A desextinção, processo de trazer espécies extintas de volta à vida por meio de técnicas como clonagem e edição genética (CRISPR), tem sido alvo de debates acalorados. Enquanto alguns defendem seu potencial para restaurar ecossistemas e reverter danos ecológicos, outros questionam sua viabilidade, ética e o paradoxo de investir em “ressuscitar” espécies enquanto centenas de outras desaparecem devido à ação humana. Quais são os avanços científicos, os riscos ambientais, os custos envolvidos e as alternativas para a conservação de espécies ameaçadas.
Casos em Andamento: Mamute-Lanoso – A Colossal Biosciences, liderada por “George Church” (Harvard), planeja criar um híbrido de mamute-elefante até 2028, visando restaurar a estepe siberiana . Pombo-Passageiro– A Revive & Restore, com “Ben Novak”, pretende reintroduzir a espécie na América do Norte até 2040 . Lobo-da-Tasmânia– Cientistas australianos estão sequenciando seu DNA para possível clonagem .
A desextinção encapsula o paradoxo da era antropocênica: enquanto a ciência avança na manipulação da vida, a humanidade fracassa em conter a sexta extinção em massa, acelerada por seu próprio extrativismo. Precisamos ter censo crítico sobre os avanços do Tecnocentrismo e isso inclui a desextinção. O Neurocientista, Sidarta Ribeiro e o filósofo e líder indígena, Ailton Krenak me inspiram sempre na reflexão sobre os caminhos percorridos pela humanidade até aqui e o que ela projeta para as gerações futuras no que se refere a relação humana com a natureza. Seus pensamentos revelam, a exemplo de iniciativas como a desextinção, que há uma grande dicotomia: a tecnociência como ferramenta de dominação ou como ponte para a regeneração biocultural.
A Crise da Senciência Sidarta Ribeiro descreve o Homo sapiens como um animal paradoxal: capaz de altruísmo, mas também de destruição em massa. Em “Sonho Manifesto”, ele defende um “otimismo apocalíptico” — reconhecer a crise socioambiental como oportunidade para repensar valores. “Chegou a hora de curar nossos piores instintos, nutrindo os melhores: o cuidado recíproco e a ética ancestral” .
O Futuro é Ancestral Krenak e Ribeiro concordam: “o futuro depende do resgate de saberes indígenas”. Para Krenak, “a ideia de ‘progresso’ como exploração infinita é uma doença. A natureza não é recurso, é parente”. Ribeiro acrescenta: “Práticas ancestrais — sono adequado, alimentação fermentada, conexão comunitária — são validadas pela ciência como antídotos ao colapso” .
Sonhos Coletivos vs. Distopia Tecnocrática Ribeiro alerta: “A sociedade ocidental desaprendeu a sonhar coletivamente. Sonhamos apenas com mercadorias, não com o bem-estar planetário” . Krenak ecoa: “Os brancos não sonham longe. Seus sonhos são curtos, egoicos, como seus projetos de ‘domar’ a natureza” . A desextinção, nesse contexto, pode ser mais uma fantasia de controle — um “sonho tecnocrático” que ignora as causas reais da extinção: o capitalismo extrativista.
A Ciência por Trás da Desextinção – Técnicas Utilizadas:
Clonagem – Já foi tentada com o íbex-dos-pirenéus (2003), mas o clone sobreviveu apenas minutos após o nascimento .
Reprodução Seletiva – Projetos como o Tauros (recriação do auroque) e Quagga (subespécie de zebra) buscam ressuscitar espécies por meio de cruzamentos controlados .
CRISPR-Cas9 – Ferramenta de edição genética que permite modificar o DNA de espécies vivas para recriar características de animais extintos. Empresas como Colossal Biosciences (EUA) e Revive & Restore (EUA) lideram pesquisas para “desextinguir” o mamute-lanoso, o “dodô” e o lobo-da-tasmânia.
