O último Canal Rural Entrevista de novembro conversa com a ministra Liliam Beatris de Moura, diretora do Departamento de Clima do Ministério das Relações Exteriores (MRE). No bate-papo, ela fala sobre a missão da diplomacia do Brasil na Conferência das Nações Unidas sobre as Mudanças Climáticas de 2023 (COP28), a ser realizada entre a próxima quinta-feira (30) e 12 de dezembro em Dubai, nos Emirados Árabes.
A ministra destaca a importância da pauta do agronegócio nas discussões internacionais, além do papel de protagonismo que o Brasil espera obter na assembleia internacional, que servirá de espelho ao Brasil, sede da COP30 em 2025, em Belém, Pará.
Vale lembrar que o Canal Rural estará com uma equipe presencial na conferência deste ano, trazendo aos leitores e telespectadores todas as discussões que impactam o agro do Brasil. Fique de olho na cobertura!
Confira os principais trechos da entrevista
Canal Rural – Explique o papel da diplomacia do Brasil em um evento como a Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas (COP).
Liliam Beatris: O papel da diplomacia é aglutinar todos os interesses dos diferentes setores brasileiros, da totalidade da economia nacional, inclusive do agronegócio, e levar a Dubai tudo o que está se fazendo no Brasil, que é um país que já tem tanto na lei como na prática a sustentabilidade como vetor do seu desenvolvimento. Nós queremos mostrar isso nas diferentes oportunidades na COP 28. Queremos, também, influenciar as negociações para que elas avancem, para que a gente sinta mais segurança na possibilidade de controlar o aquecimento global.
CR – Há um batalhão de negociadores do Itamaraty que estará presente na COP.
Liliam Beatris: Essa é uma COP muito importante porque deve acontecer o primeiro balanço geral do Acordo de Paris. Em seu artigo 14, há o pedido por uma avaliação global da implementação do acordo, justamente para os países poderem avaliar e medir o que foi feito, onde estamos e o que mais precisa ser feito. Então, talvez seja a COP mais importante desde a edição número 21, que adotou o Acordo de Paris. Além disso, nós temos um segundo interesse, já que o presidente Lula apresentou a candidatura do Brasil para sediar uma COP. Então agora em Dubai, a COP30, que será realizada em Belém, no Pará, em novembro de 2025, será confirmada. Com isso, passamos a precisar nos envolver em uma número maior de temas que são tratados e, em função disso, estmos indo com um grande número de negociadores. São 23 apenas do Itamaraty, além de outros ministérios do governo federal, que têm interesses específicos nas negociações, como o Ministério da Agricultura, o Ministério do Meio Ambiente, o de Minas e Energia, Embrapa, Ciência, Tecnologia. Devemos ter um grupo de uns 50 negociadores e o nosso principal objetivo é conseguir resultados importantes, significativos, que estimulem os países a reduzir suas emissões de gases de efeito estufa, bem como conseguir se preparar para a agenda de adaptação, ou seja, no preparo para a eventualidade de eventos climáticos.
CR – Além do fato de as COP28 e 29 serem eventos preparatórios ao Brasil, que sediará a COP 30, também temos um protocola a cumprir, certo?
Liliam Beatris: Sim, a ideia é que alguns mandatos sejam lançados agora em Dubai, mandatos de negociação, programas de trabalho e coisas substantivas que orientem os países nesse esforço de adotar políticas importantes sobre a mudança do clima. Tudo o que for lançado agora a gente poderá acolher. Para usar um termo da agricultura, a gente poderá colher daqui a dois anos na COP 30, que será realizada no Brasil. Então, por isso, nós precisamos estar estruturados, muito preparados para essas discussões, para que a gente possa também começar desde agora e produzir os resultados daqui a dois anos. A COP 29 ainda não tem sede definida. Deve acontecer em algum país do Leste Europeu, mas o certo é que a COP 30 será em Belém do Pará, Brasil.
CR – Qual é a importância da pauta do agronegócio do Brasil nessas discussões?
Liliam Beatris: É uma pauta muito importante. É um setor da economia brasileira muito dinâmico, intensivo em mão de obra. É um setor muito competitivo internacionalmente e nós damos a prioridade que o setor tem de ter. Nós trabalhamos em conjunto com todos os ministérios, todos os órgãos federais e entidades de classe que têm a competência sobre o agronegócio para que as nossas posições sejam construtivas, integradoras, que todos se sintam representados e que a gente possa fazer com que as regras internacionais não criem limitações para a atividade. Isso não somente dentro do Brasil, mas como dentro de qualquer país. Mas também que as regras internacionais criem oportunidades, principalmente no campo de obter financiamento para atividades de transferência de tecnologia e capacitação. Então a negociação internacional tem essa dupla importância de não criar limitantes e abrir oportunidades para o setor dentro dos países.
CR – Quando se fala em COP, o Acordo de Paris e o Protocolo de Quioto já vêm à cabeça, mas são temas que ainda não conseguimos resolver. De que forma colocar esses dois acordos nas discussões das conferências que ainda serão realizadas?
