A Liderança Feminina na Era Pós-Digital
O Futuro é Feminino
O DNA Feminino na Agricultura
Milênios atrás, quando a humanidade ainda era nômade, de um lugar para o outro em busca de sua sobrevivência, as mulheres por sua conexão íntima com a natureza, observaram e compreenderam o ciclo biológico das plantas. Em geral, ao longo desse período, os homens estavam a caçar e de alguma forma, precisavam sair, lutar e trazer o sustento para suas famílias. Enquanto isso, Elas iniciaram a revolução da coleta e seleção de sementes e do plantio. Elas definiram que plantas e frutos poderiam servir de alimentos e passaram a plantá-los e a colhê-los, proporcionando a possibilidade de fixação na terra, sem a necessidade de uma vida errante e altamente arriscada na busca por alimentos. Foi a partir daí, que territórios, cidades, nações se estabeleceram.
Aprenderam também a utilizar as fibras das plantas para produzirem cestarias, roupas, adornos, e como alquimistas natas, extraíram corantes e pigmentos naturais das plantas para colorir suas peças artesanais, criativamente produzidas. Esses artesanatos, como tapetes, cestos etc em tempos de conflitos entre feudos, tribos, clãs, etc ajudavam a financiar a produção de armas, como arcos, flexas, lanças, capacetes etc que os homens utilizavam em suas frentes de combates. Ou seja, a criatividade feminina sempre foi fonte produtiva para se angariar os recursos financeiros que sustentavam sua comunidade.
Para além de ser o esteio da civilização agrícola, a sociedade atual também deve às mulheres a gênese da Era Digital.
O DNA Feminino na Revolução Digital
Poucas pessoas sabem que a Era da Informática tem um DNA feminino que atendia pelo título de Condessa de Lovelace. Ada Lovelace, a britânica formada em Matemática, não apenas criou o primeiro algoritmo para ser processado por uma máquina, mas foi literalmente a primeira pessoa da humanidade a escrever linhas de código. Sua inteligência matemática deu início a uma transformação exponencial da história, inaugurando a chamada Era Digital da humanidade.
Hoje, enquanto nos encontramos na transição para uma Era Pós-Digital, observamos um fenômeno extraordinário: assim como o pensamento feminino deu origem à primeira revolução agrícola e a própria revolução tecnológica, será novamente a liderança feminina que conduzirá a humanidade rumo à regeneração planetária e à construção de uma bioeconomia sustentável que promete movimentar trilhões de dólares e gerar milhões de empregos nas próximas décadas.
Condessa Ada de Lovelace Primeiro Algorítimo do Mundo
A Condessa Ada Lovelace, que faleceu jovem aos 36 anos, possuía uma visão que transcendia seu tempo. Ela acreditava que computadores poderiam ir muito além de cálculos e processamentos de números, antecipando a capacidade de associar pensamento lógico ao metafísico. Esta mesma capacidade integrativa, característica do que os orientais chamam de energia Yin, está hoje moldando um futuro onde a colaboração supera a competição, e onde a regeneração planetária se torna não apenas uma necessidade, mas uma oportunidade econômica sem precedentes.
A Bioeconomia como Horizonte da Liderança Feminina
O espírito conciliador, restaurador, cooperativo, integrativo, próprio do feminino (energia Yin) é naturalmente compatível com a urgência regenerativa que se impõem a humanidade. O desenvolvimento exponencial da bioeconomia não é apenas uma oportunidade econômica, mas representa uma mudança paradigmática na forma como a humanidade se relaciona com os bens naturais. E nesta transformação, as mulheres emergem como protagonistas indiscutíveis.
Regeneração Planetária
A Organização das Nações Unidas estabeleceu a meta ambiciosa de restaurar 1 bilhão de hectares degradados até 2030, o que pode gerar US$ 9 trilhões em oportunidades econômicas e criar 70 milhões de novos postos de trabalho. A bioeconomia mundial, atualmente avaliada em US$ 4trilhões, tem projeções que apontam para US$ 30 trilhões até 2040, segundo o “World Bioeconomy Forum”.
Esta “Década da Regeneração” encontra nas mulheres suas principais articuladoras, desde cientistas pioneiras até empresárias visionárias que estão redefinindo setores inteiros da economia.
As Vencedoras do Nobel 2020: Revolucionando a Biotecnologia
Um marco histórico foi alcançado em 2020, ano da pandemia do corona vírus, quando Jennifer Doudna, bioquímica americana da Universidade da Califórnia em Berkeley, e Emmanuelle Charpentier, microbióloga francesa do Instituto Max Planck de Biologia de Infecções em Berlim, tornaram-se as primeiras mulheres a ganhar juntas o Nobel de Química. Sua conquista foi o desenvolvimento da tecnologia CRISPR/Cas9, uma ferramenta revolucionária de edição genética que funciona como uma “tesoura molecular” capaz de cortar e modificar o DNA com precisão cirúrgica.
