terça-feira, 7 de janeiro de 2025

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Por que Mona Lisa, de Leonardo da Vinci, é o quadro mais conhecido de todos os tempos?

Era março de 1503 quando Leonardo da Vinci deu as primeiras pinceladas naquele que seria o último dos seus cerca de 20 quadros que chegariam aos tempos modernos. A imagem de uma mulher com rosto oval, testa alta e larga, recostada num balcão para além do qual se vê uma paisagem rochosa, com montanhas, morros e vales entrecortados por um rio e um lago, foi concluída três anos depois, em 1506. Recebeu o título de Mona Lisa. “Mona” tem origem em “minha senhora” (contração do italiano mia donna), e “Lisa” se refere, segundo uma das hipóteses sobre a identidade da modelo, a Lisa Gherardini , mulher do comerciante de Florença Francesco del Giocondo . Daí a tradição lhe atribuir o nome alternativo La Gioconda.

Para um espectador desatento, em nada chamaria a atenção o pequeno quadro registrado num retângulo de madeira com 77 x 53 cm, comum entre os milhares de retratos encomendados aos pintores renascentistas por nobres e comerciantes do século 16. Mas Mona Lisa sorri. Um sorriso discreto que o historiador da arte francês Raymond Bayer , em 1933, classificou como um “sourire attenué” , um meio sorriso. Não há, no cenário mostrado, nenhum indício da razão pela qual Mona Lisa sorri.

Atravessando os séculos, a manifestação de felicidade inexplicada ganhou status de enigma, e o quadro de Leonardo se tornou a mais conhecida obra de arte de todos os tempos. “Há milhões de pessoas no mundo que conhecem apenas o nome de um único quadro — Mona Lisa. Isso não é apenas um fenômeno publicitário, mas significa que essa estranha imagem atinge o subconsciente com uma força extremamente rara para uma obra de arte isolada” , assinalou o historiador de arte inglês Kenneth Clark , em 1973.

O quadro foi levado da Itália para a França pelo próprio Leonardo por volta de 1516, quando ele foi convidado para trabalhar na corte do rei Francisco 1o. Lá, a obra ficou exposta no castelo de Fontainebleau até o reinado de Luís 14, o Rei Sol (1638-1715). Só após a Revolução Francesa, iniciada em 1789, a pintura passaria a integrar a coleção do Museu do Louvre, onde está hoje.

Contudo, até ocupar a posição de pintura número 779 no maior museu do mundo, Mona Lisa passou por percalços. Saiu do museu para ornar as paredes dos aposentos do já imperador Napoleão Bonaparte (1769-1821), que se apaixonou pela pintura. Em 1911, ela foi roubada por Vincenzo Perrugia , funcionário italiano do Louvre e “um patriota” que desejava ver o quadro devolvido a seu país. A obra foi levada, ainda, por motivos políticos, para os Estados Unidos em 1963 e para o Japão em 1974. Hoje, por conta de acordos internacionais, ela não pode ser retirada da sala exclusiva em que está no museu francês.

A genialidade da técnica que marcou a História da Arte

Para além do inexplicável fascínio de seu enigma, Mona Lisa foi um marco no estilo e na técnica da história da pintura. A começar por sua postura. Ela está sentada mostrando três quartos de visão, enquanto o rosto olha para uma direção diferente. O conjunto dá uma impressão de movimento. “É como se ela reagisse a nossa presença e nós não pudéssemos senão reagir a ela” , analisa o historiador de arte Martin Kemp . A posição retoma o contraposto da escultura clássica, a postura desenvolvida pelos gregos para imitar, na arte, a naturalidade dos movimentos humanos. A técnica foi retomada na pintura do Renascimento em busca de uma solução para um antigo dilema pictórico: a representação do movimento nas superfícies bidimensionais.

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Dessa maneira, ao capturar Mona Lisa no instante em que ela parece virar o torso, enquanto o corpo permanece estático, Leonardo dá à obra a sensação de movimento. Assim, ele foi um dos pioneiros no uso do contrapposto em pinturas individuais — já que a técnica era empregada geralmente em quadros com diversos personagens. Outra inovação é o olhar da mulher. Ela fita diretamente o observador, o que é uma mudança drástica na tradição da pintura renascentista, na qual as mulheres eram representadas de forma submissa.

As figuras femininas eram retratadas com “a cabeça abaixada e inclinada para um lado” , como havia apontado o próprio Leonardo em um de seus tratados. As ondulações das vestimentas e os véus translúcidos que recobrem Mona Lisa ainda aumentam a profundidade do quadro e enfatizam, de maneira bastante incomum na tradição da pintura do século 16, a proximidade espacial entre ela e o cenário.

