“Felipe me fez mãe, mesmo partindo tão cedo”
No Julho Âmbar, Marcela Albres, 39 anos, jornalista, compartilha a história de seu filho, ao lado do marido Renato, que nasceu com cardiopatias congênitas e faleceu após 31 dias de internação. O relato da perda, da fé e do amor que permanece é um convite à empatia com mães e pais enlutados.
A gestação de Felipe foi tranquila, sem grandes intercorrências. No entanto, ainda no primeiro trimestre, um exame apontou que o som do coração dele estava diferente. A preocupação cresceu com a ultrassonografia morfológica, que indicou a ausência de metade do coração. O diagnóstico definitivo veio apenas com 24 semanas: Felipe possuía uma grave cardiopatia congênita. “Lembro até hoje da sensação daquele dia. Meu mundo se abriu”.
Marcela, Renato e o filho Felipe no momento do nascimento
Foto: Arquivo pessoal
Felipe era fruto de uma gestação muito esperada, após três anos de tentativas e até fertilização in vitro. “Eu não entendia por que aquilo estava acontecendo comigo”. A decisão da família, tomada por Marcela e Renato, foi realizar o parto em São Paulo, onde ele poderia ser operado logo após o nascimento.
A jornalista conta que Felipe nasceu fraquinho e demorou um pouco a chorar. “Eu o vi rapidamente e ele foi levado para a Unidade de Terapia Intensiva (UTI). Lá ficou durante três dias, até que foi para a cirurgia, que levou algo em torno de oito horas. Foi muito angustiante esperar por notícias”, disse. A cirurgia foi bem-sucedida, mas o coração de Felipe não conseguiu funcionar sozinho. Ele ficou ligado a uma máquina responsável pela oxigenação e circulação do sangue, enfrentando dias de altos e baixos na UTI.
“Eu não tive oportunidade de amamentar, dar banho, colocá-lo para dormir ou sequer vestir uma das roupinhas que comprei para ele”.
Com o passar dos dias, o estado de saúde se agravou. Após 31 dias internado, Felipe faleceu. “O sonho de trazer meu filho para casa foi apagado. Em vez disso, o trouxemos para ser velado em Campo Grande”.
Ao todo, Felipe tinha sete tipos de cardiopatia congênita. A perda mudou para sempre a vida de Marcela. “Nada nem ninguém te prepara para a morte de um filho. Minha fé ficou muito mais fortalecida. Comecei a compartilhar com os amigos, pelas redes sociais, o que eu estava sentindo, como estava lidando com o luto. E eles me incentivaram a escrever um livro sobre o assunto – e foi o que eu fiz”. Felipe faleceu, mas seu legado de amor e coragem inspirou Marcela a escrever um livro e a lutar por mais respeito e apoio às famílias enlutadas. A obra Até sempre, meu filho! foi lançada no dia em que ele completaria 1 ano. “Foi minha homenagem e agradecimento por ele ter me tornado mãe”.
Depois do Felipe, a jornalista foi abençoada com mais dois filhos: Matheus e Thiago (foto). Mas Felipe sempre está presente: “Ele não estar aqui fisicamente não anula sua passagem e presença. Ele sempre será parte de nós”.
registrada recententemente está ao lado dos filhos Matheus e Thiago
Foto: Arquivo pessoal
A mãe também faz um alerta sobre a falta de preparo da sociedade diante da morte. “As pessoas vivem como se nunca fossem morrer e como se a morte fosse algo ruim, quando, na verdade, é algo natural e que dá ainda mais beleza e sentido para a vida. Eu aprendi isso a um custo muito alto. Mas hoje entendo que a vida deveria ser medida pela intensidade com que a vivemos, pela forma como nossas vidas tocam outras vidas, e não pela quantidade de anos que tivemos”. Para ela, o mais importante é ouvir sem julgamentos. “O luto precisa ser vivido e sentido para dar lugar à saudade”.
