Não é de hoje que histórias ambientadas em um futuro tecnológico são retratadas no cinema, mostrando as evoluções e impactos que a tecnologia
pode trazer para a sociedade. Quase sempre, no entanto, essas tramas são contadas do ponto de vista daqueles que têm mais dinheiro e o privilégio de usar essas mudanças a seu favor.
Em The Kitchen
, filme dirigido pelo astro Daniel Kaluuya (
Corra!
), em sua estreia à frente de longa-metragens, há uma visão um pouco diferente dessa realidade.
Embora o filme que chegou na Netflix
nesta sexta-feira (19) seja ambientado em uma Londres futurista e altamente tecnológica, aqui, quem está nos holofotes não são os homens engravatados que vivem em arranha-céus automatizados, mas sim os residentes da comunidade de mesmo nome, que se tornou o último conjunto habitacional da cidade.
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Inserida em uma realidade em que as diferenças entre classes chegaram a níveis alarmantes, The Kitchen é o último conjunto que ainda resiste de pé, após tantos outros terem sido invadidos e destruídos pela polícia. Um lugar que possivelmente não irá escapar do mesmo destino cruel de outras comunidades, mas que, ao menos por enquanto, busca resistir da maneira como pode.
Uma história sobre paternidade
É nesse cenário de luta que conhecemos Izi (interpretado pelo rapper britânico Kano), um homem bastante solitário que vive em The Kitchen, mas aguarda ansiosamente por uma aprovação financeira para mudar para um novo apartamento. Focado em seus próprios problemas, Izi rejeita o local em que cresceu e não entende o espírito de comunidade que faz parte de seus moradores.
Um dia, o rapaz que trabalha em uma funerária para os menos abastados, descobre que uma mulher com quem se envolveu no passado acaba de morrer, e Benji (Jedaiah Bannerman), o filho único da falecida, está em busca de seu verdadeiro pai. Tocado e se sentido culpado pela situação do garoto, Izi decide então acolher Benji por alguns dias, impedindo que ele entre para uma das gangues da comunidade e enverede por um caminho sem volta.
É dessa maneira que homem e garoto passam então a dividir o mesmo teto, formando uma aliança pouco provável e cheia de altos e baixos. Nessa relação, Izi tem medo de encarar a paternidade e as mudanças que ela pode trazer, ao mesmo tempo em que Benji sonha em ser aceito pelo seu protetor, enquanto ainda sofre com a perda de sua mãe.
Mesmo muito diferentes, ambos desenvolvem uma conexão profunda e essencial para sua sobrevivência, que além de os tornar menos vulneráveis a um governo que não os quer ali, também traz um tipo de afeto que, até então, eles nunca haviam experimentado.
O universo paralelo de The Kitchen
Embora a relação de Izi e Benji seja o grande fio condutor do filme, é a ambientação de The Kitchen, com seus grafites e letreiros neon, além de toda sua comunidade pulsante, a verdadeira estrela do longa-metragem.
Perigoso, colorido e feroz, o conjunto habitacional é um universo paralelo dentro de Londres, que abriga uma comunidade que age de maneira quase tribal para defender seu território. Ali, regidos por suas próprias regras, seus moradores têm seu próprio comércio, sua rádio local, suas divisões regionais e uma maneira única de comunicação para as batidas da polícia.
Além disso, todos que moram em The Kitchen e defendem o território parecem comunicar esse orgulho também através de sua imagem. Sempre com cabelos coloridos e visuais chamativos, seus moradores formam um contraste enorme com Izi, que só pensa em ir embora da comunidade e vive sempre de preto, e Benji, que mal chega no conjunto e já é encorajado a “mudar seu estilo de estudante”.
Outro ponto bastante chamativo do filme é a sua trilha sonora, que anda sempre de mãos dadas com o que os personagens desejam comunicar. Bastante importante, ela é inserida em vários momentos comoventes e impressionantes da trama, e aparece de formas variadas, sendo cantada, dançada e até mesmo entoada pelos moradores do local.
“Casa é onde o seu coração está”
Escrito por Rob Hayes, Joe Murtagh e pelo próprio Daniel Kaluuya, que também é um dos produtores do filme, The Kitchen
apresenta uma história muito bonita sobre paternidade, mas que, em um sentido mais amplo, fala também sobre a sensação de pertencimento a alguém ou a algum lugar.
Mais até do que laços sanguíneos, o filme fala sobre o afeto construído entre aqueles que precisam de ajuda e veem em outras pessoas o seu verdadeiro lar — sejam elas uma comunidade, uma gangue de meninos de bicicleta ou apenas uma figura mais velha, que funcione como seu guia e protetor.
Com um visual impressionante, que faz o telespectador mergulhar de fato em seu ambiente e história, o filme é uma estreia muito bonita e acertada de Kaluuya, que tem tudo para ter uma carreira de diretor tão bonita quanto a de ator.
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