Carta de despedida ao SXSW
Em 2009, eu era editor do Jornal da Noite na Band, apresentado por Boris Casoy. Meu trabalho começava por volta das 17h30, quando chegava à redação, sentava ao computador e me inteirava sobre as notícias do dia. Não sei como o jornal é produzido hoje, mas, na época, 80% dele era uma reedição, um verdadeiro “requentado” das reportagens que foram ao ar no Jornal da Band, o principal produto jornalístico da casa, então apresentado por Ricardo Boechat.
Em muitos dias – não todos, mas quase todos –, das sete horas de expediente, eu conseguia “requentar” os VTs (como chamamos cada notícia veiculada) em cerca de 30 minutos.
Portanto eu tinha MUITO tempo livre, parado na frente de um computador. De vez em quando, algo acontecia. Lembro com clareza do dia em que Michael Jackson morreu. Mas, no geral, a rotina era tranquila.
Para passar o tempo, numa época pré-Instagram (saudades), eu lia blogs, especialmente sobre música e cinema. Meus favoritos eram o Urbe, do Bruno Natal, e o Trabalho Sujo, do Alexandre Matias. Faço aqui um tardio agradecimento a esses dois, pois devo a eles muitos aprendizados e descobertas.
Não lembro exatamente em que ano li, pela primeira vez, sobre um festival no Texas que reunia música, cinema e tecnologia. Um lugar onde, ao andar pelas ruas da cidade, era possível ver um show surpresa do Jack White em um estacionamento, enquanto, a metros dali, o Foo Fighters estreava um documentário. Onde foi lançado o Twitter. Onde Amy Winehouse tocou em um bar minúsculo. Onde a Vice fazia uma cobertura especial.
Imaginar a existência de um evento assim me deixou maluco! Desde aquele momento, meu sonho e meta de vida virou conhecer Austin – a meca dos descolados – durante o libertador South by Southwest.
Realizei esse sonho em 2018 e me apaixonei. Pela cidade, pelo clima, pelas pessoas, pelo evento, pela comida, enfim… por tudo. De lá, trouxe muitas ideias que apliquei nas minhas palestras e, principalmente, na minha trajetória como empreendedor. Nos últimos três anos, o festival se tornou parte do meu trabalho: usei o evento para captar leads para o lançamento da minha mentoria, utilizando como chamariz a cobertura que fazia de lá, produzindo uma newsletter que gerou alguns ebooks com os principais insights do que assisti.
Estive presente em todas as edições presenciais (o festival foi cancelado em 2020 e teve uma edição virtual em 2021 devido à pandemia), menos a que termina hoje (15/03).
SXSW
Eu não ia falar nada, mas vou sucumbir ao clichê:
Infelizmente, o SXSW não é mais o principal evento de inovação e tecnologia do mundo. Talvez algum dia tenha sido, mas definitivamente não é mais. Não era no ano passado e, mesmo sem ter ido, percebo que não voltou a ser neste ano. E a palavra que define o sentimento é “infelizmente” mesmo, pois seria bom demais se fosse.
O evento é uma Disney de adulto. Tudo é fácil, divertido. A música é descolada, assistir a shows é prático, sem perrengue. Tem gente do mundo inteiro, tem ator de Hollywood, tem patinete, tem bicicleta, tem loja de bota, tem festa para todo lado, tem happy hour grátis, tem ativações cheias de brindes, tem feira de bugigangas… é bom demais!
Mas isso não significa que, para nós, brasileiros, seja o fim da micareta.
Nos últimos anos, o SXSW se tornou o principal evento para ver e ser visto por uma parcela específica da sociedade brasileira. Quanto mais desvalorizado o real, quanto mais caro o quarto de hotel ou o Airbnb perto do Convention Center, mais descolado e valorizado se torna estar lá.
Isso é normal. De certa forma, essa valorização de quem viaja pro exterior para um evento descolado está no nosso DNA de sul-americano colonizado, no nosso complexo de vira-lata. Sei lá… é muita pretensão querer achar uma explicação para isso. É o que é.
Encontrar milhares de brasileiros por lá é ambíguo.
No início, eu era aquele que vai com a mentalidade de “CDF no intercâmbio”, que diz: “Eu, heim!? Imagina se eu vou sair de São Paulo e gastar um dinheirão para ficar conversando com brasileiro? DEUS ME LIVRE!”
Depois, a gente entende que conhecer brasileiros lá, trocar contato e marcar um papo depois, no Brasil, faz parte do jogo. Pode abrir portas difíceis de serem abertas em outra ocasião e ser uma maneira eficiente de conhecer as pessoas certas, no momento certo, para avançar profissionalmente.
E, claro, não quero jogar água no chope de quem juntou suas economias, foi pela primeira vez e amou. É para fazer isso mesmo! É uma experiência que todo mundo devia ter.
Conheço empresas em que a lista de escolhidos para participar desse evento é semelhante ao anúncio da escalação da seleção brasileira. Os selecionados passam o ano inteiro em campanha, esperando uma chance. Para eles, o evento se torna um troféu, uma validação de que chegaram lá.
O Southby é um ambiente de descobertas pessoais e também é um símbolo de status. Ame-o e deixe-o como eu, sem FOMO. Mas, se der, ano que vem eu tô lá para ver as ruínas do Convention Center, escrevendo sobre essa metáfora incrível com a cara de pau burguesa da minha contradição enquanto admiro os morcegos que saem com hora marcada debaixo da ponte.
Além disso, vou esperar o SXSW China – que é o lugar em que a tal inovação tá rolando de verdade.