Liliam Beatriz: São três os principais acordos e todas as decisões anualmente são tomadas no âmbito desses três acordos. O primeiro é a Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima de 1992. Portanto, é um acordo de 31 anos. Logo depois veio o Protocolo de Kyoto de 1997, que criou obrigações e compromissos de redução de emissão para os países desenvolvidos. O terceiro pilar, que é o Acordo de Paris de 2015, deu um passo adiante e criou condições para que todos os países passassem a ter que oferecer alguma contribuição. Então, deve ser encarado como uma evolução da normativa internacional, de acordos jurídicos que criam essas regras válidas para todos os membros. Isso é muito importante. É no âmbito dessas negociações que todos os países se comprometem com as metas de redução de emissão, que combinam, que discutem as melhores maneiras de se adaptar e também buscam e definem essas regras para aumentar o financiamento climático e aumentar a transferência de tecnologia.
CR – O presidente Lula tem falado muito no Fundo de Perdas e Danos, que o Brasil cobrará esse instrumento dos países industrializados, dos que mais poluem. Falava-se em uma proposta de 100 bilhões de dólares por ano que deveriam ser destinados pelos países desenvolvidos para mitigar os efeitos da mudança climática nos países em desenvolvimento. Como esse tema será tratado nesta COP? Qual a visão do Brasil nesse contexto?
Liliam Beatris: O Fundo de Perdas e Danos foi criado na última COP, no Egito, e a tarefa do ano passado para este foi a de operacionalizar esse fundo, ou seja, como ele vai funcionar? Onde ele estará abrigado? Estará abrigado em um grande banco internacional ou será um fundo independente? Quem aportará os recursos? Quais países poderão usar? Há toda uma discussão de quem é mais vulnerável à mudança do clima, se são os países pequenos, as pequenas ilhas, países com grandes costas. O que existe é que todos os países são vulneráveis à mudança do clima e esse fundo será acessível a todos os países em desenvolvimento. A boa notícia é que já houve acordo no nível de negociadores no grupo encarregado de finalizar essa operacionalização. Então, está chegando agora para a COP de Dubai uma decisão fechada sobre o Fundo de Perdas e Danos e a nossa expectativa é que ele seja aprovado. Essa é uma pauta muito importante, uma demanda dos países que se sentem muito ameaçados. Na eventualidade dos eventos climáticos ficarem mais graves, estamos com muita expectativa de que o resultado seja acolhido logo no início. No meio de tantas incertezas, essa é uma boa notícia.
CR – Sobre o financiamento climático, existe uma meta quantitativa?
Liliam Beatris: Sim, em 2009, os países acordaram uma meta, um valor de 100 bilhões de dólares anuais, específicos para financiar atividades, medidas de combate à mudança do clima no mundo em desenvolvimento. Da forma como os acordos estão organizados, financiamento climático é um compromisso dos países desenvolvidos, que são responsáveis historicamente pelo maior volume de emissões de gases. O compromisso é deles para financiar atividades na transição energética nos países em desenvolvimento. Mas esse número [de 100 bilhões] nunca foi alcançado. Alguns países doadores. estão alegando que ela será alcançada em 2023, o que também é uma boa notícia. Mas, na realidade, essa meta já não atende a necessidade dos países mais pobres de financiar a transição rumo a uma economia de baixo carbono. Agora serão necessários trilhões de dólares, não mais bilhões. Então, o que se espera em Dubai é avançar nessa discussão e criar um momento para que se chegue a um número ou uma mescla de ideias que possam gerar um número mais convincente, mais adequado ao tamanho do problema e que cubra o custo da transição nos países em desenvolvimento. É uma discussão que está no seu auge e deverá ter avanços agora em Dubai.
CR – O Brasil está levando para a COP uma nova proposta chamada Missão 1.5. Do que se trata?
Liliam Beatris: O Brasil tem um interesse sistêmico nessa COP, que é ajudar os Emirados Árabes, a ONU, o conjunto de países, a conseguir entrar em acordo sobre decisões significativas nessa área do combate à mudança do clima. Isso porque nós queremos essas negociações bem direcionadas, bem organizadas, para daqui a dois anos nós colocarmos mais gás nesse processo. Então nós temos esse interesse de ajudar o mundo, ajudar o sistema a usar os acordos a favor do combate efetivo à mudança do clima. Por isso, vamos sugerir ao conjunto de países, aos nossos e aos outros parceiros, um item de agenda que nós estamos chamando de missão 1.5, que é um grau e meio [no aumento de temperatura global] como limite ao aquecimento global. Esse é o objetivo do Acordo de Paris e é necessário para que o mundo continue a desfrutar de um meio ambiente saudável, de temperaturas adequadas. A ciência está mostrando que os riscos são muito graves caso se passe desse limite de temperatura. Nós queremos que a agenda negociadora adote essa ideia e, em conjunto, vamos formular a ideia e o mecanismo de estímulos positivos para que os países em desenvolvimento estejam mais preparados para agilizar políticas de mitigação de efeitos de gases de efeito estufa.