Marcela ainda critica a realidade das maternidades, onde mulheres que perderam seus filhos muitas vezes ficam internadas ao lado de outras que estão com seus bebês nos braços. “Isso demorou demais para ser discutido e, infelizmente, ainda acontece”. No Brasil, há normas e diretrizes do Ministério da Saúde que tratam da humanização do parto e do cuidado com mulheres em situação de luto perinatal. No momento há um Projeto de Lei que tramita na Câmara dos Deputados, para garantir à mulher, em caso de abortamento ou morte perinatal, o direito a permanecer em área distinta daquela onde estão as mães com nascituros.
A história de Marcela, de Renato e de Felipe é um exemplo inspirador sobre o amor que ultrapassa a vida e a urgência de acolher com respeito as famílias que enfrentam o luto perinatal.
Conscientização sobre o luto parental
Histórias como a de Marcela evidenciam a urgência de olhar com mais empatia para o luto parental – uma dor profunda, ainda pouco compreendida pela sociedade. Foi justamente para dar visibilidade a essa realidade que nasceu o Julho Âmbar, instituído em Mato Grosso do Sul como um mês dedicado à conscientização, informação, acolhimento e construção de políticas públicas voltadas a mães, pais e famílias que perderam seus filhos.
Em 2023, por meio da Lei Estadual nº 6.147, Julho Âmbar passou a integrar o Calendário Oficial do Estado de Mato Grosso do Sul como período dedicado à conscientização do luto parental. A proposta é de autoria do deputado estadual Lucas de Lima (sem partido).
Foto: Luciana Nassar
Julho Âmbar também busca propor políticas públicas voltadas ao acolhimento de pais enlutados, oferecendo suporte emocional, orientação e espaços de troca de experiências entre famílias que vivenciam essa dor. Outro foco é capacitar profissionais da saúde e da educação para lidarem com o luto de forma sensível e adequada, além de promover momentos que celebrem o amor e honrem a memória dos filhos que partiram.
De acordo com a legislação, a iniciativa prevê ampla divulgação de informações e orientações para as famílias que passaram por essa situação, além da realização de atividades de apoio e acolhimento.
“O Julho Âmbar é uma lei de minha autoria aqui no Estado, e ele foi criado para dar visibilidade a um tema que, infelizmente, ainda é muito silencioso, que é o luto parental”, destacou o parlamentar. “É um mês dedicado a apoiar e conscientizar a sociedade sobre a dor de mães, pais e famílias que perderam um filho, seja por uma doença, acidente, violência ou qualquer outra causa – e, principalmente, pelo suicídio. É uma dor que não tem nome, que muitas vezes é invisível, mas que precisa ser acolhida. Com essa lei, nós queremos não apenas reconhecer esse sofrimento, mas também oferecer espaços de escuta, apoio psicológico e campanhas de conscientização para que essas famílias saibam que não estão sozinhas. O Julho Âmbar é sobre empatia; é sobre enxergar o outro em seu momento mais difícil, é sobre construir uma rede de apoio para transformar dor em memória e amor em cuidado”, completou Lucas de Lima.
Mortalidade Infantil
Conforme dados de 2024 do Painel Mais Saúde do Governo de Mato Grosso do Sul, a taxa de mortalidade infantil foi de 13,09 por mil nascidos vivos. As estatísticas indicam que houve 76.146 nascidos vivos, dos quais 997 crianças faleceram. As três principais causas de morte foram: septicemia do recém-nascido, transtornos relacionados à gestação de curta duração e ao baixo peso ao nascer, e má formação congênita do coração.
Neste ano de 2025, o painel revela que, até o momento, foram registrados 29.427 nascidos vivos e 359 óbitos infantis, resultando em uma taxa de mortalidade infantil de 12,20 por mil nascidos vivos.
Segundo a última atualização do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), em 2023, no estado de Mato Grosso do Sul, a taxa de mortalidade infantil foi de 13,55 por mil nascidos vivos, com 545 óbitos de crianças menores de um ano. A taxa nacional no mesmo ano foi de 12,5. Na capital, Campo Grande, a taxa foi de 11,58 por mil nascidos vivos, com 138 óbitos infantis registrados.
Ainda em 2023, de acordo com estatísticas do Ministério da Saúde, o Brasil registrou a menor taxa de mortalidade infantil e fetal por causas evitáveis dos últimos 28 anos. Segundo o Painel de Monitoramento da Mortalidade Infantil e Fetal, foram registradas 20,2 mil mortes nesse ano.