Plano Brasileiro de IA
Dizem que o futuro é agora. Mas quando leio o recém-lançado Plano Brasileiro de Inteligência Artificial, fico com a impressão de que, no Brasil, o futuro sempre tem curto prazo. Gostaria muito que esse documento fosse efetivamente um plano de Estado mas, infelizmente, não dá pra ler sem achar que será apenas mais um plano de governo esquecido ao fim do mandato.
Mas não deixe que meu pessimismo encubra a boa notícia: a publicação desse documento é um bom avanço. Ele tem premissas bonitas: soberania digital, inclusão social, Ética nos algoritmos, formação técnica, nuvem soberana. Mas como ouvimos tantas vezes — “o papel aceita tudo”. E aqui, o pdf aceitou 104 páginas.
A ambição do plano é louvável. Investir R$ 23 bilhões em IA até 2028 e apostar na matriz energética limpa como diferencial competitivo é inteligente. Apostar em modelos de linguagem em português e atender aos desafios brasileiros com soluções próprias também é estratégico. A pergunta é: será que dessa vez vamos fazer diferente?
O plano reconhece que a maioria das inovações em IA no Brasil ainda depende de tecnologia estrangeira. Que perdemos cérebros para o Vale do Silício. Que o SUS pode ser campo fértil para IA, mas que mal conseguimos digitalizar fichas médicas em muitos municípios. É um plano que, ao menos, tem consciência da distância entre onde estamos e onde queremos chegar.
Mas há também contradições. O governo que defende “IA Ética” ainda não conseguiu se atualizar a ponto de entender que os algoritmos das redes sociais são IAs que operam longe da Ética. Que propor esse termo nesse momento da humanidade é um tanto quanto utópico. Na mesma semana em que acertamos como nação ao ver o “ STF formar maioria para responsabilizar big techs por conteúdos de usuários” o plano brasileiro é otimista ao achar que podemos encontrar uma maneira de “cooperar com elas”.
E se queremos “IA centrada no ser humano”, como seguir sendo cúmplice de grande grupos educacionais que, nos últimos 10 anos, “democratizaram” a Educação digital às custas da perda criminosa da qualidade de ensino?
Aliás, quem você pensa que será beneficiado com essas linhas de crédito para desenvolvimento de IA para Educação, Saúde, Agro e etc? Quem tem “bala” para buscar essa verba de hoje até 2018? Você acha que serão cooperativas em comunidades vulneráveis ou grandes corporações que “incubam” startups de fachada? Fica aqui uma pincelada de pensamento crítico.
Falta um detalhe essencial: o povo nesse plano. O brasileiro comum ainda é tratado como beneficiário passivo, não como agente da transformação digital. E enquanto os algoritmos se sofisticam, nossa sociedade continua analógica em muitos aspectos — desigual, mal informada, vulnerável a manipulações digitais.
IA para o bem de todos? Sim. Mas o “bem” exige esforço coletivo, transparência radical e mais ação do que estratégia. A inteligência artificial pode ser a grande aliada do Brasil. Mas isso só será verdade quando a inteligência orgânica — a nossa — parar de entender que o futuro será de paz e amor.
Porque o futuro, mesmo com todos os dados, ainda depende da nossa decisão política mais básica: incluir de verdade, estourando as bolhas que hoje tanto nos dividem.