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Bailarina sofreu retaliações após expor racismo de Ratinho: "Ameaças"

No dia 1° de abril, Cintia Mello foi alvo de uma “piada” racista feita por Ratinho durante seu programa no SBT: “Cintia, essa peruca sua é a mais bonita (…) Não é seu cabelo… Mas eu vi um piolho”. A bailarina anunciou sua saída do balé duas semanas depois e, mais de um mês após ser hostilizada durante a gravação do programa, a empresária contou mais detalhes da situação. À coluna, ela deu detalhes de como foi tratada nos bastidores da emissora.

Naquela data, Cintia participou da gravação do Programa do Ratinho com o coração na mão. Sua filha estava internada, mas ainda assim compareceu aos estúdios da emissora de Silvio Santos: “Naquele dia, a minha filha estava no hospital com a minha ex sogra, então já não estava num dia muito bom. Estava num dia que eu estava me sentindo um pouco aérea”.

“Quando aconteceu a brincadeira, que não dá para se chamar de brincadeira, nem sei como dá para se chamar, eu fiquei em um estado de congelamento, praticamente. Eu não soube reagir, porque a gente sempre teve liberdade de brincar um com o outro. Foram nove anos de convivência. E uma pessoa que considerava um amigo, que por muitas vezes me ajudou, sem querer praticamente nada em troca, simplesmente por gostar da minha pessoa. Foi meio que um choque. Eu tive a sensação de constrangimento”, acrescentou.

Cintia Mello esclareceu que eles sempre brincaram sobre os cabelos que ela usava nas gravações, mas que se surpreendeu após ele falar sobre os piolhos. “Eu não soube mais como reagir. Houve um silêncio no estúdio que o desconforto não foi só meu, foi de outras pessoas. Foi nítido. Houve um silêncio no estúdio e eu fiquei com o microfone na mão. Eu não soube mais responder nada, não falei mais nada”.

Ao sair do estúdio, ela foi procurar mais notícias da filha, que já estava no hospital há dias. “Eu pensei, ‘caramba, não acredito que ele falou desse jeito comigo, ele falou isso comigo, eu sou a única negra do balé’. Respirei fundo, falei ‘não, tá bom, depois qualquer coisa eu falo com ele’. E fui saber da minha filha. Voltei para minha casa, já estava exausta, cansada, porque ela vinha há quatro dias doente. Eu sem dormir praticamente há quatro dias. E no dia seguinte, começou a avalanche. E aí eu tive dimensão da proporção que estava tomando o caso”, admitiu.

“Veio de uma pessoa que eu considerava um amigo, veio de uma pessoa que me ajudou por diversas vezes. Eu tinha um sentimento de gratidão. Então o que eu resolvi fazer antes de falar qualquer coisa? Eu resolvi procurá-lo. Não houve uma procura de outro lado, eu procurei. Eu procurei e falei diretamente com ele, porque a gente tinha intimidade para isso, a gente tem o telefone um do outro. E eu tentei explicar tudo o que estava acontecendo. Eu sofri ameaças. Eu fiquei com medo pela minha filha, pela minha integridade física. Mentalmente, eu fiquei muito abalada. Eu estive em uma posição que eu não escolhi estar. Então eu pensei: ‘Acho que ele tem que responder, ele tem que se pronunciar’. Não tem como se ensinar letramento racial para uma pessoa que já tem uma parada de racismo estrutural dentro de si”.

Mesmo chateada com a situação, a dançarina retornou à próxima gravação do Programa do Ratinho, mas foi surpreendida negativamente com o comportamento de alguns integrantes da produção.

“Eu fui tratada com uma hostilidade bem forte por algumas pessoas, principalmente alguns produtores. Eu já tive outros casos de conotações racistas por parte de um produtor, e eu respondi à altura, então esse produtor já não gostava de mim. Eu estava silenciada. Eu estava quieta, né? Por instrução de um advogado, por instrução do próprio Ratinho: ‘Calma, tudo vai se resolver. A gente vai dar um jeito’. E nada foi feito. Nada foi feito e eu continuei sofrendo os ataques, continuei perdendo o trabalho. E emocionalmente completamente abalada”.

