Cerâmica, Dopamina e o Desespero Digital
O nome do podcast é Inteligência Orgânica. E ele nasceu, sem querer, como um podcast triste. Uma espécie de suspiro — entre o cansaço e a lucidez — diante do cenário acelerado, superficial e plastificado das redes sociais. Um lugar onde tudo é dito rápido demais, onde ninguém se escuta, onde até a inteligência parece ter sido automatizada.
No episódio mais recente, conversei com Mariana Pantano, jornalista, estrategista digital e ceramista nas horas de sobrevivência emocional. O papo começou com uma pergunta simples, mas incômoda:
“Por que você ainda acha que as coisas podem dar certo?”
É curioso como a esperança precisa ser justificada. Não como otimismo ingênuo, mas como resistência ativa. Para Mariana, as coisas até podem dar certo — mas só para quem se interessa de verdade, para quem estuda, para quem aguenta o tranco de nadar contra a maré do imediatismo.
Mariana deixou uma carreira segura em comunicação corporativa para mergulhar no digital. Encontrou, ali, o caos. Promessas rasas. Pressa. Clínicas prometendo sucesso com cinco postagens. Gente vendendo PNL como se fosse receita de pastel. Médicos que anunciam facetas dentárias como se fossem filtros de Instagram. E clientes querendo retorno em sete dias úteis.
A lógica é sempre a mesma: resultado antes do processo, visibilidade antes do sentido, viralização antes da verdade.
Foi aí que ela se refugiou na cerâmica.
E a metáfora é perfeita.
A cerâmica exige silêncio, atenção, lentidão. Argila não aceita pressa. O forno não obedece cronograma de lançamento. O objeto nem sempre sai como planejado.
É isso — esse processo imperfeito, demorado e falho — talvez seja exatamente o que o marketing digital esqueceu de ensinar.
No meio da conversa, percebemos o óbvio que muita gente ignora: mesmo quem sabe o que está fazendo no digital, está exausto. Mesmo quem entende de funil, de algoritmo, de storytelling, sente vontade de sumir. Mesmo quem tem resultado, já se perguntou: até quando eu aguento isso?
O que ficou da nossa conversa não foi uma resposta definitiva, mas uma constatação: ninguém está imune à insatisfação algorítmica. Nem criador, nem cliente, nem consumidor.
Por isso, talvez o papel mais importante da Inteligência Orgânica seja lembrar que existe vida inteligente fora dos gráficos.
Que se permitir o tédio pode ser tão valioso quanto criar conteúdo.
Que o fracasso é parte da equação.
E que o óbvio precisa ser dito — porque o mundo anda esquecendo o que importa.
Se você também está cansado de correr, talvez seja hora de sentar. De pegar um pouco de argila. Ou, pelo menos, de respirar.
** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do Portal iG