domingo, 18 de maio de 2025

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Términos Inacabados – Episódio 17

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Episódio 17 – Braz na UTI

A noticia que iluminava seu celular era terrível.

Mais uma porrada na cara.

Ela releu para ter certeza de que não havia se equivocado.

“Sra. Jerusa, informo que seu marido encontra-se na UTI do hospital Pedro Ernesto, por favor, entrar em contato com urgencia”

Ela não conseguiu se conter e começou a tremer.

‘Meu marido…quero dizer meu ex’

‘O que houve, algo grave?’ Ficci mostrou discreta consternação no rosto.

‘Ele está na UTI’

Jerusa levantou-se da poltrona rapidamente e avançou em direção à saida. Ela sentiu uma tontura que nunca havia experimentado.

Já havia se queixado de pequenos desequilibrios que os médicos classificaram como “cinetose’, em geral pela mudança subita de postura. Mas aquilo? Foi um sintoma muito diferente, não apenas o ambiente girou como ela foi dragada para um outro estado de consciência.

Como se flutuasse, e sua cabeça fosse mais leve, vazia, e a gravidade estivesse sendo abolida.

E ela aterrisou novamente na poltrona.

Jerusa foi percebendo que estava cada vez presa aquele lugar, envolvida numa situação que estava totalmente fora do seu controle. Bem, ela pensou, se neurose é mesmo o sofrimento decorrente da percepção de que temos controle sobre qualquer coisa, assumo completamente o distúrbio.  

Preste atenção, Ficci dirigiu-se a ela, agora olhando em seus olhos verdes pálidos e hialinos, com uma seriedade inédita. Não era apenas sério era uma honestidade compenetrada que seria possível que ele não fosse emitir palavras que não fossem verdadeiras. Era o olhar (tinha olhos negros como pérolas escuras) de quem precisava de um fidelidade absoluta. E ela estava agora disposta a concede-la.  

‘Não foi um acidente!’

‘Como assim? ’E Jerusa levou a mão à testa num movimento defensivo. O que o Sr. sabe sobre isso?  

‘Preciso sair daqui, por favor, abra a passagem.’

Diante da debilidade que sentia Jerusa não teria a menor chance de impor nada.   

Ficci a encarou com uma muda comiseração. E em seguida inclinou-se de um modo que ela considerou ameaçador

‘Cale-se e ouça atentamente, sua vida corre risco’. Você entende isso? Vou repetir: tem gente que quer te fazer mal.

Ela retirou a mão da testa, e o olhou como se acordasse de um estado sonambulico.  

Jerusa conformou-se em permanecer sentada menos pela intimidação de Ficci com seu corpo interposto no caminho e muito mais porque novamente sentiu a vertigem voltando, e agora com a sensação de desmaio imininente.

‘Quero algo para beber’ ela pediu enquanto esfregava as pernas  que formigavam’

Ficci continuou a fita-la com pena.

‘Agua, só um pouco de agua. Pode ser?’

Ficci apressou-se a apareceu com uma garrafa de agua mineral gelada.

Ele praticamente arrancou a garrafa com agua como se fosse um antidoto universal para sua angústia e a hidratação uma cura esotérica para sua confusão mental.

Sim, ela conseguiu repetir para si mesma: Isso não só está acontecendo como não posso continuar negando que tudo esta fora de controle. Quem sabe eu poderia atestar o total descontrole e gritar?

Entãoo Ficci veio com uma solução médica para o mal estar:

‘Posso aferir sua Pressão Arterial?  E ele já estava com o aparelho em mãos.

Ela apenas estendeu o braço e Ficci comecou a inflar o aparelho, era um esfigmonometro estranho e primitivo. Parecia uma destas peças vendidas em feiras de antiguidades. Jerusa lembrou de uma que viu na feira em Santelmo quando estava em sua lua de mel com Braz.

‘Vai apertar um pouco!. Pode doer’

‘Dor? Nas ultimas semanas tenho familiaridade com este fenomeno. Sabe? Acho até bom ter uma dor fiisica, ela afasta temporariamente o sofrimento mental. Manja? Desvio de órgão de choque?’

Jerusa lembrou de que naquela ocasião Braz a presenteou com uma caixa de madeira com entalhe em prata. Ela nunca se sentou tão presente e integrada à vida. O que a unia ao seu primeiro namorado e agora marido não estava condicionado a nada externo, eles simplesmente sabiam que juntos tinham uma complementariedade. Suas idiossincrasias eram quase opostas. Seus valores tinham discrepâncias consideráveis. Era quase a antítese perfeita. Nada de coisas em comum, nada de compartilharem sonhos, nem mesmo o tão discutível “gostos”eram os mesmos. E, ela achava, tinha certeza de que estarem juntos era a certeza máxima de sua existência.Também não era o sexo. Mas havia uma forma de olhar que ela não encontrara em nenhuma outro homem. E ele parecia sentir exatamente o mesmo.

‘Quando você olha para mim eu me transformo em mim mesmo”confessou Braz certa ocasião quando passeavam pelo Rio Tigre num fim de dia frio e ensolorado.   

Sua obsessão pelos textos do Machado veio antes de tudo isso, mas o sentido só apareceu depois: ela mesmo teria se envolvido com um tolo. Mas quem mesmo era o tolo que Machado de Assis descrevia?

‘Ah, vejo que você se aventura um pouco na medicina. Você se hidratou durante o dia? Comeste bem pela manha? Você deve saber então, a supra renal depende disso…’

Jerusa estava mais preocupada em recuperar a energia. Queria sair dali o mais rapidamente possivel.

Pressao Baixa. 90/55. Hipotensão Ficci diagnosticou. Como esta bolacha aqui, bem salgada. E guardou o estetoscópio ancestral.

Jerusa mastigou com fúria.

‘Preciso sair daqui.’

‘Precisamos sair logo daqui, nós dois.’  Ficci complementou meio desanimado.

‘Preciso saber do que se trata. Por que isto tudo esta acontecendo?’

‘Quer mesmo saber? Ficci fez uma pausa supeita e prosseguiu:

‘Tudo isso esta acontecendo porque você resolveu investigar e questionar a obra do Machado’

Continua

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