Astronauta Marcos Pontes
Recentemente, o Ministério da Educação (MEC) anunciou, por meio da Portaria nº 330/2025, a criação do Exame Nacional de Avaliação da Formação Médica (Enamed). Trata-se de uma iniciativa com foco exclusivamente institucional, voltada à avaliação da qualidade dos cursos de medicina oferecidos pelas instituições de ensino superior, não se trata de um exame de proficiência individual.
O Enamed busca medir o desempenho dos cursos, combinando elementos do Enade (avaliação institucional de cursos) e da prova objetiva do Enare (exame para residência médica). Seu caráter é avaliativo e informativo, sem impacto direto na habilitação profissional dos egressos.
Já o Exame Nacional de Proficiência Médica, proposto no PL 2294/2024, de minha autoria, propõe um instrumento regulatório, individual e obrigatório, inspirado em modelos internacionais (Reino Unido, Canadá e Austrália). O objetivo é avaliar se o egresso está tecnicamente e eticamente apto a exercer a medicina, atuando como filtro de qualidade e proteção à sociedade.
Ambas as iniciativas são complementares, mas não têm as mesmas funções:
O Enamed avalia o curso.
O Exame de Proficiência avalia o médico.
O Enamed contribui para o aprimoramento dos cursos de medicina no Brasil, ao oferecer indicadores institucionais importantes, mas não substitui a necessidade de um exame com caráter regulatório e profissional ao final da formação. Somente esse segundo instrumento é capaz de garantir que o profissional esteja de fato preparado para atender a população com segurança, especialmente os que dependem do SUS.
Diferença entre o Enamed e o Exame Nacional de Proficiência Médica (PL 2294/2024)
O Enamed NÃO:
- O Enamed NÃO é um exame de proficiência médica;
- O Enamed NÃO condiciona o registro profissional;
- O Enamed NÃO estabelece nível mínimo obrigatório para atuação;
- O Enamed NÃO impede que um estudante com baixo desempenho atue como médico.
Ele mede o desempenho dos cursos, combinando critérios do Enade e do Enare, com foco informativo, sem valor regulatório.
O Exame de Proficiência Médica (PL 2294/2024) é:
- Regulatório;
- Individual;
- Obrigatório apenas para quem ingressar no curso após a aprovação da lei;
- Inspirado em modelos adotados em países como Reino Unido, Canadá e Austrália;
- Voltado para garantir as competências técnicas e éticas mínimas exigidas.
Pontos de Tensão Institucional
Em nota, a Frente Parlamentar Mista da Medicina (FPMED) levantou questões sensíveis sobre a Portaria do MEC:
Controle da regulação: O PL 2294/2024 propõe um modelo coordenado pela autarquia profissional (CFM), com foco na medicina. Já o Enamed centraliza a responsabilidade no MEC e no INEP, sob uma lógica educacional mais ampla, sem envolvimento direto das entidades médicas.
Finalidade do exame: O Enamed tem fins educacionais e diagnósticos, sem efeito técnico-profissional. Isso limita seu impacto sobre a qualidade da prática médica.
Ausência do CFM: O Enamed não envolve o Conselho Federal de Medicina em sua estrutura normativa ou de fiscalização, o que pode comprometer o alinhamento com os padrões exigidos na prática profissional.
Por que é importante o Brasil ter um Exame de Proficiência Médica?
Desde 2005, o CREMESP aplicou exames voluntários de proficiência aos formandos de medicina em São Paulo. Em 2012, quando a prova se tornou obrigatória, mais de 54% dos candidatos foram reprovados. Em 2014, esse índice chegou a 55% entre recém-formados, todos oriundos de escolas médicas autorizadas a funcionar no país.
Esses dados revelam deficiências graves na formação médica brasileira, que vêm se agravando com a proliferação desordenada de cursos de medicina. O Brasil já possui mais de 380 escolas médicas, sendo hoje o segundo país no mundo com mais cursos de medicina, atrás apenas da Índia.
Muitas dessas instituições não dispõem de hospitais-escola, centros de estudos, ou sequer infraestrutura mínima para o ensino prático e científico da medicina. Nesse cenário, é urgente garantir que os egressos sejam avaliados quanto às competências técnicas e éticas mínimas antes de iniciarem a prática profissional.
Sem esse controle, corremos o risco real de colocar em risco a segurança dos pacientes, especialmente os mais vulneráveis — ao permitir que profissionais sem a formação adequada ingressem no sistema de saúde.
Conclusão
O Enamed é um passo na avaliação institucional da formação médica. No entanto, para garantir que todo médico recém-formado esteja, de fato, preparado para cuidar da vida humana com competência, ética e responsabilidade, é indispensável a criação de um Exame Nacional de Proficiência Médica com caráter regulatório, coordenado pelo Conselho Federal de Medicina.
Somente assim o Brasil poderá avançar, e não apenas dar um passo, rumo a um sistema de saúde mais seguro, justo e qualificado. É por meio desse exame que poderemos assegurar que todos os cidadãos, especialmente os mais vulneráveis, sejam atendidos por profissionais verdadeiramente aptos a exercer a medicina com excelência.
** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do Portal iG