quinta-feira, 24 de abril de 2025

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Como guerras e crises moldaram o preço das commodities nos últimos 120 anos

Ao longo dos últimos 120 anos, os preços das commodities agrícolas viveram uma verdadeira montanha-russa. Muito além das variáveis climáticas e safras abundantes ou frustradas, foram os grandes eventos históricos — guerras, colapsos financeiros e transformações geopolíticas — os principais responsáveis por sacudir esses mercados (veja detalhes no gráfico abaixo).

A Primeira Guerra Mundial (1914-1918) provocou escassez de alimentos na Europa e impulsionou os preços agrícolas, especialmente nos países exportadores como os Estados Unidos, o Canadá e a Argentina. O Brasil se beneficiou com o café, mas o fim da guerra trouxe uma forte retração da demanda.

A Crise de 1929, com o colapso da Bolsa de Nova York, mergulhou o mundo em uma depressão. Os preços das commodities agrícolas despencaram. O café brasileiro, por exemplo, foi estocado e até queimado para conter a superoferta.

Foto: Elaboração própria

A Segunda Guerra Mundial (1939-1945) novamente elevou a demanda por alimentos e fibras. O trigo e o algodão dispararam, impulsionados pela logística militar. Mas no pós-guerra, a reconstrução europeia e o Plano Marshall reordenaram os fluxos comerciais, favorecendo a mecanização agrícola e o aumento da oferta global.

Os anos 1970 marcaram outro período de volatilidade. O choque do petróleo de 1973 gerou inflação global e levou investidores a buscar refúgio nas commodities. A crise do trigo e do açúcar marcou a década, com países estocando alimentos por segurança.

A década de 2000 trouxe uma nova dinâmica: a ascensão da China e da Índia no consumo global. A soja virou protagonista, impulsionada pela demanda asiática por ração animal. Crises como a de 2008 (subprime) e, mais recentemente, a pandemia da Covid-19 e a Guerra da Ucrânia, também tiveram efeitos explosivos: interrupção de cadeias logísticas, pânico nos mercados e novos picos de preços.

O fator especulação financeira ganhou força nas últimas décadas. A entrada de fundos de investimento e algoritmos de alta frequência nas bolsas de commodities aumentaram a sensibilidade dos preços a notícias macroeconômicas, como decisões de juros nos Estados Unidos ou tensões entre potências.

E o futuro?

Um novo risco sistêmico começa a ganhar corpo: a possível perda da hegemonia econômica dos Estados Unidos e do dólar como moeda central do comércio global. Se confirmada, essa transição pode abalar profundamente o sistema de precificação das commodities.

Uma multipolaridade monetária — com yuan, euro ou moedas digitais soberanas disputando espaço — traria incertezas cambiais, fragmentação de mercados e enfraquecimento das bolsas americanas como referência global.

Em outras palavras: um cenário de alta volatilidade, menos previsibilidade e mais riscos para produtores e investidores.

É importante destacar que o comportamento das commodities agrícolas é um espelho do mundo: reflete não apenas o clima nos campos, mas, sobretudo, os humores da geopolítica e das finanças globais.

E, agora, diante da instabilidade do império que moldou essas regras por mais de um século, o mercado agrícola poderá enfrentar sua maior prova: sobreviver ao fim da era do dólar como âncora.

Miguel Daoud

Miguel Daoud é comentarista de Economia e Política do Canal Rural


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