É engraçado como a vastidão do universo e a fé em algo maior podem coexistir no coração de alguém. No Dia de Nossa Senhora Aparecida, volto ao momento em que um boton da Padroeira do Brasil me acompanhou ao espaço, flutuando ao meu lado enquanto o planeta girava silencioso sob nossos olhos atentos. Cada vez que olho para essa imagem, um mar de memórias e emoções inunda minha mente: a infância humilde em Bauru, as preces da minha mãe, o sonho de alcançar as estrelas. Afinal, eu era só um garoto que olhava para o céu, mas carregava comigo um desejo intenso de explorar o desconhecido e, ao mesmo tempo, uma crença inabalável em algo muito maior do que eu.
Quando subi ao espaço na Missão Centenário, não levei apenas experimentos científicos e equipamentos. Levei comigo símbolos de fé que me conectavam ao meu país, à minha história, às pessoas que amava. Um pequeno boton de Nossa Senhora Aparecida, guardada com carinho no meu uniforme, era meu escudo e meu lembrete de que eu nunca estava realmente sozinho. Ali, entre a Terra e as estrelas, compreendi que nossa existência é um fio tênue, um sopro breve, mas ao mesmo tempo carregado de propósito.
Na Estação Espacial Internacional (ISS), escrevi uma carta que, ainda hoje, ecoa em minha alma. Em meio à serenidade do espaço, o planeta parecia tão frágil, uma pequena joia azul envolta pela escuridão. É uma visão que traz uma estranha mistura de humildade e reverência. Olhando para aquela esfera que flutuava no infinito, sentia como se pudesse abraçar toda a humanidade, enxergar o quão pequenos e ao mesmo tempo quão especiais somos. Ali, em um lugar onde o tempo parece parar, as palavras fluíram de dentro de mim, como uma oração: “Que o sorriso de uma criança possa desarmar exércitos. Que sejamos todos simplesmente irmãos.”
Ao retornar à Terra, fiz questão de deixar esse boton e a carta na Sala das Promessas, na Basílica de Nossa Senhora Aparecida. Queria que esses símbolos carregassem um pouco da esperança e da fé que senti naquele silêncio cósmico. Às vezes, acredito que os objetos têm a capacidade de inspirar; como pequenos fragmentos de experiências, eles carregam sentimentos, emoções e significados que transcendem o tempo e o espaço. Ao deixar esses itens sagrados, meu desejo era que eles pudessem tocar o coração das pessoas, levá-las a encontrar a mesma paz e gratidão que senti lá no alto, onde o céu não tem fim.
Hoje, essa jornada espiritual continua aqui, na Terra, enquanto sigo trabalhando no Senado, promovendo valores que acredito serem essenciais para construirmos uma sociedade mais justa e solidária. A criação da Frente Parlamentar Católica foi uma forma de trazer esses ideais ao cenário político, de unir o sagrado e o cotidiano, a fé e a razão. E ao propor o Caminhos da Fé, um projeto que leva peregrinos de Aparecida a Brasília, meu desejo é oferecer um espaço onde as pessoas possam reencontrar seus valores, sua espiritualidade e, acima de tudo, a si mesmas.
Ainda há muito a ser feito, e a estrada é longa. Mas, como dizia a oração silenciosa que fiz lá em cima, olhando para nossa Terra preciosa, “que sejamos a criança que sorri dentro de nós.” Que sigamos juntos, com fé e ciência, construindo pontes para um futuro onde todos possam encontrar um sentido maior para suas vidas. Afinal, estamos todos nesse mesmo pequeno planeta, navegando pelo vasto e misterioso universo, com a esperança de que, juntos, possamos transformar o mundo ao nosso redor.
Que Nossa Senhora Aparecida abençoe e guie cada um de nós nessa jornada.
Às vezes, ao relembrar minha jornada, sinto que vivi várias vidas dentro de uma só. Em cada missão, desafio ou conquista, há sempre uma lição maior, algo que vai além do trabalho e toca a essência do ser humano. O espaço, com sua vastidão silenciosa e quase assombrosa, me ensinou o valor da humildade. É difícil não sentir o peso disso quando se está cercado pelo infinito, com apenas uma fina camada de metal separando você do vácuo. E é igualmente difícil não sentir uma reverência profunda pela Terra, essa casa comum que flutua tão delicada e vulnerável.