“Comecei a fazer acompanhamento psicológico para enfrentar isso, aí não recebi nenhuma ligação. Não, recebi um ‘oi, tudo bem?’. ‘Vamos tentar resolver, vamos fazer uma nota’. ‘Olha, vamos sentar. Cintia, explica aqui direitinho o que está acontecendo? Você que é uma mulher negra que vem de periferia, o por quê está acontecendo tudo isso’. Não houve. Eles não se preocuparam em nenhum momento. Quem se preocupou um pouquinho, depois que eu fiz o meu pronunciamento, foi o próprio Ratinho, mas eu não recebi mensagem de ninguém. (…) Ele falou novamente comigo. Eu mandei um texto para ele falando do meu desligamento, falando o quanto eu estava chateada com o descaso que eles estavam me tratando, o quanto eu fui hostilizada nos bastidores. Então contei tudo e falei para ele: ‘Eu estou te tratando como uma amiga, eu estou indo embora porque eu não tenho mais psicológico para pisar naquele palco.’ E falei para ele também que ele é cercado de bajuladores e ele está blindado”, apontou.

“Eu fui em dois programas depois achando que isso iria acontecer e não aconteceu. Então, já que não aconteceu, quem sou eu para ficar colocando o letramento racial em pessoas que já têm 60 ou 70 anos de idade? Desculpa. E ali eu percebi que não era mais lugar. E eu resolvi realmente me retirar, mesmo me prejudicando financeiramente. Não era minha maior renda, porque quem trabalha em televisão sabe muito bem, a gente ganha por gravação.”

“Em nove anos eu não fui registrada. Em nove anos, eu nunca recebi uma promoção. Eu não recebi uma oportunidade para ser um personagem. Era um trabalho que complementava as contas de casa. Mas eu continuo trabalhando e fazendo as minhas coisas do mesmo jeito, buscando as oportunidades, porque é um lugar que se tornou insalubre. A cada momento que eu pensava em voltar, eu tinha crises de ansiedade e crises de pânico. Então eu resolvi, pela minha saúde mental mesmo, que estava me destruindo aquela situação”, desabafou.

Fim do ciclo

Cintia já sentia que sua passagem pelo Programa do Ratinho estava perto de chegar ao fim, mas não imaginou que o episódio que culminaria sua decisão em se demitir envolveria um ato de racismo.

“Não sei alguma coisa dentro de mim sabia que esse ciclo estava se fechando. Eu não queria que tivesse sido dessa forma, não queria mesmo, mas o ciclo já estava se fechando. Em questão de TV, ninguém me chamou. As pessoas não entendiam o meu silêncio na primeira semana. Mas eu sou uma mulher que eu moro sozinha com a minha filha. Eu batalho pelas minhas coisas; Já passei diversas situações racistas nove anos lá dentro do SBT com alguns produtores. Eu já vi mulheres incríveis, lindas e maravilhosas, sendo assediadas e sendo descartadas porque é isso que acontece com as bailarinas e dançarinas.”

“É muito injusto com a gente. Quando a gente não responde um assédio, quando a gente não tolera racismo, quando a gente bota a boca no trombone, a gente começa a ser perseguida. Eu me mantive calada e sofri diversos ataques e mesmo assim eu fui completamente maltratada nos bastidores. Então eu fiz o que eu podia fazer e resolvi seguir em frente mesmo porque ali já não era o meu lugar. Eu vi muita coisa naquele lugar. Então eu acho que já tinha dado para mim mesmo. O ciclo já tinha tido se fechado e eu estava persistindo”, finalizou.

*Texto de Júlia Wasko

Júlia Wasko é estudante de Jornalismo e encantada por notícias, entretenimento e comunicação. Siga Júlia Wasko no Instagram: @juwasko

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