esse fenômeno. Em Maastricht, a antiga igreja Dominicanenkerk virou uma livraria premiada, considerada uma das mais bonitas do mundo. Em Amsterdã, a Paradiso deixou de ser templo e hoje é uma das casas de shows mais conhecidas da cidade. Outras igrejas foram transformadas em cafés, restaurantes, bibliotecas e até academias.
Na Bélgica, também há exemplos marcantes. Em Liège, a Igreja de Saint-Antoine de Padoue virou um supermercado. Já em Bruxelas, a Église Sainte-Catherine passou a receber exposições e eventos culturais, mantendo viva sua estrutura centenária.
Na Alemanha, a Sankt Elisabeth, em Berlim, foi convertida em centro de arte e cultura, recebendo concertos e exposições. Já em Kassel, a Sankt Johannis foi adaptada para ser uma biblioteca e espaço comunitário.
No Reino Unido, várias igrejas também tiveram novos destinos. A St. Luke’s Church, em Londres, se tornou sede da London Symphony Orchestra. Já a Union Chapel continua funcionando como templo religioso, mas ao mesmo tempo é um dos palcos musicais mais importantes da capital inglesa.
Mais do que uma mudança religiosa, esse movimento revela a criatividade dos europeus em reaproveitar o patrimônio histórico. Igrejas que poderiam estar abandonadas hoje são livrarias, supermercados, espaços culturais e até academias.
E talvez essa seja a parte mais fascinante de viajar: se deparar com choques culturais, sair da nossa bolha e perceber que o mundo é diverso, muito diferente daquilo que os nossos olhos míopes estão acostumados a enxergar.