A guerra comercial entre Estados Unidos e China ganhou um novo capítulo na última sexta-feira (10), quando Donald Trump anunciou uma taxação de 100% sobre os produtos chineses. A medida é uma resposta às novas restrições da China sobre as chamadas terras raras, elementos essenciais para a produção de tecnologias avançadas, como baterias de carros elétricos, uma indústria dominada pelos chineses.
Essas restrições, que começam a partir de 1 de dezembro, não apenas limitam o acesso a matérias-primas estratégicas, como também simbolizam o endurecimento da postura chinesa diante do Ocidente. Mas, embora a disputa em torno das terras raras chame atenção, outro setor vem sendo central nesta guerra: a soja.
A soja como arma geopolítica
Historicamente, os Estados Unidos foram os principais fornecedores de soja para a China. No entanto, desde que começaram as disputas tarifárias entre os dois países, Pequim tem usado o grão como instrumento de retaliação comercial. Em resposta às tarifas impostas por Washington, a China reduziu drasticamente suas compras de soja norte-americana, optando por fortalecer parcerias com outros fornecedores, especialmente Brasil e Argentina.
Essa mudança estratégica vem afetando duramente os produtores rurais dos Estados Unidos. A pressão do setor agrícola sobre o governo americano é crescente. Recentemente, a American Farm Bureau Federation (AFBF), uma das entidades mais influentes do agronegócio americano, divulgou um artigo alertando para o impacto direto das tensões com a China sobre a agricultura do país.
“Durante décadas, a China esteve no centro da exportação agrícola americana, sendo a maior compradora de soja dos EUA. A quebra dessa relação representa uma ameaça direta à sobrevivência financeira dos nossos produtores”, afirmou a AFBF.
De fato, os números mostram um colapso preocupante nas exportações. De janeiro a agosto de 2025, os EUA exportaram apenas 218 milhões de bushels de soja para a China — uma queda brutal em relação aos 985 milhões no mesmo período de 2024. Durante os meses de junho, julho e agosto, os embarques praticamente zeraram, e até agora, a China não comprou nada da nova safra norte-americana para o próximo ano comercial.
Impactos para o Brasil: oportunidade e risco
Neste cenário, o Brasil emerge como um dos principais beneficiários, pelo menos no curto prazo. Com a China redirecionando suas compras, os produtores brasileiros viram a demanda pelo grão aumentar significativamente nos últimos anos, fortalecendo a balança comercial do país e ampliando os investimentos no agronegócio.
Segundo dados do Ministério da Agricultura e Pecuária, a China já representa mais de 70% das exportações brasileiras de soja, com volumes recordes registrados entre 2023 e 2025. A substituição da soja americana pela brasileira consolidou o Brasil como o maior exportador mundial do grão.
No entanto, essa dependência também traz riscos. A instabilidade gerada pelas idas e vindas da guerra comercial pode afetar os preços internacionais da soja, causar oscilações cambiais e provocar incertezas nos contratos futuros. Além disso, uma eventual reaproximação entre Washington e Pequim poderia mudar novamente o cenário, diminuindo a vantagem momentânea do Brasil.
A estratégia da China
A China tem atuado com estratégia clara e objetiva: utilizar produtos-chave como a soja e as terras raras como moeda de troca nas negociações com os Estados Unidos. A dependência americana desses insumos torna-os instrumentos poderosos de pressão econômica. Ao privilegiar fornecedores alternativos, como o Brasil no caso da soja, a China enfraquece o setor agrícola americano, setor esse com grande peso político, especialmente em estados tradicionalmente republicanos.
Essa abordagem mostra como a guerra comercial não é apenas uma disputa de tarifas, mas uma batalha geopolítica por influência, acesso a recursos estratégicos e controle de cadeias produtivas globais.
Um histórico de confrontos
Não é a primeira vez que Trump recorre a tarifas como arma. Durante seu primeiro mandato (2017–2021), ele impôs uma série de sanções à China, alegando práticas comerciais desleais, roubo de propriedade intelectual e desequilíbrio na balança comercial. A retaliação chinesa foi imediata, e a soja sempre esteve no centro desse embate.
Embora o governo Biden tenha adotado uma abordagem mais diplomática, muitos desses embargos foram mantidos e agora com Trump a tensão escala novamente.
Instabilidade global
A disputa entre as duas maiores potências econômicas do planeta tem efeitos que extrapolam seus próprios mercados. A instabilidade causada pela guerra comercial afeta cadeias globais de produção, desorganiza fluxos logísticos e traz insegurança para investidores. No caso da soja, o impacto se estende a países como o Brasil, que vivem o paradoxo de ganhar mercado, mas sob um contexto de extrema incerteza.