sexta-feira, 26 de setembro de 2025

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Senado x Câmara: por que a Casa Alta freia os deputados e favorece Lula

Mesa Diretora do Senado: composição da Casa gera menos resistências ao governo Lula (PT) Foto: Carlos Moura/Agência Senado

O Senado enterrou a PEC da Blindagem depois que a CCJ (Comissão de Constituição e Justiça) considerou seu texto inconstitucional. A unanimidade de 27 votos pela derrubada, impedindo recursos, e a rapidez do presidente da Casa, Davi Alcolumbre (União Brasil-AP), em arquivar a proposta evidenciaram o contraste com a postura da Câmara, que menos de 10 dias antes deu 353 votos favoráveis a ela.

Neste texto, a IstoÉ explica o que está por trás desse contraste.

Movimento rejeitado

Na prática, a PEC faria com que a instauração de qualquer processo penal contra deputados, senadores e presidentes de partidos precisasse ter o aval dos parlamentares. O texto teve apoio integral entre aliados de Jair Bolsonaro (PL), que consideram sofrer “perseguição” do Judiciário.

Entre os exemplos para isso, citam Carla Zambelli (PL-SP), condenada pelo STF (Supremo Tribunal Federal) a 10 anos de prisão por coordenar uma invasão hacker aos sistemas do CNJ (Conselho Nacional de Justiça) e presa na Itália, para onde fugiu, desde o final de julho; e Alexandre Ramagem (PL-RJ), sentenciado a 16 anos de reclusão pela corte por participar de uma tentativa de golpe de Estado ao lado do ex-presidente.

Por último, o deputado licenciado Eduardo Bolsonaro (PL-SP) foi denunciado pela PGR (Procuradoria-Geral da República) por suposta tentativa de interferir no processo da trama golpista em sua atuação nos Estados Unidos, onde está desde março.

Eduardo Bolsonaro

Eduardo Bolsonaro (PL-SP): licenciado nos EUA, deputado manteve discurso favorável à PEC da Blindagem

Ao longo dessa sequência de fatos, o grupo trabalhou por alternativas de proteção que não foram adiante, como a suspensão dos processos contra Ramagem em plenário e a proposta de criar um órgão interno de salvaguarda das prerrogativas parlamentares. A PEC ganhou contorno definitivo por esse objetivo ao ganhar adesão das bancadas do “centrão” — grande parte também vê excessos do STF — e mesmo na esquerda — PT, PDT, PSB e PV deram 33 votos para aprovar o texto.

O aval da Câmara, no entanto, levou milhares de pessoas às ruas em 21 de setembro para protestar contra a proposta, em uma revitalização das mobilizações contrárias aos privilégios da classe política.

Em São Paulo, pesquisadores da USP (Universidade de São Paulo) contaram 42,4 mil pessoas na Avenida Paulista, patamar próximo aos 42,2 mil do último ato bolsonarista, em 7 de setembro. Em Copacabana, no Rio de Janeiro, compareceram na mesma data 41,8 mil manifestantes, segundo o Monitor do Debate Político do CEBRAP.

“O Congresso e os partidos políticos não são instituições bem vistas pela população, mas a aprovação de qualquer pacote de privilégios naturalmente eleva essa rejeiçãoA mobilização contrária furou a bolha, não ficou restrita à esquerda“, disse à IstoÉ Karolina Roeder, professora de ciência política da Uninter e pesquisadora do Instituto Representação e Legitimidade Democrática (ReDem) da UFPR (Universidade Federal do Paraná). “Os deputados cometeram um erro político muito claro”, concluiu.

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O cenário levou parlamentares a se desculparem pelo voto e direcionou a pressão ao Senado, responsável pela avaliação definitiva. Único na bancada do Cidadania a votar contra a PEC, Amom Mandel (AM) chegou a se reunir com o senador Alessandro Vieira (MDB-SE), relator do texto na Casa Alta, para sinalizar a mudança de posição da Câmara.

A população já deu seu veredito e é totalmente contra mais regalias para os políticos. O Senado precisa dar uma resposta firme ao povo brasileiro sob risco de macular ainda mais a imagem do Congresso”, disse.

Entre a contenção e o governismo

Os sinais isolaram o apoio à PEC nos setores mais radicais da direita, movidos pela bandeira da oposição ao Supremo. Principal nome do flanco, Eduardo Bolsonaro lamentou o arquivamento no Senado e disse que “blindagem já existe, para os corruptos comparsas e cúmplices dos agentes do regime que estão no Judiciário“.

Ao contrário do que ocorre na Câmara, o poder do grupo é mais limitado na Casa Alta. Com 81 integrantes, o Senado comporta três representantes por estado, eleitos por votação majoritária, o que reduz a presença de lideranças segmentadas, à direita ou à esquerda.

Ao mesmo tempo, os senadores são refratários a embates claros e raramente estão na mira do STF. Entre os integrantes, não há réus ou condenados em processos ativos ou participantes da trama golpista. Em votações sensíveis, diante de uma Câmara com maioria oposicionista, o Senado tem assumido papel de “contenção” mesmo quando impõe derrotas ao governo.

Mesmo no PL de Bolsonaro, unânime na Câmara, os quatro senadores integrantes da CCJ votaram pela rejeição da PEC. Jorge Seif (PL) argumentou que a população de “direita, esquerda e centro” se mostrou contrária à proposta e é dever parlamentar ouvir “as vozes das ruas”.

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Jorge Seif: ‘População de direita, esquerda e centro entrou em contato conosco, e nós precisamos estar sensíveis às vozes das ruas’

Na Casa, bancadas como as de MDB e PSD, que na Câmara deram 35 e 25 votos à proposta, respectivamente, são mais alinhadas ao governo Lula (PT), que adotou postura refretária ao texto após as manifestações de rua — em entrevista recente, o presidente chamou a PEC de “provocativa e desnecessária”.

Os votos do MDB na CCJ foram de Eduardo Braga (AM), Renan Calheiros (AL), Jader Barbalho (PA) e Veneziano Vital do Rêgo (PB), além do relator Alessandro Vieira. No PSD, foram de Omar Aziz (AM), Eliziane Gama (MA), Zenaide Maia (RN), Rodrigo Pacheco (MG) e Angelo Coronel (BA). À exceção de Vieira, todos devem dar palanque a Lula em 2026.

Para Marco Antônio Teixeira, cientista político e professor da FGV-SP (Fundação Getulio Vargas), o Senado se tornou “uma espécie de casa de correção” diante da radicalização da Câmara. “Já havia uma tendência contrária à PEC [antes dos protestos]. Pelos oito anos de mandato, colegiado menor e exigência de políticos mais experientes, a Casa tem um perfil de decidir com maior preocupação coletiva”, afirmou à IstoÉ.

“Há um nível de radicalização muito menor e um caráter revisor na atuação desses parlamentares. Essa é justamente a função do Senado, no sistema bicameral“, acrescentou Karolina Roeder.

Com a unanimidade posta, Alcolumbre disse que o tema foi encarado com “sereninade, altivez e coragem” pelos senadores e se apressou a arquivar a PEC. Ao eliminar qualquer expectativa de levar o texto ao plenário, o senador voltou a demarcar a postura que o mantém como uma ponte derradeira entre o “centrão” e Lula e o faz ser considerado o grande obstáculo entre a representação bolsonarista no Congresso e suas bandeiras mais caras, como o impeachment de ministros do STF.

coximagora.com.br

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