sexta-feira, 4 de julho de 2025

Rádio SOUCG

  • ThePlus Audio

Quando o futuro não chega

Reprodução

Cultivar a dúvida, mais do que curvar-se a respostas instantâneas, talvez seja a última fronteira da nossa inteligência orgânica

Esta segunda estive no Career Summit, um evento organizado pelo amigo Adriano Lima, que pude participar de um painel com o título provocador:

“Como chegar ao nível de CEO e se manter lá.”

Dividi o palco com Arthur Freitas, CEO do iFood Benefícios, e o roteiro era preciso: histórias pessoais, vulnerabilidades, custos da jornada, inteligência emocional, síndrome do impostor. Um roteiro, aliás, que já revela algo curioso — a tentativa do mundo corporativo de se abrir à sensibilidade sem, no entanto, abandonar a lógica da performance.

Durante o evento, pela primeira vez, fui apresentado como um “estudioso das relações humanas”. Achei curioso. Não sou psicólogo. Sou jornalista de formação, empreendedor por consequência, futurista por convicção. Criei um podcast sobre inteligência orgânica, investi numa edtech de IA, desenvolvi uma plataforma de soft skills e sigo falando de transformação digital por onde passo. Às vezes olho para esse conjunto de coisas e penso: virou uma salada. Mas uma salada com propósito.

O mais curioso foi perceber a sensação — quase incômoda — de estar ali representando um futuro que ainda não chegou.

Enquanto ouvia perguntas sobre como se manter no topo, eu pensava:

E se o topo for uma ilusão?

E se a carreira não for mais uma escada, mas um mapa com múltiplos caminhos, desvios, pausas e recomeços?

E se a métrica de sucesso não for mais “produzir mais e mais rápido”, mas sim “estar inteiro enquanto se produz?”

Falar sobre carreira não linear, inteligência emocional, vulnerabilidade e síndrome do impostor é urgente — mas ainda é contra intuitivo para um mercado que glorifica eficiência acima de tudo. Ao conversar com Arthur sobre seus dilemas, vi um jovem lúcido, honesto, tentando dar conta de um jogo que cobra perfeição e entrega pouca escuta. Um jogo que exige respostas rápidas para perguntas complexas.

Enquanto isso, eu estava ali, tentando defender o pensamento crítico num ambiente que, muitas vezes, ainda funciona como se ele fosse um luxo. Às vezes parece que vivo numa bolha onde todos já entenderam que o futuro será mais humano, mais orgânico, mais experiencial. Mas quando me deparo com a realidade das organizações, vejo que o discurso ainda está longe da prática.

É como falar sobre um futuro que nunca chega. E essa é a grande contradição do meu trabalho hoje.

Falo de IA e, ao mesmo tempo, da importância de permanecer humano.

Falo de autoridade digital, mas também da urgência de se desconectar.

Falo de estratégia, mas insisto na importância da pausa.

Sim, é difícil.

Mas sigo acreditando que vale a pena. Porque toda transformação começa pelo desconforto. E, talvez, o maior desafio não seja explicar o futuro. É suportar o presente enquanto ele resiste a mudar.

*Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do Portal iG

tecnologia.ig.com.br

Enquete

O que falta para o centro de Campo Grande ter mais movimento?

Últimas