“Canibalismo político”, herança eleitoral e atenção redobrada ao Senado e à IA (inteligência artificial).
Esses são alguns dos temas que cientistas políticos traçaram à CNN Brasil ao falar sobre as eleições que acontecem daqui a exatamente um ano, em 4 de outubro de 2026.
A data marcará a ida de milhões de brasileiros às urnas para escolher o próximo presidente da República, além de governadores, deputados e a renovação de 2/3 dos senadores.
A luta pela herança do bolsonarismo e a canibalização de votos

Um ponto que chama a atenção de Yuri Sanches, que comanda a divisão de risco político da AtlasIntel, é a perspectiva da chamada canibalização de votos dentro da própria direita brasileira.
Isso acontece, segundo ele, pela existência de governadores da ala política com pretensões de disputar a Presidência. Dois deles já se lançaram oficialmente como pré-candidatos: Ronaldo Caiado (União), de Goiás, e Romeu Zema (Novo), de Minas Gerais.
Os outros dois — Tarcísio de Freitas (Republicanos), de São Paulo, e Ratinho Júnior (PSD), do Paraná — não foram oficialmente anunciados na disputa, mas as conversas existem nos bastidores.
O movimento bolsonarista vive uma “guerra civil” interna. Com Jair Bolsonaro preso e inelegível, há uma intensa disputa pela sua herança e liderança
A expectativa mais recente, contudo, é que Tarcísio recue e concorra à reeleição ao governo paulista.
Com as divisões, é provável haver a dispersão do voto dentro da própria direita, sem a concentração em um candidato único, justificando a sua “canibalização.”
De acordo com o analista político Magno Karl, diretor-executivo da associação liberal Livres, o pleito de 2026 também deve ser marcado por um teste ao TSE (Tribunal Superior Eleitoral).
“Os novos desenvolvimentos da guerra informacional e da desinformação que vimos nas eleições mais recentes, com a disputa testando mais uma vez a eficácia do trabalho de fiscalização do TSE, agora não apenas em sites e redes sociais, mas também no uso de IAs e potencialmente deep fakes nas campanhas”, afirma Magno.
A preocupação já foi admitida pela ministra Cármen Lúcia, presidente da Corte. A magistrada diz temer um “coronelismo digital”.
Magno adiciona que é possível haver a redefinição de eixos-políticos eleitorais com a ausência do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) na disputa pelo Palácio do Planalto, além da possibilidade de ser a última vez que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) participe da corrida.
Bolsonaro está inelegível até 2030 por decisão do TSE, que, por sua vez, entendeu que o político do PL cometeu abuso de poder político e uso indevido dos meios de comunicação.
Apesar da condição legal, Bolsonaro já tentou recorrer da decisão de 2023, até o momento sem sucesso.
Precisamos observar qual será a configuração política do país num cenário em que Lula e Bolsonaro deixam de ser opções eleitorais
O bolsonarismo, contudo, é o ponto de partida para as eleições de 2026, mas não é o único fator, explica Graziella Testa, também cientista política e professora da UFPR (Fundação Getúlio Vargas), em Brasília. Graziella defende que a questão envolvendo a sucessão de Bolsonaro está no centro do tabuleiro político eleitoral do Brasil.
“É o primeiro peão que precisa se mover no tabuleiro para os demais se articularem”, opina a doutora em Ciência Política pela USP (Universidade de São Paulo), que define o panorama da direita brasileira hoje como nebuloso e de difícil leitura. “Não está claro no campo da direita quem vai ser o oponente para tentar superar uma possível reeleição de Lula.”
O quadro está nebuloso, ele está de difícil leitura no campo da direita, que ainda está desarticulada. E, de certa forma, essa desarticulação é consequência do principal pivô eleitoral do campo que segue sendo Jair Bolsonaro
A incógnita de uma esquerda sem Lula e o avanço da idade