À diferença dos retratos da época, em que os cenários eram uma maneira de complementar a identidade do retratado, denunciando a origem dos personagens, o pano de fundo em Mona Lisa é uma paisagem dificilmente identificável. Não há objetos e artigos de consumo como jóias, tapetes ou arcas, tão comuns nos retratos renascentistas. O único indício humano é uma pequena ponte do lado direito da pintura. Vertical, a paisagem tem uma profundidade construída da base para o fundo, como numa pintura chinesa. O lado direito é mais alto que o esquerdo, completando uma série de assimetrias que visam enfatizar a sensação de movimento expressa pela postura de Mona Lisa.

As mãos da retratada, totalmente expostas, são outra característica incomum. Antes de Leonardo, o retrato tradicional representava os personagens bem acima da cintura, a partir dos ombros ou do pescoço, tornando impossível saber se estavam sentados ou em pé. Quando as mãos apareciam, é porque tinham uma função clara — como segurar um objeto que ajudasse na identificação do retratado. Mona Lisa é mostrada acima dos quadris, sentada, e suas mãos, aparentes, não têm função.

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O quadro foi pintado sobre madeira de álamo — comum nos quadros renascentistas — com tinta a óleo. Esse tipo de tinta tem secagem mais demorada e era preferido pelos pintores mais perfeccionistas, pois permitia maior detalhamento e acuidade nas pinceladas. Leonardo aplicou diversas camadas de tinta com pinceladas feitas com pincéis extremamente finos — tão finos que os raios X aplicados à tela não foram capazes de identificar.

Uma das técnicas pioneiras usadas pelo mestre florentino na obra-prima foi a construção de camadas de tinta do escuro para o claro, que deixam a anterior transparecer, completando-se com um jogo de sombras e luzes a ilusão óptica de um relevo. “Sombras e luzes são métodos mais eficazes pelos quais a forma de qualquer corpo pode vir a ser conhecida, porque um corpo homogêneo em luz ou escuridão não mostrará nenhum relevo e dará o efeito de uma superfície plana” , revelou sobre sua técnica num de seus cadernos de pintura.

A estratégia permitiu ao pintor criar profundidade sem precisar demarcar zonas de cores diferenciadas. “Com Leonardo, perdemos toda a impressão da pintura como um desenho que foi depois colorido, como no caso da arte antiga italiana” , aponta o crítico de arte Donald Sassoon . Outra técnica de Leonardo aplicada com grandes efeitos em Mona Lisa é o sfumato .

Os cantos da boca e dos olhos — pontos cruciais para a identificação de um rosto — foram cuidadosamente embaçados. “Com o uso do sfumato, Leonardo nos apresenta uma figura que não sabemos se está triste ou feliz, se está sorrindo ou não e que tipo de sorriso é esse” , analisa o historiador de arte Ernst Gombrich.

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Por fim, uma última inovação trazida por Mona Lisa está na composição. Temos, pela primeira vez na história da arte, uma complexa organização de imagens piramidal baseada numa única modelo. As mãos são a base da pirâmide, ao passo que a cabeça compõe o vértice. Essa estrutura é responsável pela imponência do quadro e da retratada, que parece elevar-se acima dos picos e montanhas que compõem o cenário. De fato, aí desponta um componente fantástico do quadro. Para que tivéssemos tal visão do cenário a partir da sacada em que está sentada Mona Lisa, esta teria de estar incrivelmente alta.

A influência de todos esses elementos ultrapassa fronteiras e culturas artísticas. As inovações trazidas pela pintura influenciaram a técnica de mestres renascentistas como Rafael , que em 1504 reproduziu um quadro extremamente semelhante, Jovem num Balcão , em que a retratada se encontra na mesma posição da Gioconda. Ela também foi objeto de releituras contemporâneas, como as de Marcel Duchamp (1887-1968), que lhe pôs um bigodinho, Andy Warhol (1928-1987) e Fernando Botero (1932). Ganhando o universo pop, passou estampar canecas, camisetas, bolsas e até tapetes e presi- lhas de cabelo. Com o passar do tempo, a obra-prima de Leonardo tornou-se a principal referência para a pintura de retratos, e a posição de Mona Lisa se tornou conhecida como “a pose Gioconda” — e toda representação do feminino passou a receber a alcunha da obra. Até o século 18, foram feitas cerca de 60 cópias, a ponto de no século 20, quando se consagrou como a maior pintura de todos os tempos, muitos proprietários das imitações terem reivindicado possuir a verdadeira Mona Lisa.

Este texto faz parte da coleção “100 obras essenciais da pintura mundial” publicada pela Bravo! em 2008

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