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'Adicto em recuperação': herdeiro mostra realidade do vício em drogas

“Adicto em recuperação”. É assim que o influenciador Marcos Sato se apresenta nos vídeos do perfil no TikTok, onde acumula 110 mil seguidores e mais de 4 milhões de curtidas.

Herdeiro e morador de uma região nobre de São Paulo, performando um padrão estético de beleza, Marcos faz questão de chamar a atenção para a diferença de tratamento entre os usuários de drogas. “Tem que parar essa romantização que rola entre famosos que usam droga, essa coisa de Hollywood. É preciso desmistificar que drogado é aquele cara que tá na cracolândia. A maioria dos drogados que eu conheço são caras que moram em mansões, cobertura de apartamento”.

A temática de Marcos pode parecer incômoda no Brasil — onde droga ainda é um grande tabu —, mas vem atraindo cada vez mais internautas, seja pela curiosidade ou pela identificação. Ele é o primeiro a ganhar notoriedade no mundo dos influenciadores brasileiros mostrando a realidade nua e crua da luta contra a adicção.

Diante dos 100 mil seguidores, Marcos se despe do moralismo social, do tabu e demais preconceitos para contar sua experiência com a metanfetamina, também conhecida pelos termos ‘tina’ e ‘cristal’.

“O TikTok é uma rede social em que eu perdia muito tempo usando de forma que não era produtiva, eu consumia muito conteúdo de dependência química, mas era um conteúdo americano. Eu falava, ‘poxa, faltam pessoas para falar isso no Brasil'”, relata em entrevista ao iG Gente.

Foi na ausência de influenciadores que abordam o tema que Marcos viu uma brecha para ele mesmo ocupar esse vazio. “Da noite para o dia, eu virei e falei, ‘eu vou gravar um vídeo contando o que é adicção, vou fazer um diário que vai ser uma coisa informal, não didática, mas eu vou tentar estudar antes de trazer um tema da maneira que eu consigo'”, relembra.

Mesmo sem a pretensão, Marcos acabou virando referência na abordagem consciente e didática sobre o uso de drogas e a contenção de danos, uma perspectiva muito utilizada entre especialistas que atuam com políticas antidrogas.

Efeitos da abstinência, recaídas, internações, relação com outros usuários, risco de overdose e a dinâmica do sexo químico são assuntos que o paulistano frequentemente leva para dialogar com os seguidores.

Diante da comunicação no estilo sincerão, a interação de Marcos com os internautas se transformou em algo único, como uma rede que mistura troca de experiências, tempo de escuta, mensagens empáticas e conscientização. Eles passaram a se chamar de “best”, em alusão a ‘best friend’ (tradução: melhor amigo).

“Eu me coloco muito na pele deles, ainda mais os que são adictos. Eu tenho muitos seguidores que nunca viram droga, esses gostam da minha personalidade e me seguem por isso, mas tenho muitos seguidores que são adictos e que estão em uso ativo ainda. Essas pessoas que estão batalhando contra o vício, eu simpatizo muito com elas”, diz.

Nem ele mesmo sabe quando a relação ficou tão próxima, mas quando se deu conta, se viu dedicando algumas horas do dia para conversar com pessoas que lhe procuravam.

“Eu já perdi madrugadas acordado atendendo ligação, já passei feriados no telefone”, conta. “Mas troquei de número porque começou a perder um pouco a mão. Eu comecei a ser tão empático com as pessoas que elas perderam a mão um pouco comigo, [me tratando como] terapeuta de graça”.

“Eu não posso aconselhar como um médico, não posso aconselhar como um psicólogo, como terapeuta. Eu posso aconselhar como alguém que viveu aquilo na pele. Às vezes, a pessoa precisa de uma palavra de alguém que já passou por aquilo”, completa.

A posição de Marcos é um tanto delicada por ele ainda estar no processo de recuperação da adicção, situação que ele mesmo tem consciência e por isso trabalha com o acompanhamento psicológico.

“Eu lido com terapia hoje. Eu aumentei um dia de terapia porque é aquela coisa, todo psicólogo precisa passar com psicólogo. Eu não sou psicólogo, mas toda pessoa que recebe tanta informação precisa esvaziar essa informação com outra pessoa”, detalha.

A exposição

Aos poucos, Marcos ganhou confiança a ponto de contar episódios que nem mesmo as pessoas mais próximas dele tinham conhecimento, como o caso de ele ter vivenciado a prostituição em meio ao vício de drogas. “Para eu manter esse diário, tenho que ser honesto e um dos pilares mais fortes para você se manter em recuperação da adicção é você ser honesto com você mesmo. Se eu recaísse, eu vinha a público para falar a respeito”, exemplifica.

Com isso, outras pessoas da vida social de Marcos tiveram noção do enfrentamento que ele passa enquanto adicto em recuperação. “Nem todos sabiam. Então, para alguns foi um choque, para outros foi motivo de se distanciarem de mim, para outros foi motivo para me querer mais perto, porque sabiam que eu preciso de apoio… cada pessoa reagiu de uma forma, mas a maioria das pessoas agiu com um certo preconceito”, confessa.

Além do ciclo social, Marcos também precisou lidar com a reação da família. “Meus pais tinham um certo medo, eles se tornaram de uma classe social elitizada, e nessa classe é visto com rejeição você ser drogado. Então, eles tinham muito medo de como meus vídeos iam ser interpretados e medo de ataques”.

No início, os pais do influenciador chegaram a oferecer dinheiro para que ele parasse com as exposições nos vídeos. Entretanto, aos poucos, eles perceberam que a atuação no TikTok também influenciava o processo de recuperação do filho.

“Hoje, eles me apoiam, veem como algo positivo. Minha psicóloga é uma pessoa muito ativa dentro da minha recuperação. Desde o começo, ela sabia da ideia do TikTok, tinha medo de como eu ia lidar com as pessoas, por eu também ser borderline, mas eu tive muito auxílio dela de como lidar com a rede social”. Foi com o aval da psicóloga que os pais de Marcos mudaram a opinião sobre o trabalho na plataforma.

“Por muito tempo da minha vida eu não trabalhava, né? Eu realmente só usava droga. Quando comecei a fazer uma coisa produtiva, me trouxe um gás. Além de eu sentir que ajudo outras pessoas, sinto que isso me traz uma gratificação muito grande”, confessa.

O Brasil está pronto?

Com mais de 4 milhões de curtidas no TikTok, Marcos ainda sente que sofre estigmas sociais devido ao assunto que aborda não ser bem aceito no Brasil.

“Eu acho que o Brasil falha na luta contra a desinformação e na falta de informação. O Brasil é negligente, não fala a respeito das drogas, prefere se calar do que ser presente e realista”, avalia Marcos.

Atualmente, fora das redes sociais, o influenciador está sendo chamado para comandar palestras e participar de rodas de conversas com alunos de medicina e psicologia. Marcos também já fez parceria com instituições hospitalares, mas ainda sente que é jogado para as margens do mundo de influência.

“Com a minha desenvoltura e com os vídeos que eu tenho, já era para ter surgido um convite para, por exemplo, participar de um podcast, de alguma coisa. Eu acho que não surgiu realmente porque o tema que eu abordo é um tema negligenciado. Eu acho que o Brasil não está pronto ainda para me ouvir”, completa.

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