O trágico desfecho de uma expedição ao Grossglockner (3.798m), a montanha mais alta da Áustria, levou Thomas Plamberger, um montanhista experiente, a enfrentar a justiça austríaca.
O caso envolve a morte de sua namorada, Kerstin Gutner, uma alpinista novata de 33 anos, que sucumbiu à hipotermia a poucos metros do cume. A história está gerando grande repercussão e vou aproveitar minha coluna para tecer meus comentários.
A Tragédia no Coração do Inverno Alpino
O incidente ocorreu em meados de janeiro de 2025, no auge do inverno europeu. O casal escalava a montanha mais alta da Áustria, e a motivação que impulsionava a jornada era a promessa de uma descida emocionante: alcançar o topo e deslizar de volta pela montanha usando um splitboard (uma prancha de snowboard que se divide para a subida e é remontada para a descida).
O casal escolheu a rota Stüdlgrat, conhecida por sua dificuldade técnica. Esta rota não é uma caminhada; é uma escalada que exige equipamentos de segurança, domínio de técnicas de corda e a travessia de seções de gelo e rocha.
Entretanto, a busca pela neve perfeita no inverno levou a dupla a enfrentar condições extremas na noite do incidente. As condições de tempo foram descritas como implacáveis, sendo um fator chave para a morte, como descrito na reportagem do Portal iG, ventos fortes de mais de 70km/h transformaram a temperatura real de -8 graus em terríveis -20 e levaram Kerstin à exaustão física na parte mais alta e exposta da montanha
A Cadeia de Erros que Custou uma Vida
O montanhista experiente é acusado de nove falhas que, juntas, configuraram de acordo com a acusação em negligência grave.
Os erros foram cruciais desde o início da jornada até o momento do abandono: A promotoria argumenta que a escolha de ignorar o perigo do inverno alpino, o equipamento da parceira e a falha em prover proteção mínima durante a busca por socorro transformaram o resgate em uma tragédia fatal.
O primeiro erro foi o Atraso Crítico na subida: o casal iniciou a ascensão com um atraso de duas horas em relação ao horário ideal. Essa falha de planejamento garantiu que eles enfrentassem a noite e as piores condições climáticas na alta montanha. Em seguida, houve o problema do Equipamento Inadequado: apesar de ser snowboarder, a namorada era novata no montanhismo técnico e utilizava botas macias de snowboard. Esse calçado era inapropriado e ineficaz para o uso de crampons (grampos de gelo) na rota técnica e gélida de janeiro, o que contribuiu para acelerar sua inépcia motora.
Erro fatal
A soma desses fatores levou à Exaustão e Hipotermia da vítima: a mulher desabou a apenas 50 metros do cume, incapaz de continuar devido ao frio e ao esforço.
O erro fatal ocorreu em seguida, no abandono Sem Proteção: o namorado a deixou sozinha por volta das 02:00 da manhã para buscar ajuda, porém a abandonou sem usar os sacos de bivaque e cobertores de resgate que portavam, expondo-a diretamente ao frio mortal por mais de seis horas. Por fim, o Atraso no Alerta também é citado, pois ele foi acusado de falhar ao não acionar os serviços de emergência a tempo, antes que as condições se tornassem irremediáveis. O corpo da alpinista só foi recuperado no dia seguinte.
O julgamento do namorado está marcado para fevereiro de 2026 no tribunal de Innsbruck e promete definir um importante precedente sobre a responsabilidade individual e o dever de cuidado nas montanhas austríacas.
Meus comentários
Em meus 27 anos de montanhismo, compreendi que acidentes são o resultado de uma sequência de erros. Analisando os argumentos da acusação, que acredito que abarcam todos os fatos, pode-se concluir inicialmente que o casal demonstrou negligência quanto à dificuldade da montanha e às condições climáticas previstas para aquela noite.
É possível que Plamberger tenha subestimado a capacidade de sua namorada, considerando que, para ele, a montanha era, de fato, fácil.
Estes fatos sugerem que Plamberger demonstrou um comportamento típico de montanhistas experientes, mas que, neste caso, pode ter sido um erro. Por volta das 22h, as lanternas do casal foram vistas na parte alta da montanha, e o resgate foi acionado. Contudo, o montanhista recusou a ajuda.
É comum entre montanhistas aversão ao resgate, visto por muitos como vergonhoso, e ele tentou resolver a situação por conta própria, mas não conseguiu.
O montanhista só acionou o resgate muito tempo depois que a mulher já estava incapacitada. Ao entrar em contato, ele teria ocultado a seriedade do ocorrido e, em um momento crítico, colocado o celular no modo silencioso e o guardado na mochila. Essa atitude impediu a comunicação rápida e eficiente com as equipes de socorro.
O desespero de Plamberger, ao se dar conta da seriedade da situação, levou-o a descer a montanha sozinho e às pressas em busca de ajuda. No entanto, sua atitude negligente de não abrigar adequadamente sua namorada, que já sucumbia à hipotermia, transformou o que deveria ser um resgate na remoção de um corpo da montanha.
Essa tragédia lamentável tem um único e triste responsável: a soberba do montanhista experiente. É crucial desmantelar a crença de que bons montanhistas não precisam de resgate ou de auxílio para resgatar outros.
A arrogância de Plamberger, infelizmente, apenas atrasou um socorro mais eficaz e profissional, resultando na perda de sua companheira e na dor dos pais dela.
Independentemente do veredito da justiça austríaca, que pode resultar em Thomas sendo condenado a até três anos de prisão por homicídio culposo (morte causada sem intenção), ele carregará para sempre uma condenação moral e de consciência.
A perda de sua companheira é, sem dúvida, a punição mais severa, que lhe trará danos emocionais e morais permanentes.
É totalmente compreensível que ninguém deseje vivenciar a situação desse montanhista.
Por isso, se você se deparar um dia com uma circunstância parecida, não hesite: procure ajuda e peça um resgate profissional. A vergonha de solicitar um resgate é um preço muito pequeno a pagar em comparação ao dano psicológico de ser responsabilizado, mesmo que involuntariamente, pela morte de outra pessoa.








