Apesar da sinalização de cessar-fogo entre Israel e Irã, a entrada dos Estados Unidos no conflito eleva a tensão no Oriente Médio e reacende o alerta global. O envolvimento direto da maior potência militar do mundo transforma um confronto regional em uma crise com potencial de desdobramentos internacionais. A soja brasileira está entre os setores mais expostos, com possíveis reflexos nos preços das commodities e no abastecimento de fertilizantes.
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Embora o Oriente Médio não seja um grande produtor agrícola, é altamente dependente da importação de alimentos. Países como Irã, Arábia Saudita, Egito e Emirados Árabes Unidos estão entre os principais destinos das exportações brasileiras de grãos, carnes e farelo de soja.
De acordo com João Alfredo Nyegray, professor de Negócios Internacionais e Geopolítica da Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUC-PR), o cenário atual aumenta a aversão ao risco nos mercados, afetando contratos, preços e operações logísticas. “Há um impacto direto na previsibilidade dos embarques e na segurança das rotas comerciais. Com a guerra se internacionalizando, o mercado reage de forma defensiva, e isso respinga nas exportações brasileiras”, afirma.
A pressão logística também se intensifica diante do risco de bloqueio no Estreito de Ormuz, por onde 20% do petróleo é transportado por via marítima no mundo. Com a presença militar norte-americana na região, o estreito se torna um possível alvo de retaliações. O aumento no preço do petróleo eleva os custos do frete marítimo e afeta o valor dos insumos agrícolas derivados de petróleo, como fertilizantes nitrogenados, defensivos e combustíveis utilizados nas lavouras.
“O Brasil é altamente dependente de fertilizantes importados, e muitos deles vêm do Golfo Pérsico. Se essa logística for interrompida, o impacto será direto no custo de produção da próxima safra”, explica Nyegray.
Além disso, o Irã é um ator relevante tanto como comprador quanto como fornecedor no setor agrícola. O país importa milho, soja e carnes do Brasil, mas também participa da cadeia global de insumos por meio da exportação de ureia e outros fertilizantes. Parte desses produtos chega ao Brasil por meio de reexportações feitas pelos Emirados Árabes Unidos. “Uma guerra prolongada, com bloqueios marítimos ou ataques a navios, compromete a estabilidade das rotas e encarece o transporte. Isso pode atrasar ou até inviabilizar entregas de insumos essenciais à agricultura brasileira”, aponta o professor.
O canal de Suez e o Mar Vermelho também entram na zona de risco, sobretudo se houver intensificação dos ataques dos Houthis, grupo iemenita aliado ao Irã. Uma eventual escalada nessa região pode desorganizar os fluxos logísticos entre o Brasil, Europa e Ásia, afetando não apenas o escoamento da produção, mas também a importação de fertilizantes.
Na frente diplomática, o envolvimento dos Estados Unidos amplia a possibilidade de pressões políticas sobre o Brasil. Como potência agrícola emergente e membro ativo dos BRICS, o país pode ser cobrado a adotar um posicionamento mais claro em fóruns internacionais como ONU e G20. Uma aproximação com os Estados Unidos ou com Israel pode gerar reações negativas entre os países árabes e muçulmanos, que estão entre os principais compradores da carne de frango, soja e derivados produzidos no Brasil.
“O Brasil precisa manter sua tradição de neutralidade ativa. Qualquer gesto mal interpretado pode comprometer contratos bilaterais importantes, principalmente com o mundo islâmico”, alerta Nyegray.
A guerra também lança incertezas sobre a safra 2025/26. A alta nos preços do petróleo e dos fertilizantes, somada à volatilidade cambial, tende a elevar significativamente os custos de produção. Embora os preços da soja possam subir no curto prazo em função da instabilidade global, o aumento nos gastos com insumos pode anular os ganhos. “A insegurança afeta não só a rentabilidade, mas também o planejamento dos produtores. Se houver atraso na chegada de fertilizantes ou encarecimento dos fretes, isso compromete o ciclo produtivo inteiro”, afirma o especialista.
Para Nyegray, o momento exige atenção redobrada por parte dos produtores, cooperativas e empresas do setor. “É preciso reforçar estratégias de hedge, buscar diversificação de mercados e manter interlocução constante com o governo. A diplomacia e a gestão de risco serão decisivas para evitar que o conflito se transforme em uma crise para o agronegócio brasileiro.”