Se por um acaso, forem do tipo de cinéfilos que têm um apreço intenso com pôsteres de filmes, certamente irão perceber que na emoção e simplicidade do pôster de Valor Sentimental (2025), de Joachim Trier, onde testemunhamos duas mulheres se acolhendo em um abraço enquanto deitadas, notaremos um pequeno “erro”, que se refere aos astros do elenco deste drama comovente.
Existem quatro nomes em destaque no pôster, que são: Renate Reinsve, Stellan Skarsgård, Inga Ibsdotter Lilleaas e Elle Fanning. No entanto, após a sessão do longa-metragem de Trier, fica impossível não observar que o time de marketing por de trás de Valor Sentimental, simplesmente esqueceu de destacar uma outra protagonista dessa história, que é a casa da família Borg, uma bela estrutura decorada de paredes e telhado no meio de Oslo, na Noruega, que não pôde ser definida como um bom lar para as irmãs Nora e Agnes.
Na trama de Joachim Trier, temos no cenário da casa da família Borg, o centro emocional dos conflitos sobre uma relação conturbada entre um diretor aclamado e suas duas filhas distantes, que se complica ainda mais quando ele decide fazer um filme pessoal sobre a história da família.
É muito preciso que Valor Sentimental, tenha a sua estreia, no dia de Natal, nas salas de cinema brasileiras. A obra que foi selecionada como a entrada norueguesa para Melhor Filme Internacional, no 98º Oscar, não é uma história natalina, porém, seu drama familiar ressoa fortemente nas relações humanas e a nossa eterna busca por reconciliação pessoal e para com aqueles em nosso entorno.
Sendo a casa da família Borg, a grande entidade espiritual que cobre todos os membros do clã, que incluem o pai, filhas, além da falecida mãe das protagonistas e, inclusive, integrantes de gerações antepassadas.
Desde a primeira aparição da casa, ainda no começo da trama, sentimos pela câmera de Joachim Trier, uma forte presença, quase que como algo substancialmente corpóreo, transcendendo volume. Ainda mais, quando temos nossas duas protagonistas femininas dentro dos limites do grande casarão, que antes delas foi abrigo de duas forças intelectuais e criativas.
Na parte interna da casa, no cerne de Valor Sentimental, encontra-se o sumo dessa história que expressa vividamente todo um fardo de seguir em frente, carregando um peso que veio antes da própria consciência.
Estamos falando aqui, diretamente, a respeito de trauma transgeracional, que são os efeitos psicológicos e fisiológicos que o trauma experimentado por alguns indivíduos tem sobre as gerações subsequentes. O principal modo de transmissão é o ambiente familiar compartilhado do infante, causando alterações psicológicas, comportamentais e sociais no indivíduo.
O trauma transgeracional também pode ser uma experiência coletiva que afeta grupos de pessoas que compartilham uma identidade cultural (por exemplo, etnia, nacionalidade ou identidade religiosa). Sendo aplicado a famílias individuais ou a díades individuais de pais e filhos. Por exemplo, sobreviventes de abuso infantil e tanto sobreviventes diretos do trauma coletivo quanto membros das gerações subsequentes podem desenvolver transtorno de estresse pós-traumático (TEPT).
Os efeitos dessa patologia manifestam-se através de sintomas psicológicos, comportamentais, físicos e sociais, que vão: da ansiedade, depressão, hipervigilância, medo sem causa aparente, dificuldade em relacionamentos, padrões repetitivos de relacionamento (como violência), isolamento, dificuldade de conexão a abuso de substâncias, automutilação, dores crônicas, distúrbios autoimunes e alterações hormonais.
Contudo, existem maneiras de saber como lidar com tudo isso. Primeiramente, é necessário reconhecer tal verdade e entender que este sofrimento pode ter raízes em um passado familiar; depois, buscar ajuda psicanalítica ou terapêutica para ajudar a processar essas heranças; e, finalmente, desenvolver novos recursos para lidar com o sofrimento e construir um futuro diferente, quebrando o ciclo.
Assim, é inspirada a maneira como Joachim Trier dissertou, sutilmente, a possibilidade de resiliência para pai e filhas, usando do cinema – que também poderia ser qualquer outra forma artística – como uma plataforma para nivelar os elementos envolvidos, proporcionando uma chance de reflexão sobre o eu próprio, assim como também daqueles que vieram antes de nós.
Pela resolução de Valor Sentimental, observamos que, talvez, toda uma experiência, real ou cinematográfica, não necessariamente precisa ser vivida ou sentida novamente, pelos mesmos lugares costumeiros de nosso passado e história. Por vezes, é mais saudável se retirar daquele lugar que representou um incômodo tão grande, remodelando para que aquilo que nunca foi, finalmente, seja.
Como resultado, aquela velha estrutura, agora, de cara nova, se faz palco para uma representação que foge não apenas de nossos vícios comportamentais individuais, como daqueles que não tiveram a oportunidade de conhecerem a si mesmos. Pelos olhos de Joachim Trier e seu competente elenco, não existe algo de (mais) valor sentimental do que isso, na experiência humana.









