Hideo Kojima fala sobre o processo criativo por trás de Death Stranding 2: On the Beach durante coletiva na BGS 2025
Pouco antes da coletiva de imprensa começar, a sala restrita já estava tomada por uma expectativa quase que tateável. Os cerca de 30 jornalistas que estavam alí, preparavam seus caderninhos de anotações, gravadores, conversavam entre si e olhavam para o backdrop de “Death Stranding 2: On the Beach” como quem espera ansiosamente um ídolo entrar pela porta. Fotos e filmagens estavam estritamente proibidas. Poderíamos registrar e entrevista apenas por voz e por escrito.
Sabendo da importância daquele momento para a maioria dos jornalistas que estavam alí, a assessoria de imprensa da Brasil Game Show liberou um registro de Kojima junto de todos os jornalistas. A imagem você encontra ao final dessa matéria.
Sobre a estrela do evento
Se você clicou nessa matéria a partir da editoria de Games, provavelmente já conhece Hideo Kojima. Mas se nunca ouviu falar, pode ficar tranquilo que a gente te apresenta: ele é o criador de franquias como “Metal Gear Solid” e “Death Stranding”, dois pilares dos jogos autorais que transformaram o conceito de narrativa em videogames. Seu amor pelo cinema sempre foi um fio condutor em suas criações, fazendo dele um dos maiores nomes do mercado.
Inspirado pelo cinema
Antes de entrar na indústria dos games, Kojima sonhava em ser cineasta. Não a toa, seus jogos são construídos com a precisão de quem pensa em planos e cortes de câmera como um diretor de cinema. A narrativa é sempre densa, emocional e marcada por atuações realistas de grandes nomes de Hollywood.
Toda essa fusão entre linguagem cinematográfica e mecânica interativa redefiniu, na indústria gamer, o conceito de como “jogar uma história”.
O que faz ele ser tão diferente?
Se você jogar algum jogo criado por Kojima, vai reparar que seu personagem não vai ser só aquele “executor de comandos”. Você será parte da história. Enquanto a maioria dos jogos coloca o usuário para cumprir missões e vencer “vilões”, ele quer que você sinta literalmente o peso do que está fazendo. Em Death Stranding, por exemplo, andar pode ser o próprio desafio, e isso é proposital.
Ações simples podem se tornar experiências simbólicas. A furtividade que ele criou lá atrás, em Metal Gear, trazia a ideia do “sobreviver em silêncio”, observar, entender o outro lado. Kojima brinca com a ideia de conexão física, emocional e até espiritual. É como se a experiência do jogo fizesse você refletir sobre o mundo real, inevitavelmente.

O protagonista Sam Bridges cruza terrenos solitários em uma missão de reconexão.
E é nessa pegada que funciona Death Stranding, jogo criado pelo japonês em 2019, depois que ele deixou a Konami e fundou seu próprio estúdio, a Kojima Productions. É o título que marcou sua independência e talvez o mais pessoal da carreira. A história gira em torno de Sam Porter Bridges (vivido por Norman Reedus), um entregador solitário que tenta reconectar o que sobrou dos Estados Unidos depois de um evento misterioso que quase acabou com a civilização.
O jogo traz relfexões sobre isolamento, laços humanos e a necessidade de reconstruir pontes, literalmente e emocionalmente. Essa mistura genial em formato de game é o que trouxe Kojima ao Brasil neste ano, para falar justamente sobre a continuação da franquia, Death Stranding 2: On the Beach.
Visita ao Brasil
Na última semana, o mestre japonês foi a estrela principal da Brasil Game Show 2025 – considerada a maior feira de games da América Latina. Após anos tendo que recusar convites por conta do ritmo intenso de trabalho em seu novo jogo, Kojima finalmente pisou em solo brasileiro.
O Portal iG esteve presente e teve uma de suas perguntas respondidas por ele.
Solidão, conexões e emoção no segundo jogo
Kojima contou que “Death Stranding 2” continua mergulhado no tema da solidão, mas de uma forma diferente. Sam, o protagonista, começa essa nova fase da história lidando com uma perda que mexe com ele. A ideia era fazer o jogador sentir essa dor, sem precisar explicitar isso em tela o tempo todo.
Segundo Kojima, o silêncio de Sam não é por acaso. É uma escolha pensada para que cada jogador interprete as emoções do personagem à sua maneira. E quem ajuda a dar vida a tudo isso é Norman Reedus, que mais uma vez se entregou ao papel.

Norman Reedus e Hideo Kojima nos bastidores de gravação de Death Stranding
O game designer ainda abriu o coração para contar que escreveu boa parte do jogo durante a pandemia. Ele ficou doente, passou por momentos de solidão intensa e teve que continuar trabalhando. “Eu fiquei doente durante a pandemia. Então, eu fiquei doente na solidão. É um pacote muito pesado”, disse.
O significado dos nomes dos personagens
A pergunta enviada pelo Portal iG foi direta: “Qual é a razão artística por trás da escolha dos nomes dos personagens? Por exemplo, Deadman, Rainy, Fragile e outros?”.
Kojima respondeu que nunca utiliza nomes completos em seus jogos. Prefere trabalhar com codinomes e apelidos que revelam, ao mesmo tempo, a essência e a fragilidade dos personagens.