Esta tecnologia não apenas representa um avanço científico extraordinário, mas também simboliza o potencial transformador da liderança feminina na bioeconomia. O CRISPR tem aplicações que vão desde o desenvolvimento de culturas mais resistentes e nutritivas até tratamentos inovadores para doenças genéticas, posicionando-se como uma das ferramentas mais poderosas para a construção de um futuro sustentável.
Jennifer Doudna, em suas reflexões sobre o impacto da descoberta, frequentemente enfatiza a responsabilidade ética que acompanha o poder de editar a vida. Esta perspectiva, caracteristicamente feminina em sua abordagem holística e cuidadosa, contrasta com a mentalidade puramente competitiva e exploratória que dominou a ciência por séculos.
Pioneiras nas Ciências da Vida
Pioneiras da Regeneração: Mulheres Transformando Setores Estratégicos
O Feminino na Biotecnologia e nas Ciências da Vida
A história da biotecnologia é profundamente marcada por contribuições femininas que, muitas vezes, foram negligenciadas ou subestimadas. Nettie Maria Stevens (1861-1912), considerada uma das três pessoas mais importantes para a história da genética ao lado de Gregor Mendel e Thomas Hunt Morgan, foi pioneira no estudo do papel dos cromossomos na hereditariedade. Sua pesquisa na Universidade de Stanford e posteriormente no Instituto Zoológico de Würzburg estabeleceu fundamentos que ainda hoje sustentam a biotecnologia moderna.
Barbara McClintock (1902-1992), que dedicou sua carreira ao estudo da genética na Universidade Cornell e no Cold Spring Harbor, revolucionou nossa compreensão dos elementos genéticos móveis, conquista que lhe rendeu o Nobel de Fisiologia e Medicina em 1983. Sua descoberta dos “genes saltadores” antecipou conceitos fundamentais para a biotecnologia contemporânea, incluindo as bases científicas que tornaram possível o desenvolvimento do CRISPR, que rendeu o Nobel de Química às cientistas Jenifer e à Emmanuelle em 2020.
Rosalind Franklin (1920-1958), embora tenha sido injustamente excluída do reconhecimento pelo Nobel da descoberta da estrutura do DNA, contribuiu decisivamente para nossa compreensão da dupla hélice através de suas técnicas pioneiras de difração de raios-X. Sua abordagem meticulosa e científica rigorosa exemplifica a precisão e o cuidado característicos da metodologia feminina na ciência.
O Feminino na Bioenergia e nas Energias Renováveis
O setor de energia renovável já apresenta uma participação feminina significativamente maior que a indústria de combustíveis fósseis. Segundo dados da Agência Internacional de Energia, as mulheres representam globalmente 32% da força de trabalho em energia renovável, comparado a apenas 22% no setor energético tradicional. Esta diferença não é coincidência, mas reflexo de uma afinidade natural entre a visão feminina de sustentabilidade e as tecnologias regenerativas.
No Brasil, a presença feminina na bioenergia tem ganhado espaço crescente, inclusive em cargos de liderança. São cerca de 1 milhão de mulheres comandando propriedades do agronegócio brasileiro, muitas das quais estão na vanguarda da transição energética através da produção de biocombustíveis, energia solar e outras fontes renováveis.
O movimento “Energia das Mulheres da Terra” exemplifica esta tendência, formando uma rede de projetos de energia renovável e recursos hídricos liderada por mulheres agricultoras familiares no estado de Goiás. Esta iniciativa demonstra como a liderança feminina está conectando sustentabilidade ambiental com desenvolvimento econômico local.
O Feminino na Economia Circular e na Gestão de Recursos
A economia circular, conceito que propõe a eliminação do desperdício através do design regenerativo, encontra nas mulheres suas principais defensoras e implementadoras. O Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior brasileiro, criou o “Grupo Elas na Economia Circular”, um coletivo formado por mulheres de perfis e experiências diversas com o objetivo de assegurar que as políticas públicas de economia circular reflitam as reais necessidades da sociedade.
