A história da tecnologia é marcada por grandes invenções, e por decepções. Desde a estreia do filme De Volta para o Futuro 2, lançado em 1989 e ambientado no ano de 2015, o mundo sonha com tênis que se amarram sozinhos, skates voadores e jaquetas autosecantes.
Algumas dessas ideias até ganharam protótipos, como o modelo da Nike inspirado no longa, de forma representativa, mas muitas outras promessas futuristas da realidade acabaram esquecidas por falharem em entregar o que prometiam.
Entre os maiores fracassos tecnológicos estão os netbooks, o Apple Newton, o Zune, o Windows Phone e o Google Glass, todos lançados com a expectativa de transformar a experiência do consumidor, mas que foram rapidamente superados por alternativas mais eficazes ou práticas.
1 . Apple Newton: o fracasso que deu caminho para o iPhone
Antes de criar o iPhone e conquistar o mundo com o smartphone, a Apple já havia se aventurado no universo dos dispositivos móveis. Em agosto de 1993, lançou o Newton MessagePad, um assistente pessoal digital (PDA, na sigla em inglês) com tela sensível ao toque, caneta stylus e promessa de reconhecer a escrita manual do usuário.
A ideia era criar uma nova categoria de computadores portáteis que coubessem no bolso e tirassem o usuário da dependência do desktop. Mas o projeto fracassou.
O Newton foi concebido em 1991 por Michael Tchao e apresentado ao então CEO da Apple, John Sculley, durante um voo. Dois anos depois, o primeiro modelo chegou ao mercado.
Apesar das limitações da época, ele era capaz de armazenar contatos, gerenciar agendas, enviar fax e até reconhecer comandos de voz. Mas o sistema de reconhecimento de escrita, sua função mais ambiciosa, era impreciso e se tornou motivo de piada, ganhando notoriedade quando foi satirizado pelo cartunista Garry Trudeau na tira Doonesbury, onde o aparelho traduz a frase “Catching on?” (“Entendendo?”, em português) como “egg freckles” (“sardas de ovo”, em português), uma expressão totalmente sem sentido.
O desafio de desenvolver um aparelho pequeno, com rádio, stylus e integração com computadores, esbarrou nas limitações técnicas do início dos anos 1990. O time de design se esforçou para criar um visual moderno, abandonando o estilo dos anos 1980 e adotando uma estética escura e curvilínea. Mas, na prática, o Newton ainda era grande, caro, custava US$ 700, e pouco funcional.
Steve Jobs, ao reassumir a Apple em 1997, não confiava nos responsáveis pelo projeto e acreditava que o Newton representava tudo o que estava errado com a empresa naquele momento. Ele odiava a ideia de uma caneta stylus, dizia que “Deus nos deu dez stylus” em referência aos dedos, e mandou encerrar o projeto.
Apesar do fim precoce, a tentativa de criar um dispositivo móvel com interface amigável e comandos em linguagem natural antecipou tendências vistas hoje em smartphones e assistentes virtuais. Uma de suas maiores contribuições técnicas foi a adoção do processador ARM, escolhido para oferecer eficiência energética.
O Newton também foi pioneiro em transformar frases comuns em ações automatizadas, como agendar um compromisso a partir de um comando de voz, algo que seria aperfeiçoado anos depois por assistentes como Siri e Google Assistente.
2. Netbooks: pequenos demais para grandes tarefas
Durante alguns poucos anos, parecia que os netbooks seriam o futuro da computação pessoal. Baratos, compactos e supostamente prontos para o essencial, esses notebooks em miniatura surgiram por volta de 2007.
Em pouco mais de um ano, já representavam cerca de 20% do mercado global de laptops.
Com telas que iam de 7 a 10 polegadas e especificações bem modestas, eles prometiam acesso à internet, edição de textos e uma certa produtividade portátil, tudo com preços acessíveis e formatos ultracompactos.
