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Irresponsável, Netflix banaliza suicídio em doc de Luísa Sonza

[ATENÇÃO: este texto contém conteúdo sensível. Se você enfrenta qualquer suscetibilidade a temas sobre saúde mental, não prossiga com a leitura deste material]

Irresponsável. Não existe outra palavra para definir a Netfix após assistir ao documentário Se Eu Fosse Luísa Sonza, lançado na última quarta-feira (13). Ao retratar (de maneira rasa) a trajetória de um dos fenômenos recentes da música pop nacional, a obra foca na vulnerabilidade psíquica de uma mulher de 25 anos que faz uso de remédios controlados para aplacar a ansiedade, síndrome do pânico, alucinações, um burnout iminente e incontáveis ideações suicidas. E faz isso sem se preocupar com o impacto que pode causar nas pessoas que fizeram a série liderar o ranking das obras mais vistas no Brasil.

É importante frisar um ponto de antemão: ao contrário da maior parte das críticas já publicadas em outros veículos e até mesmo por perfis expressivos nas redes sociais, este texto não diz respeito à cantora, e sim à plataforma, por explorar de maneira sensacionalista a saúde mental de Luísa Sonza –que falou inúmeras vezes ao longo dos três episódios sobre a vontade de tirar a própria vida.

E é sobre isso que pesa a irresponsabilidade da gigante do streaming. Embora Luísa Sonza não compartilhe claramente seu diagnóstico clínico a respeito de sua saúde mental, ela relata com riqueza de detalhes as maneiras que já se pegou imaginando para tirar a própria vida. O documentário não se aprofunda a ponto de saber se a artista de fato tentou por em prática alguma destas ações, mas valoriza todo o enredo construído por sua mente nos momentos de crise. E faz isso sem dar qualquer tipo de alerta de cuidado a quem está assistindo.

O segundo episódio começa com o relato de um de seus pensamentos mais recorrentes: se atirar do último andar de um prédio. E justifica dizendo que o objetivo não é tirar a própria vida, e sim dar fim ao sofrimento que vem de dentro e ela não sabe controlar. Luísa também assume o uso indiscriminado de remédios controlados misturados com bebidas energéticas. “Estava tentando acabar comigo”, diz no documentário.

Não bastasse os depoimentos explícitos, o descuido do roteiro é tão grande que uma das produtoras questiona quantas gotas de Rivotril a cantora toma por dia. Enquanto o coreógrafo Flavio Verne diz que seu máximo são três, Luísa responde apenas com a palavra “depende”, dando a entender que não segue a prescriação médica para o seu caso.

Também há uma menção de Luísa sobre o uso descontrolado do Patz, medicamento à base de zoolpidem, receitado por psiquiatras a pessoas com dificuldades para dormir, mas que pode causar alucinações, sonambulismo, dor nas articulações, vômitos e até dificuldades motoras. Sem contar nos inúmeros “closes” que as câmeras dão às cartelas de remédios que a artista consome ao longo do dia.

Tudo isso é posto de maneira explícita e sem nenhum alerta de gatilho a quem está assistindo. Para não falar que a omissão da Netflix é completa, ao final do segundo episódio há uma mensagem indicando um site a pessoas que possam ter se identificado com os problemas de saúde mental relatados pela artista. Apenas isso.

Embora não exista uma legislação específica para determinar a maneira como uma obra audiovisual deva retratar conteúdos sensíveis como o suicídio, há um consenso velado entre os meios de comunicação e também uma análise ética a respeito das responsabilidades a serem tomadas quando o assunto é saúde mental.

Em casos como Seu Eu Fosse Luísa Sonza, onde há uma pessoa pública, com milhões de seguidores, e que expõe deliberadamente as maneiras de tirar a própria vida, e que ainda faz uma apologia indireta ao uso de psicotrópicos, os cuidados precisam ser redobrados.

Este documentário deixa evidente que não há qualquer preocupação por parte da Netflix com os efeitos que as declarações de Luísa Sonza possam ter sobre as pessoas que estejam com um quadro depressivo e se vejam sem grandes perspectivas de vida, assim como a artista diz a todo momento na série. Entendo que não se trata de uma produção que fale sobre a cura da saúde mental, mas isso não exime a gigante do streaming da responsabilidade em expor meios que possam levar uma pessoa depressiva a tirar a própria vida.  

O Ministério da Justiça e Segurança Pública, responsável pela publicação do Guia Prático de Audiovisual – Classificação Indicativa, atualizou o documento em 2021 e faz algumas citações específicas para obras que contenham informações a respeito do suicídio. Este tema é tratado pelo arquivo no campo da “violência”, por esta razão há um alerta no topo de todos os episódios, apenas nos primeiros segundos, informando que o episódio contém “violência, linguagem imprópria e nudez”. 

Mas só isso não basta. Alertas de gatilhos devem ser expostos antes do público fazer contato com este tipo de conteúdo. O mais curioso é que a Netflix já foi alvo de críticas por algo semelhante quando lançou a série dramática 13 Reasons Why, em 2017, e precisou incluir mensagens gigantes antes da exibição das cenas de automutilação da protagonista dias após o lançamento da produção. Seis anos se passaram e, pelo visto, ainda não aprendeu nada sobre a gravidade do tema.

Se Eu Fosse Luísa Sonza é um documentário muito ruim. Está em primeiro lugar porque Luísa é uma artista complexa e interessante, mas o roteiro é péssimo, apelativo e a condução é irresponsável. Romantizar questões de saúde mental e ainda se dar o luxo de ser preguiçosa e não revisar os pontos falhos e alarmantes desta série diz muito sobre o respeito que a empresa tem com seus clientes.

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