domingo, 22 de dezembro de 2024

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Erva-mate do Paraná se reinventa e ganha novos mercados

Maior produtor nacional de erva-mate, o Paraná está ressignificando o uso da planta que já foi o principal produto da economia do estado.

O impulso veio com o reconhecimento de Indicação Geográfica (IG) da erva-mate de São Matheus, que compreende a produção dos municípios de São Mateus do Sul, São João do Triunfo, Antônio Olinto, Mallet, Rio Azul e Rebouças, localizados na bacia do Rio Iguaçu, na região Centro-Sul.

O reconhecimento da IG aconteceu em 2017 pelo Instituto Nacional de Propriedade Industrial (INPI) à Associação dos Amigos da Erva-Mate de São Mateus (IG-Mathe), após anos de trabalho e pesquisa para reunir a documentação que comprova o diferencial e a tradição da planta.

As cidades paranaenses foram as primeiras a conseguir a IG da erva-mate, que posteriormente também foi concedida à produção do Planalto Norte de Santa Catarina.

A iniciativa contou com apoio do Sebrae/PR, dentro do projeto Origens Paraná, com participação também da Secretaria de Estado da Agricultura e do Abastecimento e do Instituto de Desenvolvimento Rural do Paraná (IDR-Paraná).

O reconhecimento concedido aos produtos de origem considera as especificidades de sua produção ou da região de onde vem. Este é o caso da erva-mate São Matheus, que conseguiu o registro na categoria Indicação de Procedência, que leva em conta o “terroir”, ou seja, que atesta que ela vem de um meio geográfico conhecido como centro de extração, produção ou fabricação de determinado produto.

Para ter o reconhecimento, as sementes, mudas e plantas de erva-mate precisam ter procedência dos ervais nativos da região e serem produzidas em áreas sombreadas pela floresta de araucária, cedro e imbuia. Atualmente, 30 produtores locais têm a certificação de IG.

A erva-mate está intimamente ligada à memória de São Mateus do Sul, que se tornou município em 1908, período de ouro da exploração do produto no Paraná. A planta nativa do Sul do País, já utilizada antes da colonização por indígenas guaranis, passou a ter grande saída pelo município, que funcionava como uma central de escoamento do produto através dos vapores que navegavam pela antiga hidrovia do Rio Iguaçu, que foi essencial para o sucesso do ciclo ervateiro paranaense.

Segundo o documento que embasa o pedido de Indicação Geográfica junto ao INPI, ao final do século 19, com a chegada de colonizadores europeus, a colônia chamada São Matheus tinha forte atividade ervateira. O porto, à beira do Rio Iguaçu, fez com que a localidade se tornasse sede, centralizando a atividade da região.

Atualmente, a cidade é a maior produtora de erva-mate do Brasil, status que também é compartilhado com o Paraná. De acordo com a Pesquisa Agrícola Municipal (PAM), do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), o estado respondeu por mais da metade da produção nacional em 2022, colhendo 316,6 mil toneladas da planta. Junto aos demais estados produtores – Santa Catarina, Rio Grande do Sul e Mato Grosso do Sul – a produção nacional atingiu 618,6 mil toneladas.

Liderada por São Mateus do Sul, que colheu 63 mil toneladas no ano passado, a produção dos seis municípios de abrangência da IG chegou a 72,8 mil toneladas, quase 12% da nacional.

Somado, o valor de produção nessas cidades foi de R$ 124,8 milhões.

“Há uma série de requisitos para a produção, que é baseada nas boas práticas agrícolas e de fabricação, sem o uso de produtos químicos. A erva com IG é rastreável, então o consumidor pode ter a certeza de que foi produzida seguindo protocolos exigentes”, explica Luciano Miguel Kuligovski, presidente da IG-Mathe.

“O produtor tem um caderno e tudo que for feito no ano dentro do erval tem que ser anotado. Quem roçou, que época roçou. Ele pode usar produtos biológicos, mas não químicos, então tem que discriminar essa aplicação no caderno também. Quando chega a época da venda, ele vai até a associação e leva as anotações para que possamos rastrear o produto”, diz.

“E a planta precisa ser oriunda de árvores nativas daqui. O meu erval, por exemplo, vem desde 1979. Para fazer o cultivo de novas mudas, as sementes devem ter procedência nativa, ter vindo de uma erveira de um dos seis municípios da região (Mallet, Rio Azul, Rebouças, São João do Triunfo, São Mateus do Sul e Antônio Olinto)”, complementa.

Chá, echimarrão

Agregar valor à produção de um produto típico é justamente um dos objetivos ao buscar o reconhecimento. “O selo garante ao consumidor que ele terá um produto nativo, seguro, sem uso de agrotóxicos e que desde a lavoura segue um procedimento de manejo com regras de rastreabilidade rigorosas”, explica Kuligovski. “Isso agregou valor à erva-mate com IG. Como a ervateira consegue vender com um preço melhor, ela paga uns 30% a mais ao produtor”.