Esta abordagem inclusiva e sistêmica é característica da liderança feminina, que naturalmente considera múltiplas perspectivas e impactos de longo prazo. Enquanto modelos tradicionais de negócios focam na maximização de lucros de curto prazo, as mulheres líderes em economia circular priorizam a criação de valor sustentável que beneficia comunidades inteiras. Semelhante ao que acontece globalmente nos Projetos de microcrédito, onde o empréstimo às famílias é confiado às mulheres assumindo a garantia do empréstimo na forma de um aval coletivo.
O Feminino nos Bioinsumos e na Regeneração dos Solos
A revolução dos bioinsumos, que está transformando a agricultura brasileira e mundial, tem nas mulheres algumas de suas principais pioneiras. Johanna Döbereiner, cientista que aprofundou seus estudos sobre fixação biológica de nitrogênio (FBN) no feijoeiro, contribuiu decisivamente para consolidar a importância dos bioinsumos na fertilidade do solo. Seu trabalho estabeleceu as bases científicas para uma agricultura mais sustentável e menos dependente de fertilizantes químicos.
Ana Maria Primavesi, engenheira agrônoma, é reconhecida como uma das fundadoras da agricultura sustentável brasileira. Suas pesquisas sobre manejo ecológico do solo e sistemas agrícolas integrados anteciparam muitos dos princípios que hoje orientam a agricultura regenerativa. Primavesi demonstrou que o cuidado com o solo vai além da produtividade imediata, envolvendo a restauração de ecossistemas inteiros.
A Engenheira Agrônoma Mariângela Hungria, venceu o prêmio mundial de alimentação de 2025, por seu trabalho com os inoculantes biológicos (produtos não químicos), que ajudam na absorção de nutrientes pelas plantas, por conterem microorganismos benéficos para o desenvolvimento vegetativo. Esse desenvolvimento proporcionou também que se evitasse a emissão de mais de 230 milhões de toneladas de CO2 por ano na camada de ozônio, até o presente momento.
O Movimento de Pequenos Agricultores (MPA) lançou recentemente um projeto nacional que fortalece a produção de bioinsumos, óleos e hidrolatos, com ações previstas em 14 estados brasileiros. Esta iniciativa busca fortalecer o protagonismo das mulheres no campo através de capacitação e produção sustentável, demonstrando como a liderança feminina está conectando conhecimento tradicional com inovação tecnológica.
O Feminino é Regenerativo
Lideranças Globais Femininas em Sustentabilidade
No cenário internacional, mulheres como Christiana Figueres, ex-Secretária Executiva da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas, exemplificam a capacidade feminina de articular soluções globais para desafios planetários. Figueres liderou a criação do Acordo de Paris em 2015, um marco histórico que uniu quase 200 nações em torno do objetivo comum de limitar o aquecimento global.
Marina Silva, Ministra do Meio Ambiente do Brasil, tornou-se um símbolo mundial da luta pela preservação da Amazônia. Sua dedicação inabalável à proteção do “pulmão do planeta” demonstra como a liderança feminina prioriza a preservação de recursos críticos para as futuras gerações, mesmo diante de pressões econômicas e políticas intensas.
Melinda French Gates, através da Fundação Gates e da Pivotal Ventures, tem demonstrado como o empoderamento de mulheres e meninas está diretamente conectado à resiliência climática. Suas iniciativas reconhecem que a equidade de gênero não é apenas uma questão de justiça social, mas uma estratégia fundamental para enfrentar os desafios ambientais globais.
Vandana Shiva(física e ecofeminista) promove a agricultura orgânica e o combate aos agrotóxicos, defendendo que a soberania alimentar está nas mãos das mulheres rurais.
Kristine Tompkins (ex-CEO da Patagonia) lidera projetos de restauração de ecossistemas na América do Sul, provando que a conservação pode ser economicamente viável.
Bioenergia e Inovação em Energias Limpas
Nicola Fox (NASA) comanda pesquisas em energia solar avançada, enquanto Isabelle Kocher (ex-diretora da Engie) impulsionou investimentos em hidrogênio verde.
A Transição do Yang para o Yin: Uma Nova Era de Liderança
A filosofia oriental nos ensina sobre duas energias complementares que permeiam o universo: Yang e Yin. A energia Yang, tradicionalmente associada ao masculino, caracteriza-se por ser acumulativa, separatista, territorialista, bélica, conflituosa, desintegradora, dominadora, gananciosa e controladora. Por séculos, esta mentalidade predominantemente Yang gerou desequilíbrios sistêmicos, esgotamento de recursos naturais, abismos sociais, concentrações extremas de renda e uma escala global de opressão que levou a humanidade perigosamente próxima de um ponto de extinção irreversível.
