Quando Noites Brutais (2022) chegou nas salas de cinema dos Estados Unidos: não demorou muito para que olhassem para o jovem cineasta Zach Cregger, como uma das novas vozes do gênero terror.
Era o seu filme de estreia, surpreendendo uma boa porção do público, assim, como a crítica especializada que foi muito elogiosa. Em Noites Brutais acompanhamos uma mulher que descobre que a casa alugada que ela reservou foi acidentalmente reservada duas vezes por um homem que não sabia de um segredo obscuro dentro daquela residência.
Sua obra foi caracterizada por temas relacionados a abuso sexual, incesto e trauma, e, devido ao livro que inspirou Cregger – The Gift of Fear: Survival Signals That Protect Us from Violence , no traduzido, O Dom do Medo: Sinais de Sobrevivência que nos Protegem da Violência -, temas de diferentes formas de misoginia.
Escrevendo para o Film School Rejects , Aurora Amidon afirmou que o filme é essencialmente sobre “os efeitos dominó do abuso”, envolvendo os personagens AJ (Justin Long) e Frank (Richard Brake) – que, pelo hábito de machucar mulheres para seu próprio prazer, são o que chamamos de farinha do mesmo saco.
Zach Cregger, inspirado pelo livro de autoajuda The Gift of Fear , escolheu focar em uma seção que incentivava mulheres a confiar em sua intuição e não ignorar os sinais de alerta subconscientes que surgem nas interações cotidianas com homens.
Assim, nada mais natural que esperar de A Hora do Mal (2025) , sua mais nova obra de terror e mistério – em exibição, nas salas de cinema do Brasil – acompanhe seu predecessor, ou seja, continue revelando tais qualidades já associadas a Cregger.
E, pelo que temos acompanhado mundialmente, A Hora do Mal (no original, Weapons ), vem se saindo muito bem, principalmente, na bilheteria. O segundo trabalho de Zach Cregger teve um orçamento de 38 milhões de dólares e, já mais que triplicou o que foi gasto para produzir e divulgar, ficando até o momento, na casa dos 150 milhões de dólares.
Enquanto isso, na mídia especializada, também percebemos o mesmo clamor. Havendo considerável exaltação pelas qualificações do jovem diretor, apenas em seu segundo trabalho.
Tal como o seu projeto de estreia, tem se comentado a respeito das temáticas que fazem parte da narrativa que acompanha o caso, aparentemente inexplicável, de dezessete crianças de uma mesma sala de aula que misteriosamente fogem na mesma noite, no mesmo horário, possivelmente, sequestradas por uma força invisível.
Através da estrutura não linear fragmentada, escolhida por Cregger, podemos pescar algumas temáticas, que transitam do vício ao álcool, até um distanciamento emocional parental. Contudo, ao que parece, existe um argumento que recebeu maior foco para alguns: as chacinas que se repetem nos Estados Unidos com os tiroteios nas escolas.
O jornalista e crítico Brian Tallerico, do RogerEbert.com , afirmou: “Um dos maiores pontos fortes do roteiro ambicioso de Cregger é sua recusa abjeta em conectar todos os pontos da maneira que tantos outros filmes que são considerados como ‘horror elevado’ fizeram nos últimos anos. Ainda assim, não é muito difícil interpretar o incidente instigante de A Hora do Mal como uma alegoria dos massacres que acontecem em salas de aula e dentro dos perímetros escolares.”
Sim, existem cenas e falas que expressam sugestões que circulam tais acontecimentos trágicos, como por exemplo, a voz infantil que narra a fuga noturna das dezessete crianças que diz – “Uma noite, 17 pais colocaram seus filhos para dormir pela última vez” – frase que poderia ser a primeira linha de uma reportagem a respeito de um desses eventos nefastos.
Logo após tal fala, observamos Zach Cregger destacar a entrada da escola, coberta de flores e cartazes, remetendo-se ao sumiço dos alunos da sala da professora Justine Gandy (Julia Garner).
Então, realmente não fica muito distante exercitar tal associação. No entanto, existem alguns contra-argumentos também muito acessíveis para que não vejamos A Hora do Mal , como uma representação poética sobre carnificinas de crianças e adolescentes.
O estilo de direção executado por Cregger em A Hora do Mal – ainda mais, se levarmos em consideração o tipo de narrativa fragmentada – é, apesar de surpreendentemente chocante, um tanto rígida. O próprio já declarou em uma entrevista para o Collider , que na hora de montar (sala de edição), seus filmes ficam mais restritos aos storyboards que ele mesmo ilustra, muitas semanas antes de começarem as gravações.
Também conseguimos notar tal rigor narrativo pela maneira fragmentada que ele escreveu essa história, no caso, pelo ponto de vista de cada um dos personagens que estão ou acabam de alguma maneira, envolvendo-se na investigação do desaparecimento dessas crianças. Um roteiro do tipo não linear, geralmente, exige uma certa destreza para alinhar os fatos e acontecimentos, mesmo não explicando em detalhes tudo o que vemos em cena.
Portanto, tal firmeza em narrar os fatos, distancia-se (um pouco) desta aleatoriedade que é um massacre escolar, onde tudo mostra-se cosmologicamente incerto e obtuso.
Junto disso, algo já familiar, levando-se em consideração aquilo que testemunhamos em Noites Brutais : Zach Cregger imprime em suas narrativas algo sombriamente humorístico.
Este fenômeno repete-se em A Hora do Mal , em traços propriamente farsescos. Quando o terror e o mistério não foram a base no que se refere a tudo aquilo que se observava em cena, Cregger encharcou sua narrativa de um humor desconfortável, porém, habilmente capacitado para entreter o público, que não se envergonha de rir (ou gargalhar) do ridículo, o absurdo e, também, da violência.
Em sua inclinação para o humor sombrio e, lembrando que Zach Cregger é, precisamente, um cidadão americano que já presenciou tantos e mais tantos tiroteios em escolas, é um tanto arriscado que o próprio, conscientemente, faria tal curva narrativa referindo-se a um assunto tão sério, mas acima de tudo, uma chaga que encontra-se no cerne da cultura americana.