sexta-feira, 3 de outubro de 2025

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Uma Batalha Após a Outra e o Natal dos garotos

Para aqueles que foram familiarizados com o trabalho e filmografia do cineasta Paul Thomas Anderson, basicamente, nada vem como uma verdadeira surpresa.

Esta maneira de pensar (bem) confortável, deve-se a tudo o que vimos dele até aqui, resumidamente, um criador que não se acanha de arriscar e transitar entre assuntos, temas e gêneros: distintos.

Deste modo, quando foi lançado o primeiro trailer oficial de Uma Batalha Após a Outra, meses atrás, não foi um susto, perceber o renomado cineasta inclinando-se para um gênero cinematográfico que ele ainda não havia explorado em seus nove filmes anteriores, no caso, o cinema de ação.

Contudo, até para os padrões de Paul Thomas Anderson, apenas mergulhar em um gênero cinematográfico desconhecido não parece ser toda essa aventura inesquecível. É preciso mais, muito mais.

E, assim, também fica extremamente confortável afirmar que Uma Batalha Após a Outra, representa um universo que é mais do que um mero espelho do estado que se encontra a nossa sociedade. (Ainda) mais especificamente, o momento atual dos Estados Unidos da América.

Igualmente, teremos zero surpresas ao acompanhar a trajetória certa deste mais recente projeto de Anderson pela próxima temporada de premiações, uma vez que o diretor de 55 anos, trata de algo que está em evidência e, na boca, mente e coração do cidadão americano: a vida do imigrante.

O ‘zeitgeist’ (espírito da época) joga a favor para que Uma Batalha Após a Outra permaneça por um (pouco mais) de tempo, em destaque.

Em geral, é de mal costume, buscar diminuir o que Anderson está propondo aqui, de modo que pode dar a entender que ele está se aproveitando da realidade turbulenta dos Estados Unidos, para promover o seu filme ou qualquer tipo de mensagem, pela narrativa.

Porém, o cineasta americano tem um ás na manga que faz toda a diferença. Ele compreende aquela máxima que diz que antes de toda revolução ser um ato coletivo, ela é, primordialmente, uma experiência e despertar individual.

Existe um trunfo no roteiro escrito por Paul Thomas Anderson, que encontra-se no corpo e espírito de Coronel Steven J. Lockjaw, um oficial militar que persegue o grupo revolucionário French 75 – interpretado de modo iluminado por Sean Penn.

Pelo macrocosmo, Lockjaw é alguém que faz esforços veementes anti-imigrantes; mas, no microscosmo, percebemos o que o representante militar realmente é: um garoto que faria de tudo para ter um dia de Natal perfeito.

Então, Paul Thomas Anderson fez de Uma Batalha Após a Outra, um filme natalino?

Não exatamente. No entanto, ele adentrou com muita perspicácia a temática a respeito da brutalidade masculina, indicando algumas faltas existentes de uma base que, possivelmente, nunca houve ou pode ter sido corrompida.

Para explicar melhor: por seus serviços anti-imigração, o Coronel Lockjaw é formalmente convidado a fazer parte de uma sociedade secreta – constituída apenas por homens – denominada Clube dos Aventureiros Natalinos, formada por brancos supremacistas de extrema direita.

Pelas leis do “clube do bolinha” fascista, nenhum membro pode ter tido em seu passado, qualquer relação emocional ou íntima, do tipo inter-racial. Algo que representa um problemão para o oficial militar, pois ele foi, completamente aficionado, por Perfidia Beverly Hills – papel da ótima Teyana Taylor – membro revolucionária da French 75.

Portanto, para Lockjaw ser aceito no Clube dos Aventureiros Natalinos, esta marca de sua história pessoal, deve deixar de existir. E, ele claramente fará de tudo para que esta “mancha”, seja erradicada. Literalmente, tudo.

Não é necessário ficar circulando ostensivamente para perceber o que Paul Thomas Anderson, quis fazer aqui: ele estabeleceu uma relação, entre o homem uniformizado do poderio financeiro ou pelas altas patentes, que mira oprimir ou destruir pela brutalidade, tudo aquilo que ele considera impuro ou fora do próprio padrão e, o menino que não teve realizado o seu desejo de um dia de Natal perfeito.

Em resumo: o cineasta está discorrendo a respeito da frustração e a falta estrutural masculina.

A psicanálise ensina que a falta (e, portanto, a frustração) é inerente à condição humana. E, quando estamos no campo da realidade e desejo: sabemos que desde a infância, o sujeito aprende que a realidade não satisfaz todos os seus desejos de forma imediata. A frustração de não ter tudo o que se quer é o que impulsiona o sujeito a buscar satisfação – muitas vezes, a qualquer custo – fora de si.

Para o psicanalista Sigmund Freud, a neurose surge da frustração, da privação da satisfação dos desejos. A frustração masculina pode ser sentida em diversas áreas da vida – sexual, profissional ou familiar – e levar a conflitos psíquicos quando o ego, não consegue lidar com a insatisfação.

A forma como a frustração se manifesta nos homens pode ser influenciada pelas expectativas sociais a respeito da masculinidade.

A expressão popular “masculinidade frágil” se relaciona com a insegurança e a necessidade de alguns homens de provar, constantemente, sua masculinidade, em um esforço para encobrir suas vulnerabilidades. Isso, geralmente, manifesta-se por comportamentos tóxicos e competitivos.

Clinicamente, essa frustração pode se expressar como inibição erótica, obsessão com performance sexual, busca constante por validação ou dificuldades em expressar fragilidade. A cultura que ensina “homem não chora” é um exemplo de como a repressão emocional contribui para esse sofrimento.

Todavia, não acreditem nem um por um segundo na possibilidade de que Paul Thomas Anderson estaria tentando colocar em prática, qualquer forma de “coitadismo” para com os homens em Uma Batalha Após a Outra. Muito pelo contrário.

Até os momentos derradeiros do filme, já tínhamos testemunhado tudo do que poderia haver de mais nocivo na figura masculina através do bom trabalho executado por Sean Penn, como o Coronel Steven J. Lockjaw – que, praticamente, gabaritou toda a argumentação psicanalítica quando o assunto é a insatisfação do homem.

Mas, Anderson (ainda) tinha mais um (!) ás na manga.

No finalzinho de seu décimo longa-metragem na carreira, observamos ele exibindo uma cena de ação final, uma perseguição de carros. Nesse excepcional momento – talvez, o momento mais sensorialmente marcante desta obra – notamos que Paul Thomas Anderson, em nenhuma altura, afrouxou a corda em sua narrativa que transmite a calamidade masculina.

Existem três carros envolvidos nessa cena. Na traseira desta caçada, temos a representação do homem branco displicente, esforçando-se para mudar suas atitudes, que persegue um homem branco frustrado e destrutivo, que persegue uma jovem garota desesperada e tentando adiar o seu fim prematuro.

Aqui, em sua cartada definitiva, Paul Thomas Anderson diz, claramente, que se o homem é a primeira vítima de sua própria barbaridade, ele não é a sua maior.

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