terça-feira, 9 de setembro de 2025

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Angela Ro Ro fazia de shows uma terapia para o público e para si

Angela Ro Ro  (1949-2025) construiu obra tão magistral quanto passional, condensada, em sua maioria, na trinca de álbuns lançados entre 1979 e 1981. Em Angela Ro Ro (1979), Só nos Resta Viver (1980) e Escândalo (1981) está uma seleção de canções de alto nível, entre elas Amor, meu Grande Amor , Gota de Sangue e Came e Case .

Era neste repertório, em essência, que a cantora punha fé para sustentar boa parte de seus shows, fosse acompanhada de uma banda – geralmente de três ou quatro músicos – fosse acompanhada do piano do sempre fiel companheiro de cena Ricardo MacCord. O fato é que quando montava um repertório para uma apresentação, Ro Ro sabia bem como machucar e acolher os corações magoados de sua base de fãs.

Por isso mesmo, a cantora sempre fez de cada uma de suas apresentações uma espécie de terapia em grupo, na qual servia de terapeuta, mas também assumia por vezes o papel de paciente.

Verborrágica, Ro Ro nunca guardou farpas a serem disparadas, fosse para o público, fosse para desafetos, equipe técnica, colegas, políticos, ou mesmo ex-namoradas. Abertamente homossexual, a cantora protagonizou na década de 1980 uma cena que entrou para o imaginário da música popular ao interromper um show da ex-namorada Zizi Possi. 

Bêbada, Ro Ro desfilou rosário de ofensas contra a ex em episódio que se desenrolaria em caso de polícia e agressão da força policial contra a cantora. Toda a situação foi retratada em Escândalo , feita por Caetano Veloso para a amiga.

Não era raro que também em shows a cantora deixasse clara sua intenção – não sem um ar de fina ironia – de realizar um show em conjunto com a ex-namorada, uma cantando o repertório da outra. Este tipo de humor sardônico e mordaz era o carro-chefe da artista e o preferido do público, mesmo quando ele se virava contra a plateia.

Em mais de um show, a cantora já discutiu com público que considerou desatento e já foi acusada de agredir a plateia, pisando na mão de rapazes que estavam na boca do palco. A cantora se desculpou e tudo foi superado, mesmo porque suas histórias hilárias sempre foram mais profícuas do que qualquer eventual destempero.

No show Pilotando o Piano, em que se acompanhava de seu próprio piano, a cantora desossava alguns de seus clássicos e revelava segredos, como a musa inspiradora da clássica “Balada da Arrasada”, ou a boa intenção de compor sobre o feminicídio em Mônica , canção de 1981 sobre o caso da jovem estudante Mônica Granuzzo Lopes Pereir, morta aos 14 anos de idade pelo lutador de jiu-jitsu Ricardo Peixoto, de 21 anos, após uma tentativa de estupro.

A canção não foi tão bem recebida à época, o que causou protestos da própria Ro Ro, sempre sagaz em seus comentários. Mesmo amigos mais próximos, como Cazuza (1958-1990) e Marina Lima não escapavam de suas tiradas. Ao se negar a gravar Malandragem , a cantora tirou sarro da letra dizendo que o próprio Cazuza era a “garotinha esperando o ônibus da escola”.

Já no caso de Marina Lima, a cantora dizia ter tido vontade de sacanear a amiga durante a gravação do especial Mulher 80, da Rede Globo. Lima foi escalada para cantar Não há Cabeça , canção de Ro Ro que saíra simultaneamente no disco das duas artistas, enquanto a autora foi chamada para tocar piano.

Insatisfeita com o papel de coadjuvante, já disse ter querido baixar o tom do piano até que fosse impossível de Marina cantar. Não levou a cabo, mas se lembrava da história com um sorriso travesso no rosto. O mesmo quase aconteceu com Angela Maria (1929-2018), que, ao convidar Ro Ro para seu especial na Rede Globo, não queria que a compositora a acompanhasse no piano.

Maria escolheu cantar Me Acalmo Danando , tema também do primeiro álbum de Ro Ro. Ao saber que não poderia tocar piano, a cantora teria vetado sua canção no especial, voltando atrás no último minuto, o que impediu que a veterana decorasse a letra e, no fim, precisou contar com o acompanhamento da novata.

Mesmo que por vezes perdesse a medida em shows cujo ritmo era prejudicado por uma falação em excesso, a música e as histórias de Angela Ro Ro sempre fizeram de suas apresentações um divã certeiro para curar as dores de seu público e as suas próprias, mesmo aquelas que ela mesma tenha causado.

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