O cinema de animação possui alguns consensos, e um dos mais amplos é a excelência das produções do Studio Ghibli. Embora não tenha alcançado a mesma hegemonia da Disney, o estúdio japonês, fundado em 1985 por Hayao Miyazaki, Isao Takahata e Toshio Suzuki, conquistou admiradores em todo o mundo ao preservar sua identidade artística e estilo inconfundíveis.
Entre os pilares do Studio Ghibli está Hayao Miyazaki, criador de clássicos como Meu Amigo Totoro (1988), Princesa Mononoke (1997), A Viagem de Chihiro (2001) e O Castelo Animado (2004). Ele soube imprimir qualidades únicas às suas histórias e criar personagens apaixonantes, capazes de dialogar com diferentes gerações. Foi Miyazaki quem escolheu o nome “Ghibli”, inspirado na palavra italiana que significa “vento quente do deserto”. Esse nome simboliza o desejo do estúdio de revolucionar a animação da época — e não há dúvidas de que alcançaram esse objetivo. Mas o que torna Miyazaki um dos maiores animadores da atualidade?
Recentemente, o Museu da Imagem e do Som (MIS) promoveu um curso dedicado aos significados profundos das obras de Miyazaki. Ministrado pelo pesquisador Takashi Yamanishi, o programa abordou curiosidades e interpretações que ajudam a compreender o impacto e a singularidade do trabalho do cineasta japonês.
Protagonistas femininas em papéis não estereotipados
Algumas das maiores obras de Hayao Miyazaki são contadas a partir do ponto de vista de meninas e mulheres. Um dos exemplos mais emblemáticos é A Viagem de Chihiro , onde a jovem Chihiro, uma garota de dez anos, protagoniza uma jornada de autodescoberta em um mundo mágico, enfrentando provações que simbolizam a superação de medos. Outro exemplo é Princesa Mononoke , que traz San, uma guerreira selvagem criada por lobos, lutando para proteger a natureza.
Vilões complexos
Essa é uma das características mais interessantes em seus filmes. Os antagonistas são apresentados na complexidade de seus contextos. Em Princesa Mononoke , Lady Eboshi possui uma colônia metalúrgica que destrói a floresta, mas esta mesma vilã é quem acolhe sujeitos socialmente excluídos, como pessoas com hanseníase e prostitutas.
Tradição versus modernidade
Quem assistiu A Viagem de Chihiro certamente lembra do início do filme, quando a jovem viaja de carro com sua família. Apressado, o pai decide pegar um atalho por uma estrada cercada de mata densa. No caminho, eles se deparam com estátuas e objetos de devoção supostamente esquecidos. Na história, os pais de Chihiro encontram um parque temático desativado, com barracas lotadas de alimentos. Sem hesitar, eles começam a comer, sem perceber que os alimentos eram oferendas aos espíritos do local. Esse ato dá origem a um dos primeiros conflitos da trama.
Referências históricas
Depois de conhecer a fundo as animações de Miyazaki, nos tornamos muito mais exigentes com outras obras do mesmo formato. Isso porque todos os roteiros envolvem um profundo mergulho em conceitos e referências históricas. Um deles aparece em Meu Amigo Totoro , que conta a história de duas irmãs, Satsuki e Mei, que se mudam para o campo e descobrem criaturas mágicas, incluindo o simpático Totoro, enquanto lidam com o medo de perderem a sua mãe, que está internada por tuberculose. O pai das duas, Tatsuo, é um arqueólogo, que pesquisa sobre o período Jomon (pré-história do Japão). Totoro, não por acaso, é um ser mágico que existe desde essa época.
Ma – o valor do silêncio
Uma característica muito presente em seus filmes, o Ma é um conceito japonês que representa um espaço intervalar, como o vazio entre as coisas, um silêncio, mas carregado de significado. Mais uma vez, em Meu Amigo Totoro , isso aparece em cenas como a das duas meninas debaixo da chuva, esperando o pai buscá-las. Ao lado, está Totoro, que ganha um guarda-chuva de uma delas e, sem entender a função daquilo, pensa que se trata de um instrumento musical, que faz sons quando em contato com as gotas de água. São alguns minutos em silêncio, mas cheios de poesia.