Um estudo inédito da Embrapa Cerrados (DF) revelou que ajustar o momento da irrigação no trigo pode reduzir pela metade as emissões de gases de efeito estufa (GEEs) sem comprometer a produtividade. A pesquisa identificou que o ponto de equilíbrio ideal ocorre quando as plantas utilizam 40% da água disponível no solo, resultado que promete transformar o manejo do trigo irrigado em regiões tropicais, especialmente no Cerrado — área estratégica para a expansão da cultura no Brasil.
Publicado na revista Sustainability (MDPI), o estudo avaliou pela primeira vez como diferentes estratégias de irrigação afetam a produtividade do trigo, o uso da água, a emissão de gases como óxido nitroso (N₂O) e metano (CH₄), além da atividade biológica do solo.
O trabalho oferece um novo caminho para tornar a produção irrigada mais eficiente e ambientalmente responsável em um cenário de mudanças climáticas.
O ponto ideal: 40% da água do solo
Durante dois anos de experimentos, os pesquisadores compararam quatro níveis de depleção de água no solo: 20%, 40%, 60% e 80%. A reposição da água após o uso de 40% da capacidade de água disponível (CAD) mostrou-se o ponto de equilíbrio — garantindo a maior produtividade (6,8 t/ha) e as menores emissões de óxido nitroso, gás quase 300 vezes mais potente que o CO₂.
Segundo a pesquisadora Alexsandra Oliveira, responsável pelo estudo, essa faixa de umidade no solo proporcionou “o melhor índice de Potencial de Aquecimento Global (PAG)”, reduzindo em 41% as emissões quando comparada ao cenário de irrigação após o uso de 60% da CAD, que apresentou o maior pico de N₂O e o PAG mais elevado (1.185,8 kg de CO₂ equivalente).
“Irrigar no momento certo altera radicalmente a intensidade das emissões de gases de efeito estufa”, afirma Oliveira. “Manter a umidade intermediária, próxima dos 40%, oferece o melhor equilíbrio entre produtividade e sustentabilidade ambiental.”
Por que irrigar tarde aumenta emissões?
A explicação está nos chamados ciclos de reumidificação do solo. Quando a terra seca demais e depois recebe uma carga grande de água, ocorre um estímulo às reações microbianas que produzem óxido nitroso. Por isso, irrigar apenas após depleções de 60% ou 80% aumenta significativamente as emissões.
Para explicar bem o experimento, a Embrapa propõe comparar o solo a uma caixa d’água
subterrânea. Quando os pesquisadores falam em “depleção de 60%”, significa que essa
caixa foi esvaziada em 60%. Irrigar demais desperdiça água, irrigar de menos causa
estresse nas plantas.
“O segredo é monitorar a água do solo como se fosse uma caixa d’água subterrânea”, afirma o pesquisador Jorge Antonini. “Quando ela fica muito vazia, as plantas sofrem. Quando enchemos demais, desperdiçamos água e estimulamos emissões.”
Produtividade alta com menor impacto
Os dados mostram que, ao respeitar o limite dos 40%, é possível manter produtividades próximas a 7 t/ha, com melhor uso dos insumos e menor impacto climático. Para Antonini, isso reforça a necessidade da agricultura tropical avançar em precisão hídrica.
“Não é irrigar mais ou menos, é irrigar com precisão. O Cerrado pode produzir trigo competitivo e de baixo impacto climático”, resume.
Metano vira aliado no Cerrado
Outro achado importante do estudo foi o comportamento do metano. Em vez de emitir CH₄, o solo do Cerrado atuou como um dreno natural, absorvendo o gás da atmosfera nas condições ideais de irrigação — algo raro em sistemas irrigados.
Isso ocorre porque os solos tropicais apresentam boa drenagem, alta aeração e ausência de encharcamento, favorecendo microrganismos que consomem metano.
Como o estudo foi conduzido
O experimento ocorreu entre 2022 e 2024 em Planaltina (DF), em sistema de plantio direto com sucessão soja–trigo, modelo comum entre produtores da região. O monitoramento da umidade foi feito com sondas instaladas a 70 cm de profundidade, enquanto as emissões foram quantificadas por câmaras estáticas, método adotado pelo IPCC.
As cultivares usadas foram BRS 4782 RR (soja) e BRS 264 (trigo), amplamente adotadas no Cerrado.
Impactos para a agricultura sustentável
O trigo irrigado já ocupa mais de 30 mil hectares no Cerrado e é uma alternativa para reduzir a dependência das importações. Segundo os pesquisadores, a descoberta reforça que é possível combinar alta produtividade com baixa emissão, marcando um passo importante para a agricultura tropical de baixo carbono.
“Ajustar o momento da irrigação otimiza o uso da água e do nitrogênio, garantindo rendimento elevado e menor impacto ambiental”, destaca Oliveira.
A equipe continuará avaliando o efeito da irrigação em outras culturas tropicais — como milho, café e soja — para ampliar a adoção de práticas clim smart no campo.








