Mesmo que seja inevitável, envelhecer nem sempre é tarefa fácil, especialmente se isso é feito em frente às câmeras. Com o passar dos anos, os atores e atrizes enfrentam o desafio de se enxergarem cada vez mais velhos em filmes, novelas, séries, entre outras produções audiovisuais. E, contando que o Brasil ainda é um país etarista, que acredita que os idosos não têm vez, como encarar o futuro? Será que eles ainda conseguirão trabalho?
De acordo com uma pesquisa realizada pela Organização Pan- Americana da Saúde (OPAS), uma em cada seis pessoas terá 60 anos ou mais em 2030; já em 2100, 36% da população já será considerada idosa. Ao analisar esses dados, é fácil entender a importância da representatividade desse grupo nas telas.
O Canaltech
ouviu atores que comentaram sobre essa questão. Alexandre Nero, que protagoniza a nova novela das 18h da Globo, Rancho Fundo
, diz ter medo de estar advogando em causa própria, mas reforça a importância de criar personagens mais velhos.
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“Histórias [de pessoas mais velhas] sempre têm e elas devem ser contadas. As pessoas mais velhas querem se ver nas telas, nos palcos. Agora se elas têm espaço? Acho que têm bem menos do que deveria. Eu fico muito feliz quando eu assisto a filmes, novelas e séries onde os protagonistas são pessoas mais de idade, porque essas histórias muito me interessam — afinal, todos chegaremos à velhice. Eu sou um cara que estou caminhando para isso, já estou entrando nessa faixa, daqui alguns anos estarei com 60 anos e acho que é uma militância bastante pertinente”
Andréa Beltrão, que divide a cena com Nero no folhetim da Globo, afirma que essa questão ainda está longe de ser resolvida, mas que está feliz de ainda atuar.
“Enquanto a gente tiver, do lado do nome de uma atriz ou um ator, a idade dele, a gente não chegou em lugar nenhum. Porque o que eu acho que importa é o que a pessoa diz, representa, faz de interessante ou não. Eu gosto muito da palavra velha, velho. Eu acho que o que é moderno já nasce velho. Então eu acho que essa questão da idade ainda está longe de ser resolvida. Eu encontrava muito com a Tônia Carrero no salão e falava ‘nossa, Tônia como você é linda’. É importante falar, mas acho que às vezes a gente fica patinando nesse assunto das mulheres mais velhas. É, somos todas e é muito bom estar trabalhando ainda, com gente mais nova, gente diferente. Esse é o saldo. A idade não deveria ser limitadora, deveria ser um fato”
Idoso em cena: como ele é visto?
Ainda que existam alguns papéis para atores mais velhos, não é difícil encontrar representações caricatas ou estereotipadas dessa faixa etária. São idosos incapazes, totalmente dependentes ou com rugas, postura curvada, usando bengalas e/ou óculos e aparelhos auditivos. Esse tipo de imagem ajuda a reforçar a ideia de que pessoas velhas são inválidas e até mesmo um estorvo para suas famílias.
De acordo com a professora Sandra Souza, da Escola de Comunicações e Artes (ECA) da USP, isso acontece porque quem cria essas imagens são os adultos contemporâneos. Por isso, choca tanto quando personagens mais velhos fogem desse padrão, como no caso de Dona Lurdes, vivida por Regina Casé. A mãe de cinco filhos surgiu na novela Amor de Mãe
e, em 2024, protagonizou um filme de comédia
no qual se abre novamente para o amor.
Um dos momentos mais cômicos acontece, justamente, quando ela fala para os filhos que, apesar de ser mãe e idosa, ainda tem interesse em namorar e ter relações sexuais. Em coletiva de imprensa, a própria atriz comentou a importância de poder dar vida a uma mulher sexagenária que fala dos seus desejos.
A reportagem também foi ouvir atores que ainda não chegaram na velhice, mas que, de certo modo, estão amadurecendo e envelhecendo em frente às câmeras — um relógio contra o qual todos os artistas sabem que vão ter de encarar cedo ou tarde. Uma delas é Nanda Costa, de 37 anos, e uma das protagonistas de
Justiça 2.
“Eu acho que talvez faltem bons personagens. E isso é uma coisa maravilhosa da Manuela [Dias, autora do filme Dona Lurdes
], contar a história dessa mulher, neste momento, que depois de criar cinco filhos, ser uma protagonista que vai atrás da sua própria vida, começa a namorar, entra em aplicativos de encontros, viaja.”
Já Maria Padilha, 63 anos e também de Justiça
, ressaltou outro ponto importante sobre o etarismo: o peso que ele tem para as mulheres. Ela própria foi vítima de comentários maldosos após ser fotografada de biquíni na praia. .
“Quanto mais tivermos autoras mulheres, maior a chance desse cenário melhorar. Então, depende dos autores e dos patrocinadores — porque a gente sabe que é algo que envolve mercado — se interessar por esse público.”
A velhice e a ditadura da beleza
Reforçando essa cobrança, a ditadura da beleza impõe que envelhecer é feio, especialmente se você for mulher. Como consequência disso, muitas acabam recorrendo a procedimentos estéticos que retardam o efeito dos anos na pele. Mas se um ator e uma atriz precisam de seus rostos para demonstrar emoção, como lidar com essa cobrança?
Júlia Lemmertz, atriz que cresceu em frente às câmeras e hoje tem 61 anos, comentou sobre os papéis que tem interpretado e sobre o etarismo num geral.
“Eu acho que tem lugar para tudo, espaço para tudo. Eu tenho feito trabalhos incríveis, acho que tenho muito para dar ainda, acho que esse papo de etarismo é uma sacanagem. Nada se sustenta só com a juventude. Acho que uma mulher depois dos 50 está muito mais interessante do que quando tinha 20. As mulheres de 50 também querem se reconhecer nas telas. O tempo passa. Que legal é poder assistir produções e me reconhecer nelas em um romance, uma grande histórias.”
Já sobre a pressão estética, ela foi firme ao dizer como ela pode influenciar negativamente a vida dos atores.
“Como você vai fazer uma mulher de 60 anos se você não parece ter 60 anos? Acho que é legal você amadurecer e ter a cara de uma pessoa de verdade. É assim que o público irá acreditar na história.”
Fato é que tanto no Brasil quanto no exterior, os próprios profissionais da área têm a impressão de que as pessoas acima de 60 anos não estão sendo bem representadas e perdem espaço à medida que envelhecem ainda mais. É claro que há bons exemplos como a série
This Is Us
que mostrou com delicadeza o envelhecimento da matriarca Rebecca (Mandy Moore), mas esta ainda é uma agulha em meio a um palheiro de preconceito e caricaturas.
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