Modelos como o Asus Eee PC, HP Mini 210, Dell Mini 10, entre outros, chamaram a atenção de estudantes, jornalistas e trabalhadores que precisavam de um computador para levar pra todo lugar. Fabricantes brasileiras, como a Positivo, também apostaram nos dispositivos.
Mas o que parecia uma revolução acabou sendo um fracasso. O desempenho dos netbooks deixava a desejar já de saída, e piorava com o uso. A experiência era limitada com os teclados apertados, as telas minúsculas e multitarefa sofrível.
A concorrência também não deu trégua. Logo vieram os tablets, como o iPad, oferecendo produtividade leve com mais conforto. Depois, os Chromebooks chegaram com desempenho superior e foco educacional.
Até os smartphones, com telas maiores, passaram a disputar esse espaço. Enquanto isso, os próprios notebooks tradicionais ficaram mais leves, potentes e acessíveis. Com isso o netbook perdeu seu diferencial.
Economicamente, também não valia a pena. Apesar do preço baixo nas prateleiras, a margem de lucro era pequena, o que fez com que as fabricantes logo migrassem para categorias mais rentáveis.
De 2011 a 2013, gigantes como Dell, Toshiba e Asus encerraram suas linhas e o que parecia tendência virou memória.
3. Zune: o fracasso que ajudou a salvar a Microsoft
O player de música da Microsoft, Zune, virou sinônimo de fracasso e ainda hoje é motivo de piada, mas o dispositivo tem uma história interessante.
Lançado em 2006 como resposta ao domínio absoluto do iPod, o Zune nunca passou de uma pequena participação no mercado.
Mesmo com modelos como o Zune HD de 2009, bonito, funcional e com uma interface ousada para a época, o aparelho não conseguiu ameaçar a Apple. Ele fazia tudo que o iPod fazia, mas não fazia nada melhor. E num mercado já consolidado, isso selou o seu destino.
O curioso é que, apesar das vendas baixas, o Zune teve um papel importante nos bastidores. Ele foi um dos primeiros projetos em que a Microsoft tentou fazer hardware e software próprios com identidade visual e experiência integrada, algo que se tornaria padrão nos anos seguintes.
O sistema de navegação do Zune HD, com tipografia limpa e menus animados, foi a base do Windows Phone e depois influenciou o design do Windows 8, da interface do Xbox e até do tablet Surface.
Ou seja, o Zune fracassou como produto, mas deixou um legado importante dentro da empresa. A fonte Segoe, usada na interface do aparelho, virou a fonte oficial da Microsoft. E a ideia de criar algo com personalidade própria, em vez de apenas imitar a Apple, foi levada adiante em outras divisões.
O problema foi que o aparelho chegou tarde demais. O primeiro Zune foi lançado cinco anos depois do iPod original. E mesmo o Zune HD, embora competente, não trazia nada que realmente justificasse a troca para quem já estava no ecossistema da Apple.
4 . Windows Phone: bonito, fluido e fadado ao fracasso
Falando nele, o Windows Phone, lançado em 2010, chegou com a missão de ser o terceiro participante de peso no mercado de smartphones, disputando espaço com os já consolidados Android e iOS.
A proposta da Microsoft parecia sólida, com um sistema bonito, rápido, com uma identidade visual própria e integração com os serviços da empresa. Para fortalecer a estratégia, a empresa foi além, fechou parceria com a Nokia e, mais tarde, comprou a divisão mobile da finlandesa por US$ 7,2 bilhões.
A primeira versão, o Windows Phone 7 Series, entregou a interface Metro, com os icônicos quadrados coloridos e animados, as Live Tiles, que davam vida à tela inicial. Também organizava o conteúdo em “Hubs”, reunindo informações de contatos, redes sociais e fotos de forma inteligente.
Só que, logo de cara, deixou de lado a retrocompatibilidade com o Windows Mobile, antigo sistema mobile da empresa, o que causou certa frustração entre usuários antigos e desenvolvedores.
