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Livro reúne as reportagens mais marcantes de Lilian Ross, pioneira do jornalismo literário

Uma das pioneiras do jornalismo literário, a estadunidense Lilian Ross dedicou seis décadas à escrita para a prestigiada revista The New Yorker. Durante sua carreira na redação, publicou mais de 500 textos, entre ensaios e reportagens, trazendo entrevistas com figuras como Charles Chaplin, Al Pacino, Fellini e Coco Chanel. Seu último livro, Sempre repórter – Textos da revista “The New Yorker”, reúne 32 matérias que ela considerava as mais marcantes. A obra foi lançada em português pela editora Carambaia. A seguir, confira uma de suas reportagens, na qual ela entrevista a então jovem atriz Julie Andrews.

A jornalista Lilian Ross Silvia Reinhardt / Instagram Carambaia/reprodução

Jovem e feliz
(Julie Andrews)

Dizem que um dos grandes momentos do teatro é aquele em que uma jovem atriz vê, com briho nos olhos, seu nome num letreiro pela primeira vez. Esse grande momento, de fato, acontece com certa frequência, e temos o prazer de informar que estávamos presentes quando aconteceu de novo, semana passada. A jovem em questão era Julie Andrews, a inglesa de afetado ar ingênuo e 19 anos, que interpreta o papel principal em The Boy Friend, e é a única integrante da companhia – aqui ou em Londres, onde a versão original da comédia musical ainda está em cartaz– a ser homenageada com o nome na fachada do teatro.

Encontramos a bela criatura no hotel em que estava hospedada, no centro da cidade, onde divide um apartamento de dois quartos com a srta. Dilys Lay, também do elenco de The Boy Friend, e três poodles de pelúcia. A srta. Andrews é uma garota alta, com voz suave, grandes olhos cinza- -azulados e cabelos castanhos divididos ao meio. Na ocasião de nossa visita, vestia um cardigã vermelho, saia azul e sandálias azuis de salto alto.

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“Sente-se, por favor!”, exclamou, afastando do sofá uma caixa com peças de um jogo de xadrez chinês.

“Eu estava separando umas fotos minhas, do espetáculo, para mandar para mamãe. Ela ainda não me viu na peça, está curiosa. Talvez venha me visitar depois do ano-novo, ficarei feliz demais se ela vier mesmo. Espero ter colocado selos suficientes no envelope. Estou morrendo de saudades. Não que eu não ame Nova York, mas nada como a casa da gente. Aceita uma xícara de chá?”

Sabíamos que Julie Andrews tinha sido afixado naquele dia no letreiro acima da entrada do Royale Theatre, e, como se aproximava a hora da sessão noturna, perguntamos à dona do nome se poderíamos deixar de lado o chá e acompanhá-la até o teatro, ao que ela respondeu que sim.

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“Mas não é um conforto ter este pequeno apartamento para tomar chá?”, perguntou. “Para relaxar aos domingos e assistir à televisão? Dilys e eu também dividimos um camarim no teatro. Compartilhamos quase tudo. Cada uma tem um cachorrinho em casa, e sentimos uma falta danada. O meu é um corgi, igual ao da rainha. Essa raça não tem rabo, você sabe, né?, mas tem uma carinha meiga e um corpinho minúsculo. São adoráveis! Pensei em comprar um aqui, mas logo percebi que seria tolice manter um cachorro num apartamento em Nova York. E aí a Dilys me deu aquele poodle branco de pelúcia – presente de aniversário, que foi no dia seguinte à estreia da peça. Foi um aniversário maravilhoso; tirando o fato de eu não estar em casa, acho que foi o melhor aniversário que já tive – ou terei.” “Casa” para a srta. Andrews é Walton-on-Thames, cidadezinha 25 quilômetros ao sul de Londres.

“Meu pai trabalhou no show business com mamãe”, disse. “O nome dele é Ted Andrews e tem uma voz muito bonita. Sempre gostou de cantar baladas como Love, Could I Only Tell Thee How Dear Thou Art to Me. É uma composição linda, a minha preferida. Mamãe quis voltar a ser apenas mamãe, então papai abandonou o show business. Hoje tem um emprego normal, do tipo nove às cinco, e é um trabalho ótimo. Tenho três irmãos, John, Donald e Christopher, todos mais novos. Se você já assistiu ao espetáculo, me ouviu assobiar. Digo que, se você não aprende a assobiar numa casa com três meninos, você não presta para nada, ponto. Vamos indo?” A srta. Andrews ainda cantarolou alguns compassos de Love, Could I Only Tell Thee… em um soprano melodioso enquanto vestia o casaco, e anunciou com orgulho que estava praticando escalas havia uma hora. “Minha voz precisava”, explicou. “Estava um tanto cansada. Foi um ensaio excelente, me sinto ótima.”

No caminho para o teatro, nos contou que seu pai começou a lhe dar aulas de canto quando ela tinha 7 anos. Na mesma época, passou a frequentar uma escola de balé. Aos 12, iniciou sua carreira no teatro musical. “Esta é minha primeira comédia”, disse. “Sou mais cantora do que atriz. Tive de aprender um jeito novo de atuar para este espetáculo. Meu estilo próprio é mais reservado. Sou a única da peça que usa peruca, ninguém me reconhece sem ela quando saio do teatro. Estamos nos divertindo muito, a companhia de The Boy Friend. É um bando tão jovem e feliz. Nem quis ficar toda exibida quando me contaram, outro dia, que iriam me dar um destaque no letreiro. Seria um pouco arrogante, não acha?, ficar admirando meu nome lá em cima? Não que fossem me reconhecer sem a peruca, mas…” Nosso táxi parou bem perto do teatro e descemos. Por um instante, a srta. Andrews voltou o rosto para o alto, e logo a ouvimos sussurrar: “Ah, lá está!”. Acima de sua cabeça, o letreiro proclamava: The Boyfriend, grande comédia musical com Julie Andrews E, claro, seus olhos brilhavam.

(11 de novembro de 1954)

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