Imagem oficial reúne os personagens principais de Death Stranding 2: On the Beach
Ele disse que se preocupa para que nenhum personagem se destaque mais do que os outros de forma exagerada. “Quando você cria uma figura, um personagem que destaca entre os outros, então acaba desaparecendo os outros. Eu não queria fazer isso.”
Na mesma resposta, comentou sobre os cosplayers na BGS. “Eu já pensei nos fãs querendo se vestir como um personagem: ah, eu quero fazer um cosplay desse personagem. Então, tem uma variação de baixinha pra mais alto. Eu queria estimular a criatividade dos jogadores também.”
Quando a conexão vira excesso
Uma das frases que chama atenção em “Death Stranding 2” é: “Should we have connected?” (“Deveríamos ter nos conectado?”).
Kojima respondeu sem rodeios: “Minha mensagem é: conexão demais não é nada bom. Isso é minha mensagem no final.”
Durante a pandemia, ele refletiu muito sobre como as conexões digitais estavam substituindo os encontros reais. “Se eu tivesse seguido essa linha, eu não estaria aqui hoje. Eu não tive chance de encontrar com meus fãs presencialmente. Então, é isso que eu queria dizer.”

As capas de Death Stranding e Death Stranding 2 refletem a mudança de tom proposta por Hideo Kojima entre os dois jogos
Ele também revelou que a própria arte da capa do jogo carrega esse conceito. “O desenho do primeiro jogo, sabe aquela linha reta pendurada na capa? Representa a conexão. Agora a capa do DS2 é o fio pendurado de cima para baixo. Isso significa que quando acontece conexão em exagero, acontece fragmentação.”
Um sistema social que valoriza o invisível
Falando em conexões, Kojima explicou a criação do Social Strand System – o sistema de conexões indiretas entre jogadores. “Hoje em dia, é tudo online. Então, não é possível você ficar sozinho, desde que você tenha conexão para o mundo inteiro. Mesmo assim, existe solidão.”

Hideo Kojima fala sobre Death Stranding 2 durante coletiva na BGS 2025
Ele comentou sobre como queria evitar a lógica comum dos jogos competitivos. “O jogo existente é sempre: você vai conectando com alguém, só que pra lutar. Mas eu não queria isso.”
Sobre os likes, ele completou: “Esse número de likes é só você que sabe. E isso é para o jorgador ter orgulho, por ter tantos likes. Não é para mostrar para ninguém.”
Um mundo mais diverso, real e conectado.
Dessa vez, o mundo de “Death Stranding” se expande. Saem os Estados Unidos, entram Austrália e México. Segundo Kojima, isso reflete uma ideia antiga inspirada em ” Star Trek “: formar uma equipe multinacional para enfrentar grandes desafios.
“Desde criança, eu gostava de assistir filme, música e ler muitos livros de todos os países. Meu sonho era uma equipe com muita gente, de várias origens, juntando tudo para enfrentar algum desafio.”

“Cena do jogo Death Stranding 2: On the Beach destaca paisagem desafiadora da Austrália
Sobre a missão do incêndio, ele afirmou: “No Japão também passamos por isso, assim como no Brasil, vivenciamos incêndios de grande escala. Então não podia deixar de trazer isso no contexto do meu jogo.”
Tecnologia, atuação e realismo emocional
Kojima também falou sobre as tecnologias usadas para tornar o jogo mais realista. Ele citou o uso de inteligência artificial e a importância da atuação dos atores.
Falando sobre os bastidores, ele ainda compartilhou uma situação curiosa com Norman Reedus: “Logo no início de manhã, ele tinha que chorar. Aí ele ficou: nossa, quem consegue chorar a essa hora da manhã? Pelo amor de Deus. Vou começar bem o dia”, contou, rindo.

ecnologia de captura facial usada para transformar Norman Reedus em Sam Bridges
Ele ressaltou que não quis manipular os sentimentos do jogador com falas explícitas de tristeza. “Eu não quero mostrar diretamente, porque aí eu estou manipulando os jogadores. Então, cada jogador que decide o sentimento”.
Vilões, fãs e o carinho com o Brasil
Kojima finalizou dizendo que não gosta de pensar em vilões da forma tradicional. “Eu não usaria esse termo, vilão. Porque essa personagem também tem uma história, tem um contexto, tem uma história de própria vida.”
No fim da coletiva, visivelmente emocionado com a recepção do público brasileiro, ele disse: “Durante anos me diziam que eu era famoso no Brasil. Eu não acreditava. Mas hoje, ouvindo meu nome ser gritado, entendi. É uma honra.”

Hideo Kojima posa para foto ao lado de jornalistas após coletiva de imprensa durante a BGS 2025