Vivemos num tempo em que até a manteiga virou motivo de culpa
Vivemos num tempo em que até a manteiga virou motivo de culpa. É como se o simples ato de saborear um pão com queijo fosse um manifesto contra a saúde ou o planeta.
No episódio mais recente do Inteligência Orgânica, conversei com Bruno Romano, humorista, publicitário e um observador perspicaz das contradições contemporâneas, sobre o que, de fato, estamos engolindo todos os dias — e não falo só de comida.
Falamos sobre dieta, mas também sobre dieta de conteúdo. Sobre o que decidimos eliminar da vida porque alguém no Instagram disse que é “tóxico”, e sobre como confundimos saúde com controle obsessivo. O mesmo vale para ideias: filtramos tanto, nos blindamos tanto contra o desconforto, que deixamos de saborear o contraditório.
Bruno, com seu humor ácido e olhar publicitário, escancara como essa vigilância constante — do corpo, do discurso, da imagem — não está nos tornando melhores, mas mais inseguros.
A conversa também esbarrou nos limites da autenticidade. Afinal, até que ponto somos espontâneos quando tudo precisa performar bem? Há um mercado para a naturalidade, uma indústria da vulnerabilidade, que vende a ideia de que você pode ser você mesmo desde que dentro do enquadramento certo, com a iluminação certa e, claro, com a legenda que converta.
Entre piadas, provocações e memórias de infância, o papo com Bruno acaba sendo um lembrete urgente: talvez pensar criticamente hoje seja tão subversivo quanto comer pão com requeijão sem culpa.
Talvez o antídoto para o excesso de filtros — físicos e mentais — seja exatamente isso: rir. Rir da nossa rigidez, das nossas regras auto impostas, e, sobretudo, das certezas que nos impedem de viver com mais leveza.