quinta-feira, 18 de setembro de 2025

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Henrique Moretzsohn encontra sua voz em 'Jersey Boys'

Quando conquistou a chance de interpretar o cantor norte americano Frankie Vallie na primeira montagem brasileira do musical Jersey Boys, Henrique Moretzsohn se viu às voltas com uma missão dupla. A primeira, apresentar a um público diverso a trajetória do Four Seasons, grupo vocal que atingiu o auge de sua popularidade na década de 1960 com hits como Can’t Take my Eyes of You e Spend the Night in Love , entre outros.

A segunda, e mais complexa, é a de se apresentar, enfim, como protagonista de um grande musical. É a primeira vez que o ator e músico mineiro encabeça a narrativa de um musical de grande porte, assumindo o papel de Valli como uma espécie de rito de passagem.

“Foi uma surpresa e um presente do universo!”, celebra o artista durante o que pode vir a ser a grande virada de chave na carreira.

A nova posição não é só simbólica. “Eu tô ali a serviço da história, do personagem, e não da vaidade”; ao mesmo tempo, encara o lado concreto de quem vive de arte: “protagonismo dá mais visibilidade, aumenta o passe, melhora o cachê. Eu sou pai, marido, tenho uma casa para bancar.”

O discurso combina maturidade e apetite por responsabilidade, síntese de quem esperou anos por um holofote para chamar de seu sem perder o senso de conjunto.

Para estrelar a produção, dirigida por Fred Hansen, o ator precisou galgar todo um novo caminho de trabalho árduo, a começar pela voz. Valli é um cantor de falsetes, ataques rápidos e trocas de registro que desafiam até professores de canto.

“Mesmo eu sendo professor e trabalhando muito com isso, em algum ponto aquilo me assustou. Será que vou conseguir fazer exatamente assim com essa voz tão específica?” A resposta veio com um mergulho total no material e um laboratório doméstico improvável: “Até conversando com meu gato e com meus cachorros eu fui achando formas de encontrar essa voz”, brinca.

A preparação incluiu contexto

Ana Colla

O ator e cantor Henrique Moretzsohn

Além de vídeos e entrevistas, Moretzsohn se aproximou da Nova Jersey dos anos 1960 por dentro do repertório, ligando técnica e memória afetiva. “Eu já conhecia Can’t Take My Eyes Off You, Sherry e Beggin ’’. 

Can’t Take … eu já cantei em casamento; Sherry vinha da minha mãe cantando no carro; Beggin eu usava nas aulas por causa da versão do Måneskin ”, diz citando a gravação do grupo italiano responsável por dar lufada de ar fresco e apresentar o clássico para as novas gerações.

Essa visão acerca do repertório é sublinhada principalmente por sua leitura do espetáculo. A despeito de dar vida a uma personagem da vida real, para Moretzsohn  Jersey Boys está longe de ser uma biografia. “É o retrato de todo um período dos Estados Unidos que, para eles, era uma espécie de época de ouro da música”, conta o ator que divide a cena com Velson D’Souza, Artur Volpi e Bruno Narchi.

O salto ao protagonismo reorganiza uma história feita, sobretudo em São Paulo, de participações em grandes produções, entre elas os revivals dos clássicos Les Misérables, West Side Story e O Fantasma da Ópera, além da lúdica A Pequena Sereia. “Sempre cover de um grande personagem, com grande responsabilidade. Em certo ponto isso era um pouco frustrante”, lembra. 

Essa travessia, contudo, também lhe inspirou reflexões acerca do mercado do teatro musical e, principalmente, do papel do ensemble, o coro de cantores e bailarinos que sustentam um musical, mas nem sempre recebem os louros devidos.

“Às vezes ficamos muito em segundo plano”. Há casos, como em Les Misérables, que a atividade intensa e os pequenos solos alimentam o sentido de contribuição e o prazer de “ser ouvido ali no ensemble” ajuda a dar um grau de importância ao trabalho. O desejo agora é ampliar repertórios: seguir no musical e se abrir a outros formatos.

A base artística é antiga e doméstica

Sua mãe cantava e tocava violão, um pai cinéfilo e roqueiro, avós que lhe deram o piano e a ópera, a tia que o levava ao teatro, a madrinha que ajudou a custear o curso de teatro resultou em uma rede de estímulos que desembocou na primeira oficina, aos 11 anos, na Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais. Daí em diante, não parou.

