quarta-feira, 16 de julho de 2025

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Desencorajado, produtor brasileiro reduz área plantada com trigo

A safra de trigo plantada em 2025 no Brasil será marcada por uma retração expressiva na área plantada, reflexo direto da perda de confiança do produtor diante de um cenário comercial e climático adverso. A estimativa mais recente aponta uma redução de 23,3%, com 2,259 milhões de hectares cultivados — 688 mil a menos que no ciclo anterior (2,947 milhões).

O movimento de retração é generalizado e atinge os principais polos produtivos. No Paraná, a queda na área chega a 25,7%; no Rio Grande do Sul, 22,7%; em Santa Catarina, 20%; Minas Gerais e São Paulo também apontam quedas superiores a 22%. Apenas a Bahia, onde predomina o cultivo irrigado, apresentou avanço, embora modesto (+4,2%) e sobre uma base ainda pequena.

A redução da área brasileira de trigo decorre de um conjunto de fatores. No campo, os impactos climáticos da temporada passada — com perdas severas em diversas regiões — e o excesso de chuvas no momento do plantio geraram atrasos e, em alguns casos, inviabilizaram o cultivo. A ocorrência de geadas no Paraná no ano passado, além de comprometer lavouras, acentuou o receio do produtor quanto à viabilidade da cultura.

Culturas de inverno concorrentes, como milho safrinha e sorgo, têm oferecido maior liquidez, menor risco e melhor retorno na composição da rentabilidade da propriedade — especialmente considerando os efeitos sobre a produtividade da soja em sucessão.

Em regiões onde não há concorrência com culturas de segunda safra, muitos produtores optaram por culturas de cobertura, visando aproveitar a melhor janela para o plantio da soja. Outros devem entrar com milho de verão, pensando em uma segunda safra de soja.

No plano econômico, o desestímulo é evidente. Os preços internos recuaram, os custos seguem elevados e as margens estão comprimidas. Mesmo com a baixa oferta no mercado interno, os moinhos encontram no trigo importado uma alternativa competitiva, favorecida por preços internacionais em queda e pela valorização recente do real. Muitos produtores, reticentes quanto à viabilidade do plantio, adiaram a decisão e, diante do achatamento das cotações, acabaram optando por não investir no cereal de inverno.

A falta de seguro rural acessível e efetivo agrava o problema. Em uma cultura marcada por riscos climáticos elevados — como geadas, excesso de chuvas e estiagens —, a ausência de mecanismos de proteção contra perdas limita o interesse tanto do produtor quanto do financiador. Sem cobertura adequada, o risco da operação recai integralmente sobre o produtor, o que reforça o comportamento defensivo diante das incertezas.

Soma-se a isso a dificuldade de acesso ao crédito e o impacto dos juros elevados. A restrição do crédito rural foi um dos principais limitadores da triticultura, especialmente para o cultivo de sequeiro (Sul e Sudeste), onde o financiamento é essencial para viabilizar uma cultura de risco climático elevado e retorno incerto.

Com margens cada vez mais pressionadas, o trigo exige planejamento técnico e financeiro rigoroso. O problema é que, após sucessivos choques climáticos e preços baixos, muitos produtores — especialmente os de pequeno e médio porte — encontram-se descapitalizados.

Sem caixa e com dificuldade de apresentar garantias, ficaram fora das linhas oficiais de crédito. A situação é ainda mais crítica no Rio Grande do Sul, onde as perdas com a soja na safra de verão comprometeram a capacidade de pagamento, restringindo ainda mais o acesso a novos recursos.

No mercado privado, as alternativas também encolheram. Com juros altos e aumento da inadimplência, bancos e tradings adotaram uma postura mais seletiva e conservadora. Para muitos produtores, isso significou a opção por reduzir a área plantada, abrir mão de tecnologia ou até abandonar temporariamente a cultura.

A produção nacional, já ajustada aos danos causados pelas intempéries climáticas (até o momento), está projetada em 7,105 milhões de toneladas, retração de 8,6% frente à safra anterior (7,77 milhões). A queda foi parcialmente compensada pelo ganho de produtividade média (+19,3%), estimada em 3.145 kg/ha, com destaque para estados que haviam sofrido perdas no ciclo anterior, como Minas Gerais (+62,6%) e Paraná (+52,6%).

Apesar disso, a oferta interna continuará limitada. O Rio Grande do Sul deverá colher 3 milhões de toneladas (queda de 24,1%) e o Paraná, 2,7 milhões (alta de 13,4%) — volume ainda insuficiente para abastecer os moinhos locais, cuja moagem gira em torno de 3,850 milhões de toneladas, o que obrigará o estado a buscar trigo em outras regiões ou no mercado externo.

Em síntese, a retração da área plantada com trigo em 2025/26 reflete um ciclo de desconfiança do produtor, desestímulo financeiro e riscos climáticos acumulados. Mesmo com ganhos de produtividade pontuais, a menor escala da safra compromete a segurança da oferta e mantém o país estruturalmente dependente das importações.

O mercado segue atento à evolução climática e à resposta do produtor diante de uma conjuntura que exige crédito acessível, proteção contra perdas e maior previsibilidade de receita para garantir o mínimo de estabilidade à triticultura brasileira.

Diante de tanta incerteza, o Cerrado brasileiro pode ser um bom exemplo, onde a indústria e o campo estão buscando uma aproximação para a viabilização da cultura. Ao produtor, o trigo é uma alternativa de renda. Aos moinhos, a garantia de produto de qualidade.

*Élcio Bento é especialista em trigo graduado em Economia pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). Faz parte da divisão de especialistas de Safras & Mercado há mais de 20 anos


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