As versões seguintes tentaram resolver problemas. O Windows Phone 7.5 “Mango” trouxe multitarefa, melhor navegação e integração com Twitter. Depois, o Windows Phone 8 reescreveu o sistema do zero, com base no Windows NT, rompendo de vez com os modelos antigos, o que mais uma vez afastou consumidores, já que aparelhos anteriores não eram atualizáveis.
O 8.1 deixou o sistema competitivo, lançando a assistente Cortana, central de notificações e suporte a processadores mais potentes. Essa versão marcou o auge do Windows Phone, com 2,45% de parcela de vendas no mercado de smartphones em 2014.
O Windows 10 Mobile, lançado em 2015, prometia unir o PC e o celular em um só ecossistema, inclusive com o modo Continuum, que transformava o aparelho em um “desktop portátil”. Mas a essa altura, já era tarde. O sistema perdeu força e o suporte foi encerrado em 2020, quando sua fatia de mercado era de apenas 0,12%.
Apesar dos esforços, o Windows Phone não resistiu a uma combinação de fatores: chegou atrasado, sofreu com mudanças constantes, perdeu apoio de desenvolvedores e nunca conseguiu resolver seu maior problema, a falta de aplicativos.
Sem YouTube, sem Google Maps, com Instagram não oficial e jogos populares ausentes, o sistema afundou, mesmo com acertos no design e na fluidez.
A parceria com a Nokia, que rendeu modelos marcantes como os Lumias 800, 920 e o acessível 520, ajudou a criar uma base fiel de fãs. Houve até destaques técnicos, como o Lumia 1020, com sua câmera de 41 MP, e o Lumia 1520, um dos primeiros phablets com Windows.
Mas, nada disso foi suficiente para sustentar o projeto. Dois anos depois de comprar a divisão de celulares da Nokia, fechou a fábrica e demitiu milhares de funcionários.
5. Google Glass: da promessa futurista à polêmica
Lançado como um dos projetos mais ambiciosos da história recente da tecnologia, o Google Glass parecia ter saído direto de um filme de ficção científica.
Apresentado em 2012 com pompa, vídeos conceituais e até paraquedistas usando os óculos durante o evento do Google I/O, o aparelho prometia revolucionar o cotidiano com a possibilidade de exibir rotas em tempo real, permitir chamadas e mostrar compromissos direto no campo de visão do usuário, tudo com um visual discreto e uma interface controlada por toque na lateral da haste.
Por trás da ideia estava o Google X, o laboratório de projetos experimentais da empresa, com envolvimento direto de Sergey Brin.
A proposta era desenvolver um óculos inteligente com visor acoplado, câmera de 5 MP, gravação em HD e uma telinha perto do olho.
O dispositivo foi distribuído inicialmente em 2013, numa edição limitada para desenvolvedores e com preço alto, mais de mil dólares. O acesso restrito e o marketing genérico ajudaram a criar uma aura de mistério.
A realidade foi bem menos futurista. O Glass tinha limitações técnicas sérias, como bateria fraca, desempenho mediano, interface limitada e um conjunto de funções que não justificava o uso no dia a dia. Tirar o celular do bolso ou olhar para um smartwatch era mais simples e aceitável socialmente.
Além disso, a câmera sempre apontada para os outros gerava desconforto. Estabelecimentos começaram a proibir o uso, usuários foram expulsos de lugares públicos e o termo “Glasshole” surgiu para descrever quem usava o aparelho sem considerar os outros ao redor.
Em um cenário de crescente preocupação com vigilância, o Glass era um convite à polêmica.
No fim das contas, o projeto foi anunciado precocemente. Lançado antes de estar pronto, sem público definido e com um preço fora da realidade, ele não conseguiu ir além de um experimento e, em 2015, o Glass foi oficialmente pausado.
Quando voltou, dois anos depois, já não era mais voltado ao consumidor comum. Em vez disso, ressurgiu como ferramenta corporativa, a Enterprise Edition, usada por médicos, engenheiros, operários e outros profissionais que se beneficiam de uma HUD (tela de dados) no rosto.