Desde que voltei, carrego a missão de transmitir o que aprendi, de construir um mundo onde ciência e espiritualidade não sejam forças opostas, mas partes de uma mesma busca. Na criação da Frente Parlamentar Católica, a intenção não é impor uma crença, mas sim abrir um espaço para valores de respeito, compaixão e ética que, no fundo, pertencem a todos nós. Ao lado de outros projetos, como o Caminhos da Fé, a ideia é oferecer à sociedade uma rota de encontro com seus próprios valores e de fortalecimento do que nos une como seres humanos.
Ao longo da minha trajetória, percebo que essa união entre ciência e fé é uma ferramenta poderosa para entender quem somos e o que podemos realizar. A ciência nos mostra as possibilidades e amplia nossos horizontes, mas é a fé que ilumina o caminho e nos lembra o porquê de cada passo. E isso é algo que carrego todos os dias, especialmente nos momentos de decisão, nos quais é necessário não apenas conhecimento técnico, mas também uma sabedoria silenciosa que nasce da fé e da conexão com algo maior.
Para mim, cada escolha no Senado é uma oportunidade de aproximar as pessoas, de construir políticas que refletem o melhor do que somos. E mesmo nos momentos de incerteza, quando o cenário é turbulento e as soluções parecem distantes, recordo-me da oração que fiz naquela estação espacial, com o olhar perdido na imensidão: “Que Deus e Nossa Senhora iluminem os caminhos de todos.” Porque, no final, é essa luz que nos faz seguir em frente, é essa chama que nos inspira a nunca desistir.
Quando me perguntam se voltaria ao espaço, meu coração se ilumina, e a resposta sempre é “sim.” Voltaria, não apenas por amor à exploração, mas por aquele momento raro e indescritível em que, no silêncio profundo do cosmos, você se sente em paz consigo mesmo e com o universo. Porém, sei que a missão que me foi confiada agora é outra: é aqui, na Terra, onde posso inspirar mais, ensinar o que vivi, e contribuir para que outros também encontrem o seu propósito, seja ele nas estrelas ou no dia a dia de um país que clama por esperança.
Acredito que cada um de nós é um pedaço da história que escrevemos juntos, uma fagulha que ilumina o caminho. Que tenhamos coragem para explorar novos horizontes e, ao mesmo tempo, para cultivar a fé que nos une. Porque, no fim das contas, somos todos viajantes, buscando o sentido da nossa existência, guiados pela esperança de que, um dia, possamos olhar para trás e dizer: valeu a pena, fizemos nossa parte, e construímos um mundo melhor para todos.
Carta na íntegra:
“Irmão, passamos nossas vidas buscando a felicidade e tentando mudar o mundo. Mas, afinal, o que somos nós? O que é a vida?
No silêncio desses dias aqui no espaço, olhando para esse nosso lindo Planeta e as estrelas pude perceber o paradoxo: nossa Terra é preciosa e, ao mesmo tempo, insignificante no Universo.
Da mesma forma, somos todos insignificantes ao mesmo tempo que cada ser humano é preciso em sua essência.
Tenho buscado respostas fora da Terra e encontrei essa resposta dentro de mim, no silêncio da alma, onde todos nos encontramos com Deus e a felicidade.
Nossa Senhora Aparecida, toque o coração de cada pessoa naquele Planeta!
Que cada um perceba que o mundo ao seu redor é um simples reflexo do que existe dentro de cada um de nós.
Que o sorriso de uma criança possa desarmar exércitos.
Que cada criança possa sorrir e aprender o seu verdadeiro valor.
Que sejamos a criança que sorri dentro de nós.
Que sejamos todos simplesmente irmãos, seus filhos.
Que sejamos simplesmente felizes”.
Astronauta Marcos Pontes, Estação Espacial Internacional, em 04/04/2006