Coxim volta a ser quintal de infância, território de memória e palco de cinema. Nas próximas semanas, a cidade receberá as filmagens de “Carne Amarela”, curta-metragem de ficção dirigido por Gleycielli Nonato Guató e produzido por Marcus Teles, ambos nascidos em Coxim e profundamente conectados ao Cerrado e ao Pantanal. O filme será inteiramente gravado na cidade e contará com elenco local, moradores atuando pela primeira vez no audiovisual e uma equipe majoritariamente formada por coxinenses, reunindo saberes tradicionais, talento regional e formação técnica.
A produção nasce do desejo de fazer Coxim se ver na tela grande: suas cores, sua luz, seus frutos, suas infâncias. E nasce também da necessidade urgente de lembrar o que esses mesmos elementos significam para a identidade do município.
“Eu estou completamente em êxtase. Planejei muito trazer esse filme para cá. É emocionante gravar na cidade onde cresci, com o povo daqui, com artistas da terra. Noventa por cento do elenco é coxinense, a equipe tem muita gente da cidade, e isso me deixa profundamente feliz”, compartilha a diretora Gleycielli Nonato Guató, que também assina o roteiro baseado em seus próprios textos literários.
A Coxim que volta a existir no cinema
“Carne Amarela” nasce de dois textos de Gleycielli — o poema Carne Amarela e o conto É Tempo de Ouro no Cerrado — obras que guardam lembranças de uma Coxim que pulsava mata, rio e fruta. A diretora explica que o filme busca reencontrar essa paisagem quase perdida.
“Eu quero trazer a infância que vivi. A gente saía para caçar pequi, pegava ingá, comia goiaba no pé, trazia caju para fazer doce. Coxim era meu ‘Sítio do Picapau Amarelo’. Hoje muitos lugares onde eu brincava viraram bairros. O filme é um lembrete do que ainda existe e do que não pode desaparecer”, diz.
A obra convida as crianças e os adultos a olhar novamente para o Cerrado como pertencimento. O pequi, fruto central da narrativa, é apresentado como força, resistência e alimento da memória coxinense.
“O pequi já sustentou muita família. Trouxe renda, trouxe mistura, trouxe nutrição. Ele resiste ao fogo, resiste ao tempo, mas não resiste ao machado. O filme quer acender esse sentimento de pertencimento e preservação, para que as próximas gerações vejam valor no que tantas vezes sustentou Coxim”, ressalta Gleycielli.
*A personagem Zoraide e a força das mulheres da terra
A protagonista adulta, Zoraide, nasce das mulheres que moldaram Gleycielli: sua mãe, tias, avó e bisavó. A diretora revela que a personagem carrega traços de todas elas. E quem interpreta Zoraide é justamente Maria Agripina, mãe da diretora, pioneira do teatro coxinense.
“É muito emocionante ver minha mãe interpretando a Zoraide, que leva o nome da minha tia que faleceu na pandemia. Este filme é pioneiro em muitas coisas dentro de mim”, confessa.
Além disso, todos os cargos de direção são ocupados por mulheres, fortalecendo a presença feminina no audiovisual sul-mato-grossense. “Trabalhar com essa equipe é um prazer imenso. Estamos construindo juntas. É uma energia muito poderosa”, afirma. A equipe ainda é formada majoritariamente por profissionais de Coxim, como Robertson Isan Vieira (artesão ceramista premiado) e José Carlos Soares (cabeleireiro e designer de imagem experiente).
O encontro entre literatura, território e cinema
Para o produtor executivo e corroteirista Marcus Teles, filmar em Coxim não foi uma escolha estética, mas ética e afetiva. “Coxim faz parte da nossa formação pessoal e artística. Os textos que deram origem ao filme nasceram daqui. A luz, a paisagem, o modo de vida, o jeito como o pequi aparece na cidade, tudo isso faz parte da essência da história. Filmar em Coxim é garantir autenticidade”, afirma Marcus.
O produtor explica que mapear as locações foi um processo guiado pela afetividade. “Coxim é uma cidade onde o urbano e o rural se encontram o tempo todo. Não procuramos cenários: reconhecemos neles o que a história já trazia em essência”.
Marcus destaca ainda que oito moradores da cidade trabalharão pela primeira vez no audiovisual, acompanhados de profissionais experientes. “Queremos abrir portas. Que jovens de Coxim encontrem no set um caminho possível, uma nova profissão, um futuro”.
Participação especial: Breno Moroni, o eterno Mascarado de “A Viagem”
O elenco também contará com a participação especial do ator Breno Moroni, que marcou gerações como o Mascarado na novela A Viagem e participou de diversas outras produções no cinema e na televisão. Com uma carreira extensa que inclui aberturas de novelas e mais de 100 filmes, Breno chega a Coxim para integrar o elenco de Carne Amarela em seu 101º trabalho audiovisual.
“Trazer o Breno foi como aproximar duas forças que se completam. Ele chega com experiência, mas com humildade. Ele senta na varanda e deixa a conversa fluir. É uma presença que soma sem apagar a simplicidade regional, que é a alma do filme”, afirma Marcus.
Gleycielli completa: “Ele é fantástico. Consegue ir do drama à palhaçaria. Traz o duo que a personagem dele pede: o velho ranzinza e o homem capaz de se transformar”.
Memória, Cerrado e pertencimento
O filme aborda temas urgentes como queimadas, perda de territórios e desmatamento, mas com a delicadeza necessária para o público infantil. “O tema duro vem com sutileza. As crianças vão entender o sentimento de perder e o de pertencer. E, quando algo pertence a você, você quer cuidar”, explica Gleycielli.
Ao fim, o curta reforça que a preservação é um aprendizado coletivo e que cuidar da terra só é possível quando ela é reconhecida como parte de nós.
Carne Amarela: um filme que Coxim também assina
A expectativa da equipe é que o filme leve Coxim para o Brasil e para o mundo por meio de festivais, mas, principalmente, que devolva à cidade a consciência de seu próprio valor.
“Esperamos que Coxim se veja com carinho. Que perceba que suas histórias merecem estar no cinema. Carne Amarela é uma celebração da cidade, das suas raízes e da força do Cerrado”, diz Marcus.
Para Gleycielli, a gravação na cidade é também um gesto de retorno. “Eu sou uma Guató de Coxim. Este filme diz muito sobre de onde eu vim e quem sou eu”.
As filmagens começam em poucos dias. Como uma semente que rompe a casca, “Carne Amarela” nasce para devolver à cidade o brilho do seu fruto mais resistente — aquele que atravessa gerações, que muda o PIB, que alimenta famílias, que resiste ao fogo e que ensina a permanecer. E Coxim, agora, se prepara para ver sua história ganhar corpo, cor, movimento — e tela.
Este projeto conta com investimento da PNAB (Política Nacional Aldir Blanc), do Governo Federal, através do Ministério da Cultura, operacionalizado pelo Governo do Estado, por meio da Fundação de Cultura de Mato Grosso do Sul.

Da assessoria












