quinta-feira, 16 de outubro de 2025

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Soja: com incertezas geopolíticas, Brasil assume protagonismo no mercado global

O mercado global de soja atravessa um momento de elevada incerteza, marcado por tensões geopolíticas crescentes e mudanças profundas nas rotas de comércio internacional. O embate entre Estados Unidos e China — os dois players mundiais da oleaginosa — tem gerado um impasse relevante, com reflexos diretos sobre os preços, os prêmios e a competitividade entre as origens exportadoras.

China ausente do mercado americano

Desde maio, a China praticamente interrompeu suas compras de soja norte-americana, redirecionando a demanda quase que exclusivamente para o Brasil. Essa mudança estrutural tem provocado forte desvalorização nos preços da soja nos Estados Unidos e pressionado as margens dos produtores locais, que enfrentam custos elevados e uma Bolsa de Chicago (CBOT) com tendência persistentemente baixista.

O cenário é agravado por recentes movimentos do presidente Donald Trump, que tem aventado novas tarifas sobre produtos chineses e discutido restrições no comércio de terras raras. Contudo, no campo da soja em grão, os chineses têm se mantido firmemente abastecidos pela safra brasileira, reduzindo de forma significativa sua dependência do produto americano.

Brasil domina a janela americana

Embora em setembro o impacto ainda fosse limitado, a ausência chinesa no mercado dos EUA passou a ser mais sensível a partir de outubro — meses tradicionalmente considerados o pico das exportações norte-americanas. Entre janeiro e setembro, o Brasil já exportou mais soja para a China do que em todo o ano de 2024, um avanço de aproximadamente 12% sobre o volume embarcado no mesmo período do ano anterior, e ainda restam janelas de embarque até dezembro.

Para os Estados Unidos, a perda de competitividade nesse período crítico tende a se refletir em revisões nos estoques e em uma maior pressão sobre os preços futuros em Chicago. Além disso, o país enfrenta o problema adicional do shutdown governamental, que tem atrasado a divulgação de dados oficiais sobre colheita, oferta e exportações — deixando o mercado sem referências fundamentais justamente no meio da safra.

Brasil como protagonista

Enquanto isso, o Brasil assume de forma cada vez mais consolidada o papel de principal fornecedor global de soja. Os line-ups indicam mais de 102 milhões de toneladas já comprometidas para exportação, com potencial de atingir 107 milhões até o fim do ano. Esse volume recorde tem sustentado os prêmios nos portos brasileiros, especialmente em outubro, mês que promete quebrar a sazonalidade tradicional de desaceleração no final do ano.

Mesmo com a força atual das exportações, o país deve encerrar o ciclo com estoques de passagem mais confortáveis, próximos de 6 milhões de toneladas, um avanço em relação
a 2024. Contudo, a manutenção dessa condição dependerá da continuidade das compras chinesas.

Perspectivas para 2026: pressão de oferta e ajuste de preços

O horizonte para 2026, entretanto, aponta para uma mudança significativa no equilíbrio do mercado. O Brasil pode colher uma safra recorde de até 180,8 milhões de toneladas, o que, somado a estoques mais altos nos Estados Unidos, tende a gerar um cenário de oferta abundante e prêmios sob pressão. Nos portos brasileiros, os prêmios hoje positivos para a safra nova podem rapidamente se tornar negativos à medida que o volume de oferta aumenta entre março e maio.

Essa dinâmica, combinada a uma possível cotação abaixo de US$ 10,00 por bushel na CBOT, deve resultar em recuos importantes nos preços físicos durante o primeiro semestre de 2026.

O mercado de soja entra em um novo ciclo de realinhamento global, no qual o Brasil se consolida como principal origem da oleaginosa, mas também se torna mais vulnerável às flutuações de demanda e às oscilações geopolíticas. O comportamento da China nos próximos meses e o ritmo da colheita americana serão determinantes para definir se o atual equilíbrio se manterá — ou se novas correções de preço virão pela frente.

Rafael SIlveira, analista de soja da Safras & Mercado

*Rafael Silveira é economista com pós-graduação em Finanças, Investimento e Banking pela PUC-RS. É especialista em mercados agrícolas na consultoria Safras & Mercado, com ênfase em estratégias de investimento e gestão de risco em commodities


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