O resgate e a regeneração planetária, tanto do ponto de vista social quanto ambiental, passam necessariamente por uma postura mais integrativa, por um olhar mais Yin. Esta energia, tradicionalmente associada ao feminino, manifesta-se através de características associativas, integradoras, colaboradoras, acolhedoras, cuidadoras, restauradoras, tolerantes e espiritualistas.
Observamos a atuação desta energia Yin nos movimentos inclusivos e de defesa das minorias que se espalham pelo mundo, na consciência ecológica liderada por jovens como Greta Thunberg, que aos 13 anos mobilizou uma geração inteira para questionar um sistema educacional que prepara crianças para viver em um mundo que pode não existir devido ao colapso ambiental. Vemos também na disseminação de empresas criativas e startups que reinventam a economia mundial, no questionamento de modelos tecnológicos exploratórios e na migração para plataformas que devolvem o controle aos próprios prestadores de serviços.
O Feminino e o Futuro do Trabalho
O Feminino no Futuro do Trabalho
Os avanços tecnológicos apontam para uma realidade onde atividades braçais e operacionais, que exigem força física e tradicionalmente associadas à mão de obra masculina, serão progressivamente substituídas por máquinas, equipamentos e robôs. Esta transformação cria um cenário favorável à energia feminina, onde as competências mais valorizadas serão aquelas relacionadas à inteligência emocional, espiritual e criativa.
Os segmentos profissionais com menor capacidade de substituição pela Inteligência Artificial são justamente aqueles onde as mulheres tradicionalmente se destacam: atividades artísticas, de acolhimento pessoal, engenharia criativa, computação inovadora e outras funções que demandam alta performance intelectual e sensibilidade humana. Além disso, as inteligências emocional e espiritual estão sendo cada vez mais reconhecidas e aplicadas nas organizações modernas como diferenciais competitivos fundamentais.
Esta mudança paradigmática não representa apenas uma oportunidade econômica, mas uma necessidade evolutiva. A complexidade dos desafios contemporâneos – mudanças climáticas, desigualdade social, escassez de recursos, pandemias globais – exige uma abordagem sistêmica e integrativa que a liderança feminina naturalmente oferece. Isso não significa a exclusão dos homens dessas oportunidades, mas antes, a possibilidade de que essas características possam ser absorvidas pela mentalidade masculina para que possam conjuntamente vivenciar as sutilezas dos novos tempos.
Gilberto Lima Jr Humanista Digital e Futurista
Moldando um Novo Existir
Como profeticamente antecipou a Condessa Ada Lovelace, “a associação da intuição e da imaginação com os conceitos matemáticos e científicos são ferramentas capazes de explorar mundos invisíveis ao nosso redor”. Assim como o pensamento feminino deu início à Revolução Agrícola e a própria Era Digital, será ele o responsável pelo equilíbrio e resgate da sociedade humana na Era Pós-Digital.
A bioeconomia de trilhões de dólares que se desenha no horizonte não é apenas uma oportunidade econômica, mas a materialização de uma nova forma de pensar a relação entre humanidade e natureza. As mulheres líderes em biotecnologia, bioenergia, economia circular, bioinsumos e regeneração dos solos não estão apenas construindo negócios sustentáveis – estão redesenhando os fundamentos da civilização humana.
A transição da energia Yang para a energia Yin representa mais que uma mudança de liderança; simboliza uma evolução da consciência coletiva. Onde antes prevalecia a competição destrutiva, emerge a colaboração regenerativa. Onde dominava a exploração predatória, floresce a gestão cuidadosa. Onde reinava a visão de curto prazo, estabelece-se o planejamento de longo prazo.
Temos a oportunidade histórica de viver em um mundo mais justo, pautado pelo equilíbrio, respeito, solidariedade, compaixão e amor fraternal. Para isso, devemos ter a coragem de mudar a narrativa da escassez e da competitividade selvagem pela conscientização de nossas dimensões mais essenciais, de abundância e harmonia.
A liderança feminina na Era Pós-Digital não é apenas uma tendência ou uma correção histórica – é uma necessidade evolutiva. É através da visão sistêmica e integradora tipicamente feminina, que tem a capacidade natural de acolher e equilibrar o masculino, que construiremos um futuro onde a regeneração planetária e a prosperidade humana caminham juntas.
Iniciemos, portanto, pela valorização e fortalecimento desta liderança feminina que já está transformando o mundo. O futuro da humanidade depende de nossa capacidade de reconhecer, apoiar e amplificar as vozes femininas que estão moldando um novo existir – mais sustentável, mais justo e mais próspero para todos.
Namastech!
Gilberto Lima é Palestrante Internacional, Futurista e Humanista Digital. Redes Sociais: @gilbertonamastech