Neste mês de abril, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) decidiu por manter a proibição dos cigarros eletrônicos
(também conhecidos como vapes, pods e e-cigs) no Brasil, medida em vigor desde 2009. Dessa forma, foi mantida a proibição de comercialização, fabricação, importação, armazenamento e propaganda de vapes.
Os motivos desta proibição geram intenso debate na sociedade, o que envolve desde adolescentes usando vapes até alternativas para abandonar o cigarro tradicional
, passando pelo risco de doenças e a liberdade individual.
Durante o processo de nova análise sobre o uso do vape, a Anvisa organizou uma consulta pública para escutar a sociedade. No entanto, a decisão não foi bem recebida e, no dia 19 de abril, quando o parecer final foi compartilhado, manifestações contrárias ocorreram na porta do prédio da agência.
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O que é vape?
Para entender todo o debate, vale mencionar que o vape é classificado como um dispositivo eletrônico para fumar (DEF). Em outras palavras, é um sistema que aquece um líquido específico, o que cria aerossóis. Estes serão inalados pelo usuários.
Dependendo do tipo de cigarro eletrônico e do cartucho (também chamado de juice
), podem ser acrescentados aditivos com sabores, como menta ou morango. Ainda é possível encontrar substâncias tóxicas e também nicotina, que causa dependência.
Riscos para a saúde
“Nenhum dispositivo eletrônico para fumar é seguro”, avisa o Instituto Nacional do Câncer (Inca), em documento. Este alerta é importante, já que um dos argumentos favoráveis ao uso do vape é que o dispositivo ajuda no tratamento do vício em nicotina, causado pelos cigarros convencionais.
Na verdade, “dispositivos eletrônicos para fumar, como o cigarro eletrônico, contêm substâncias tóxicas que causam câncer, doenças respiratórias e cardiovasculares
”, detalha o Inca. Inclusive, pode causar um quadro conhecido como lesão pulmonar induzida pelo cigarro eletrônico (Evali)
, diagnosticado pela primeira vez em 2019, nos EUA.
Vape vs cigarro convencional
“O que diferencia o cigarro convencional do eletrônico é que o cigarro convencional tem combustão, tem monóxido de carbono, alcatrão, e o cigarro eletrônico não tem”, explica Jaqueline Scholz, pesquisadora e diretora do Programa de Tratamento do Tabagismo em Cardiologia do Incor, para o Jornal da USP
.
O vape “tem outras substâncias em maior proporção, como aromatizantes, saborizantes e também tem uma nicotina diferente, que é o sal de nicotina, que faz com que as pessoas tenham uma dependência muito mais intensa e mais precoce”, acrescenta Scholz.
Entre as diferenças entre o vape e o cigarro convencional, também vale ser mencionada a frequência. Em média, um usuário dá 200 a 250 tragadas ao longo do dia, se fuma um maço de cigarro convencional. Com os vapes, a quantidade média de tragadas diárias pode variar entre 500 a 1,5 mil.
Uso do vape no Brasil
Embora a venda de vapes não seja autorizada no país, é fácil encontrar cigarros eletrônicos para compra em lojas físicas ou virtuais. Tanto é que, segundo o Inquérito Telefônico de Fatores de Risco para Doenças Crônicas Não Transmissíveis em Tempos de Pandemia, divulgado pela Agência Brasil
, mais de 4 milhões de brasileiros já usaram esses dispositivos — este número pode estar subnotificado.
Para entender melhor os riscos associados ao vape em adultos no país, pesquisadores do Incor começaram a coletar dados de usuários do dispositivo em bares e restaurantes em São Paulo.
Vape entre adolescentes
Um dos grandes problemas associados aos vapes é o uso por jovens e adolescentes, com menos de 18 anos. O movimento já existe no Brasil, mas não é tão bem calculado como em outros lugares do mundo, incluindo Europa, Ásia Central e Canadá.
Nesses países, acabou de ser divulgado um estudo desenvolvido pela Organização Mundial de Saúde (OMS) analisando o consumo de cigarros eletrônicos por jovens. Por lá, descobriu-se que 32% daqueles que têm 15 anos já usaram vape e 20% usaram dispositivos do tipo nos últimos 30 dias. Quando se questiona sobre o cigarro convencional, o consumo é menor, sendo estimado em 25% e 15%, respectivamente.
Cigarros eletrônicos e Anvisa
“A Anvisa não está andando à contramão do que existe. Estamos alinhados a ciência”, afirma Antonio Barra Torres, diretor-presidente da Anvisa e relator da matéria, em seu voto favorável à manutenção da proibição do vape no Brasil.
Para embasar o seu voto, Torres afirma que 32 associações científicas brasileiras são contrárias a uma possível liberação do uso de vapes. Ele também destaca o posicionamento do Ministério da Saúde e da OMS.
Inclusive, Torres destaca que “a consulta pública realizada não trouxe fato ou argumento científico que alterasse o peso das evidências já ratificadas por esta Colegiada anteriormente”. Neste cenário, todos os votos dos diretores apontaram para a manutenção das normas.
Argumentos contrários
Apesar da decisão, aparentemente, o debate público sobre o uso de vapes está longe de acabar. “Milhares de pessoas contam com o apoio dos cigarros eletrônicos para conseguirem deixar o tabagismo. O Estado autoriza que a população tenha acesso aos cigarros tradicionais, muito mais prejudicial à saúde, e proíbe a alternativa de redução de danos, como os DEFs, o que não tem sentido”, afirma Alexandro Lucian, do Diretório de Informações para Redução dos Danos do Tabagismo (Direta), em comunicado enviado ao Canaltech
.
“O Brasil, por meio de suas instituições competentes, deve oferecer alternativas seguras que não criminalizem o cidadão”, acrescenta Lucian sobre a importância de alternativas que ajudem a largar o vício em nicotina.
Sem parâmetros de qualidade
Com a medida da Anvisa, outro entendimento é que, sem a regulamentação, a exportação ilegal de vapes irá continuar. Estes produtos que chegam ao Brasil não seguem nenhum parâmetro de qualidade, colocando em risco a saúde dos usuários.
“A eventual regulamentação dos cigarros eletrônicos poderia servir como ferramenta eficaz para retirar o produto do mercado ilegal e estabelecer parâmetros de qualidade, de toxicidade e da composição dos produtos. Seria, assim, um recurso para proteger a sociedade brasileira dos dispositivos clandestinos, que hoje é quem fomenta o mercado, vendidos sem qualquer controle, inclusive nos arredores de estações de metrô, onde os adolescentes têm fácil acesso para iniciar o consumo”, pontua Claudia de Lucca Mano, advogada especializada na área de vigilância sanitária, em nota.
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