O Paradoxo da Desextinção: Salvar o Passado Enquanto o Presente Desaparece
Enquanto bilhões são investidos em trazer espécies extintas de volta, “a sexta extinção em massa avança”, com 150 a 200 espécies desaparecendo por dia, muitas devido à: – Deforestação (Amazônia perdeu 17% de sua cobertura em 50 anos) . – Caça Predatória (70% dos tubarões e raias desapareceram desde 1970) . – Mudanças Climáticas (aquecimento global ameaça 1 milhão de espécies) .
Por que ressuscitar espécies extintas a milhares de anos, se o tráfico de animais e a poluição extinguem espécies atuais?
CRISPR e Seu Potencial: Solução ou Distração?
A edição genética pode garantir oportunidades mas também ameaças: ✅ Recuperar espécies-chave (como abelhas, cujo declínio ameaça a polinização). . ✅ Recuperar espécies ameaçadas (como a doninha-de-patas-pretas, clonada em 2020) ✅ Aumentar resistência de cultivos a pragas, reduzindo agrotóxicos Mas também: ❌ Desviar recursos de conservação (proteger habitats custa 10x menos que desextinção). ❌ Criar quimeras sem função ecológica — um mamute-elefante não restaurará a estepe siberiana sem políticas contra o degelo.
❌ Desequilíbrio ecológico – Espécies reintroduzidas podem se tornar invasoras ❌ Falta de habitat original – Ecossistemas mudaram desde a extinção desses animais .
Espécie; Custos; Países Envolvidos e Centros de Pesquisa.
Mamute-Lanoso (Colossal) – US$ 75 milhões – EUA – George Church Pombo-Passageiro (Revive & Restore) – US$ 50 milhões – EUA – Ben Novak Lobo-da-Tasmânia – US$ 30 milhões – Austrália – Andrew Pask
Enquanto isso: US$ 1 bilhão/ano seria suficiente para proteger todas as espécies criticamente ameaçadas .
Alternativas: Como Evitar Novas Extinções?
1.Combate ao tráfico de animais – Fortalecer leis e fiscalização . 2. Restauração de habitats – Reflorestamento e corredores ecológicos . 3. Redução da pegada ecológica – Transição para energias renováveis e agricultura sustentável . 4. Educação ambiental – Conscientização sobre consumo responsável .
Sob o olhar de Sidarta Ribeiro e de Ailton Krenak, podemos supor as seguintes possibilidades baseadas no conceito de Florestania, frente as Tecno-Utopias como a Desextinção
Krenak propõe a “florestania” — uma cidadania ecológica onde humanos são parte da floresta, não seus donos . Ribeiro sugere: 1. Tributar os ultra-ricos para financiar conservação (0,1% da fortuna de Elon Musk salvaria 100 espécies) . 2. Reintroduzir práticas ancestrais: agroflorestas, sono polifásico (sonecas melhoram a memória ecológica) . 3. Descolonizar a ciência: integrar saberes indígenas à biotecnologia, como fazem pesquisas com polvos no laboratório de Ribeiro .
Progresso ou Ilusão?
A desextinção é um feito científico admirável, mas seu custo-benefício é questionável. Enquanto a tecnologia avança, a extinção acelerada de espécies atuais exige ações urgentes. Será que não seria mais eficaz proteger o que ainda temos em vez de reviver o que perdemos? A resposta pode definir o futuro da biodiversidade.
A desextinção simboliza a hybris humana: a crença de que a tecnologia pode reparar danos sem mudar o sistema que os causa. Com base em Krenak podemos afirmar que não adianta ressuscitar espécies se continuarmos a tratar a Terra como um supermercado .Com base em Ribeiro , concluímos que:”Ou nutrimos nossa ‘melhor ancestralidade’ — o cuidado, a colaboração — ou seremos lembrados como a espécie que preferiu brincar de Deus a salvar sua própria casa”.
O caminho é claro:menos CRISPR, mais “florestania”. Menos parques jurássicos, mais corredores ecológicos. O futuro não está na ressurreição do passado, mas na cura do presente
Gilberto Lima Junior é Palestrante, Membro do Board de empresas de base tecnológica no Brasil e no exterior. Redes Sociais: @gilbertonamastech