A formação acadêmica consolidou a curva. No Rio de Janeiro se graduou em Teatro pela UNIRIO e conseguiu, aos 19 anos, costurar as duas paixões: atuação e canto, descobrindo uma nova faceta de seu ofício. Houve, claro, tropeços úteis. 

Na primeira grande audição de sua carreira para o musical O Despertar da Primavera, da dupla Charles Möeller e Cláudio Botelho, um erro bobo de dinâmica vocal lhe custou uma vaga no elenco. A partir de então intensificou as aulas de canto e, de volta a Belo Horizonte, deu o pontapé na construção de uma trajetória nos palcos. O primeiro musical, o brasileiro Eu Não Sou Cachorro, Não foi o ponto primordial para decidir tentar a sorte em São Paulo.

Em paralelo à carreira que construiu nos palcos, o Moretzsohn abriu outra frente com o trio Amazing Tenors, idealizado por Bruno Rizzo em 2022 e formado com Paulo Paolillo e Murilo Trajano. De norte a sul, repertórios à la Andrea Bocelli renderam plateias emocionadas e mapas afetivos que incluem das Cataratas do Iguaçu ao Amazonas. “As músicas elevam as vibrações, tocam o coração.” Entre viagens e temporadas, ele reserva segundas e terças para a família.

Há também a camada íntima

O ator se define como alguém de “certa doçura” que precisou aprender a colocar limites e erguer a voz quando a vida “pisa devagar” além do ponto. A maturidade, acredita, o ajudou a não se deslumbrar: a experiência poderia ter chegado antes, mas a equação sempre incluiu “talento, dedicação e sorte”. A última, diz, depende do encontro entre perfil e momento.

Nos ensaios, ajustou notação, respiração e cor de vogais até mapear entradas e saídas de registro com segurança. “É o musical em que canto mais músicas de todos os que já trabalhei”. A régua técnica subiu: cada canção pede uma assinatura vocal específica, com gradações de falsete e apoio que ele precisou padronizar para repetir noite após noite.

O afinamento dessa assinatura veio de um histórico de experimentação. Nos bastidores de O Fantasma da Ópera, por exemplo, vocalizava trechos de canções dedicadas à protagonista feminina, Christine; ouviu de colegas que havia ali um caminho possível de contratenor.

A extensão no agudo, que um dia o levou a ser chamado para teste de Mary Sunshine em Chicago, hoje vira ferramenta concreta para alcançar a coloração de Valli sem caricatura.

Dicotomia do protagonismo

A “dicotomia do protagonismo”,  como ele define, ajudou a aparar arestas do ego. O centro do palco traz validação, mas também o lembra que a função de um protagonista é manter a história em órbita, e não virar o próprio assunto. Daí a disciplina de alinhar propósito artístico e logística de vida com a ideologia de que o protagonismo é menos coroação e mais ferramenta de trabalho.

No horizonte, o desejo de diversificar: voltar a personagens de outras tessituras no musical, experimentar a lente do audiovisual e seguir se testando em papéis que exijam extensão e nuance. Ele cita a vontade de ser chamado para novas audições — quem sabe numa volta de O Fantasma da Ópera, alardeada nos bastidores do mercado do teatro musical — e reforça que quer “transitar por todos esses gêneros”.

Há, por fim, o modo de estar em cena respeitando a engrenagem em que elenco, plateia, orquestra e técnica vibram juntos. “Eu não sou nada sem tudo aquilo”; e aquele todo, por sua vez, precisa de um eixo narrativo para girar. Agora, neste eixo, está Frankie Valli.

Jersey Boys: A História de Frankie Valli e The Four Seasons

Data: 02 de agosto a 28 de setembro

Horários: Sex. às 20h30; sáb. às 15h30 e às 19h30; dom. às 15h30 e às 19h30

Duração: 150 min. (intervalo de 15 min.)

Local: 033 Rooftop

Endereço: Av. Pres. Juscelino Kubitschek, 2041, Itaim Bibi, São Paulo – Complexo JK Iguatemi

Classificação etária: Livre (menores de 16 anos acompanhados dos pais ou responsáveis legais).

Ingressos: Sympla

Bilheteria física: Teatro Santander

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