sábado, 29 de março de 2025

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Mineração submarina, uma ameaça para naufrágios e legado cultural e espiritual?

Foto divulgada em 15 de fevereiro de 2023, pela Woods Hole Oceanographic Institution, do naufrágio do Titanic tirada em 1986

Navios afundados, restos de escravizados que morreram no tráfico transatlântico ou a conexão “espiritual” dos habitantes das ilhas do Pacífico: os oceanos abrigam um patrimônio cultural que deve ser protegido da mineração submarina da mesma forma que os ecossistemas, afirmam ONGs e povos indígenas.

“Nossos ancestrais percorreram os oceanos durante milhares de anos, transmitindo informações de geração em geração”, explica à AFP Hinano Murphy, da Sociedade Polinésia Tetiaroa.

“Somos filhos dos povos do oceano” e “devemos proteger esse patrimônio”, “adotando o princípio de que os fundos marinhos são um lugar sagrado, o ventre da vida”, insiste.

Na atual sessão da Autoridade Internacional dos Fundos Marinhos (ISA), realizada na Jamaica, representantes dos povos indígenas pediram que seu patrimônio cultural e seu vínculo espiritual com os oceanos sejam reconhecidos no código de mineração, que estabelecerá as normas para a exploração dos fundos marinhos em águas internacionais.

Cientistas e conservacionistas dos oceanos há tempos alertam sobre as ameaças que a futura exploração industrial representa para os ecossistemas marinhos.

“O patrimônio cultural subaquático é a memória viva das gerações que nos precederam, e sua proteção deve ser uma prioridade tão importante quanto a proteção da biodiversidade marinha”, argumenta Salim Lahsini, representante do Marrocos, em nome dos países africanos.

O projeto de texto atual, alvo de grandes divergências, prevê a proteção do “patrimônio cultural subaquático”.

Caso sejam descobertos restos humanos, objetos ou sítios arqueológicos, as empresas exploradoras deverão notificá-los à ISA. Uma descoberta que, dependendo do resultado das negociações, poderá levar à suspensão das atividades.

Mas não há consenso sobre os métodos e as definições.

“Definir o patrimônio cultural apenas com base em naufrágios me parece muito triste”, disse à AFP April Nishimura, representante de um clã gitxsan do Canadá, que lembra a ligação de seu povo com o mar por meio dos salmões que sobem os rios.

– “Intangível” –

Nesse sentido, um grupo de países liderado pela Micronésia propôs especificar que esse patrimônio inclui tanto o patrimônio material (restos humanos, artefatos, naufrágios e suas cargas, etc.) quanto o patrimônio “intangível”, como os conhecimentos relacionados à navegação tradicional ou às práticas espirituais ligadas à água.

Por enquanto, apenas as tecnologias de extração de nódulos polimetálicos no Pacífico parecem suficientemente desenvolvidas para uma possível exploração em escala industrial.

Mas o Atlântico, com seus diferentes tipos de jazidas, também poderá ser afetado.

Esse oceano abriga em suas profundezas navios afundados e aviões abatidos durante as duas guerras mundiais, assim como vestígios de séculos de comércio de escravizados entre a África e a América.

“Muitos navios que transportavam escravizados afundaram durante a travessia. E muitos escravizados que morreram durante a viagem foram lançados ao mar”, explica à AFP Lucas Lixinski, professor da Universidade de Nova Gales do Sul, em Sydney.

Trata-se de “uma história importante sobre nosso patrimônio subaquático e nossas conexões atuais com ele”.

Embora interromper a extração em caso de descoberta de um naufrágio pareça, a princípio, relativamente simples, proteger os aspectos “intangíveis” desse patrimônio é mais complexo.

Segundo o professor, o código de mineração poderia “criar uma lista de avaliação” prévia.

Na prática, isso significaria perguntar às comunidades afetadas e aos antropólogos se a atividade em determinada área poderia “perturbar as conexões culturais de maneira excessivamente invasiva ou destrutiva”.

O grupo de trabalho liderado pela Micronésia recomenda a criação de um comitê especializado – que inclua representantes dos povos indígenas – para assessorar o Conselho da ISA na decisão sobre um plano de exploração.

Quanto à proteção do patrimônio material, existem soluções, explica à AFP Charlotte Jarvis, arqueóloga marítima e representante da ONG The Ocean Foundation.

“Somos treinados para detectar um naufrágio nos dados do fundo do mar (…) e agir com base nesses dados”, por exemplo, estabelecendo uma “zona de amortecimento”, explica.

Ela ainda desfaz a ilusão daqueles que possam acreditar que não há relíquias a serem exploradas em profundidades tão grandes no oceano.

“Basta pensar no naufrágio mais famoso do mundo, o Titanic”, afundado a 3.800 metros de profundidade.

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