Lula, hoje com 79 anos, já declarou em discursos e entrevistas que uma tentativa a um quarto mandato está direcionada à situação da sua saúde — e, consequentemente, também à sua idade.
Ele é o chefe do Executivo federal mais velho a ocupar o cargo no Brasil. O posto passou a ser seu após alcançar a marca do ex-presidente Michel Temer (MDB), que deixou o cargo com 78 anos e três meses.
Apesar da falta de confirmação, o petista, que completa 80 anos dia 27 de outubro, deve concorrer à reeleição, diz Rafael Cortez, cientista político e professor do IDP (Instituto Brasileiro de Ensino, Desenvolvimento e Pesquisa).
O especialista explica que é um movimento natural, principalmente devido ao que classifica como “capital político elevado” de Lula. Além disso, continua, ao fato de que a esquerda não teria ainda encontrado uma alternativa ao petista.
Para Yuri Sanches, “a idade do Presidente Lula será um ponto inevitável de ataque da oposição”. “O principal risco para o campo governista é a falta de um nome substituto com a mesma força e capacidade de mobilização de Lula, caso ele não tenha condições ou decida não concorrer.”
Um tema que pode ganhar novos contornos em 2026 caso Lula decida concorrer à reeleição é o da segurança pública.
De acordo com Alexandre Rocha, professor do Instituto de Ciência Política da UnB (Universidade de Brasília), o assunto pode ganhar destaque por conta o que chama de inabilidade história do governo Lula de ocupar-se do caso.
Rocha argumenta haver um avanço do crime organizado no país, cada vez mais estruturado e com poderio econômico por trás. “E não temos tido uma resposta a esse debate. E por sua vez, nas eleições, é algo a ser bem explorado pelos seus é candidatos, principalmente frente ao governo Lula fazendo ali uma oposição“, avalia o professor.
Pautas mais alinhadas como a busca por uma justiça social, enfrentamento à desigualdades, aumento real da renda dos trabalhadores, o que está na memória boa parte de brasileiros que viveram os governos Lula 1 e 2, não se concretizou nesse terceiro mandato
Disputa pelo Senado (e pelo Supremo)

Para além da Presidência da República, que acaba na visão de Rafael Cortez sendo priorizada em épocas eleitorais de sistemas presidencialistas, o Senado Federal deve ser um dos focos do próximo ano.
Isso porque a Casa Legislativa irá renovar 2/3 das suas cadeiras, ou seja, serão eleitos dois senadores de cada estado, contabilizando 54 no total. Hoje, o Senado é, assim como a Câmara, dominado pela direita e o centro.
As eleições para as duas casas do Congresso Nacional tendem a ser menosprezadas nos sistemas presidencialistas, que têm de fato a eleição presidencial como ponto organizador do sistema partidário
A preocupação em relação à Casa que representa os estados brasileiros também parte de outro princípio: o do acirramento de tensões entre o Legislativo e o Judiciário, e a prerrogativa constitucional que o Senado tem de julgar impeachment dos ministros do STF (Supremo Tribunal Federal).
Marco Teixeira, professor-adjunto e pesquisador do Departamento de Gestão Pública da FGV, em São Paulo, enxerga haver um investimento muito grande tanto do bolsonarismo quando do petismo para tentar dar mais atenção ao Senado.
“Porque a partir do Senado que se pode abrir impeachment do Supremo, reorganizar o Supremo Tribunal Federal, mudar a estrutura do Supremo, mudar a estrutura do Estado“, explica Teixeira.
Ao longo dos meses, parlamentares de oposição se movimentaram nas redes sociais e em requerimentos ao Senado pedindo pelo impeachment do ministro Alexandre de Moraes.
Há um investimento muito grande, tanto do bolsonarismo quanto do petismo, tentando, de certa forma, dar mais atenção ao Senado. Porque a partir do Senado que se pode abrir impeachment no Supremo
Moraes é relator de casos considerados “sensíveis” no Judiciário, como o processo envolvendo Jair Bolsonaro, que acabou condenado a 27 anos e três meses de prisão por tentativa de golpe de Estado.
O ex-presidente já declarou publicamente a vontade de ingressar parte da família na Casa Legislativa, como a ex-primeira dama Michelle Bolsonaro, presidente do PL Mulher, e o filho Eduardo, também alvo de processos relatados por Moraes, e Flávio, que já atua como senador pelo Rio de Janeiro. Além de Carlos, que disputaria eventualmente por Santa Catarina.
Além disso, o próximo presidente do Brasil irá indicar ao menos três ministros ao STF. Isso sem contar a possibilidade do ministro Luís Roberto Barroso se aposentar de forma antecipada, o que abriria mais uma vaga na Suprema Corte brasileira.
Com isso, a eleição de 2026 também pode indicar uma construção de uma bancada sólida no Supremo, e pode ser voltada ao conservadorismo, finaliza o diretor de risco político da AtlasIntel, Yuri Sanches, a depender do resultado das eleições ao Planalto.
CNN/ML