Agregar valor também significa dar novos usos ao produto. As tradicionais rodas de chimarrão ainda são bastante comuns pelo Paraná e pelo Sul afora, especialmente em São Mateus do Sul, que tem inclusive um local reservado para esse fim: a Rua do Mate, construída com apoio do Governo do Estado e que conta com um chimarródromo, com torneiras com água quente disponíveis para as pessoas se reunirem para matear e prosear. Da mesma forma se mantém relevante o chá mate, que é apreciado dentro e fora do Brasil.

Mas a erva-mate agora está indo além e se tornou matéria-prima para doces, sucos, energéticos e até cosméticos. A ideia é diversificar o uso, também visando a internacionalização do produto. “Estão sendo desenvolvidos vários subprodutos na parte de cosméticos e gastronomia com a erva-mate. O foco principal é ir para o mercado externo, como os Estados Unidos e a Europa, lugares onde realmente os produtos rastreados são reconhecidos e valorizados”, diz o presidente da IG-Mathe.

Em São Mateus do Sul, o restaurante Veneza e o Zalipie Café e Floricultura incorporaram o ingrediente em seu cardápio. “Quando a região recebeu o reconhecimento, pensamos em fazer algo diferente e colocamos no cardápio o suco e o mousse de erva-mate, que são servidos diariamente há seis anos e são bastante apreciados”, conta o proprietário do restaurante Veneza, Aroldo Ferreira.

“Sempre busquei trazer alguma coisa diferente ao restaurante, e através dos produtos de erva-mate conseguimos essa identificação. Já fizemos caipirinha, licor, cocada, na cidade tem chope com erva-mate, sorvete”, ressalta Ferreira. “Isso traz um retorno financeiro e também divulga nosso trabalho. Uma pessoa fala para outra e elas procuram o restaurante para degustar os produtos de erva-mate”.

Já o Zalipie criou um menu de experiência só com comidas com erva-mate, que está presente no tererê no copo, no capuccino, em pães, brigadeiro e em um bolo com massa verde batizado de green velvet, em alusão ao famoso red velvet. “Colocando no menu a gente viu a oportunidade de ajudar a engrandecer a IG, o nosso ouro verde que é a erva-mate. As pessoas vêm pela curiosidade, porque só conhecem a erva para o chimarrão, e têm se surpreendido com o sabor”, afirmou o proprietário do café, Anderson Nora.

Em São Mateus do Sul, erva-mate está presente no green velvet. Foto: Gilson Abreu/AEN

Industrialização

Além dos novos usos, o principal produto da erva-mate não fica de fora. Cinco ervateiras da região têm a IG – Baroneza, Baldo, Maracanã, Triunfo e Taquaral – e utilizam o selo na comercialização de erva para chimarrão, tererê e também no chá-mate. E assim como os produtores precisam seguir à risca as determinações para o cultivo, as indústrias também precisam estar adequadas às boas práticas de fabricação para garantir a segurança sanitária e a rastreabilidade do produto.

Instalada no município desde 1993, mas trabalhando com produtores de São Mateus do Sul desde o início da empresa, na década de 1920, a gaúcha Baldo também utiliza um processo mais tradicional de manufatura, fazendo a secagem por esteiras, semelhante ao chamado cancheamento. Neste processo, historicamente utilizado pelos produtores da região, a moagem da planta é feita em uma cancha, uma espécie de roda por onde passava triturador de madeira sobre o produto após a secagem.

Junto ao cultivo sombreado, isso confere características únicas ao produto, com uma erva diferenciada por sua suavidade. “A participação na IG foi um movimento interessante para nós. Primeiro, porque o ‘saber fazer’ era algo que já tínhamos e reconhecíamos na região esse histórico, e que de alguma forma repetimos em escala industrial”, explica Leandro Gheno, vice-presidente da Baldo S/A.

“O segundo ponto é o reconhecimento da região, que demonstra que aqui existe um padrão de matéria-prima excelente”, ressalta. “E o terceiro, para mim o mais importante, é a questão das boas práticas agrícolas, da rastreabilidade do produto. Isso nos coloca num patamar diferente, porque atende a um anseio do novo consumidor, que quer saber mais sobre o produto que consome. Torna o processo transparente e dá uma resposta ao consumidor atual”.

Com uma produção voltada principalmente para os mercados argentino e uruguaio, a Baldo aposta na IG para justamente conquistar o mercado brasileiro. “Temos a tradição de produzir uma erva estacionada, que fica em repouso por até um ano antes de ser utilizada e vem também de um processo de secagem lento, da forma como se consome no Uruguai e Argentina”, explica Gheno.

“O desafio para empresa agora é exatamente trazer para o consumidor brasileiro um pouquinho dessa experiência, tendo a IG como respaldo de divulgação, que pode ser uma alavanca para a nossa marca que ainda não é tão conhecida no mercado interno”, afirma. “Vemos essa oportunidade e entendemos que o mercado de erva-mate, o consumo tradicional e massivo, também começa a ter consumidores que buscam um diferencial, uma expertise. Por isso estamos produzindo lotes especiais e menores com a erva certificada, que também ganha uma apresentação especial, sendo vendido em latas como as que os próprios produtores utilizavam”.

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