A Prefeitura de Gramado (RS) proibiu apresentações de artistas de rua na Rua Coberta, tradicional ponto turístico, durante eventos públicos. A decisão, provocou tensão entre a gestão municipal e os profissionais.
Em entrevista ao iG Turismo, Dayane França, conhecida por interpretar Wandinha na famosa cidade gaúcha, e o ator John Chapeleiro criticam que a medida prejudica a atuação artística, prioriza eventos pagos e limita o acesso da população à cultura gratuita.
Exclusão da Rua Coberta prejudica artistas e público
Dayane França explicou ao iG que a Rua Coberta sempre foi estratégica para apresentações em dias de chuva, frio ou neblina.
“ Ali, a gente conseguia trabalhar sem preocupar o público com o tempo. Agora, estamos em praças e ruas sem cobertura, com vento e frio, o público não fica e o trabalho cai ”.
A artista criticou a decisão de limitar a presença de três artistas por ponto.
“ É muito pouco para o tamanho da Rua Coberta. Pelo menos quatro ou cinco poderiam se apresentar de forma organizada ”.
Ela ainda afirmou que a restrição não aumenta oportunidades, apenas reduz drasticamente a atuação. “ Eles diminuíram para metade de todos os pontos que a gente podia usar ”, acrescentou.
John Chapeleiro, por sua vez, destacou que os espaços alternativos oferecidos pela prefeitura não garantem público suficiente.
“ A Rua Coberta tem fluxo natural de turistas e moradores. Praças menores não dão visibilidade, e a renda cai muito. Muitos artistas vivem exclusivamente desse trabalho ”.
A transformação do espaço em local voltado a eventos pagos, segundo Dayane, restringe o acesso da população à cultura.
“ Sem artistas de rua, vai ser só evento pago, com ingresso de R$ 250 ou mais. A arte deixa de ser democrática ”, disse.
Ela lembrou que a contribuição espontânea garante participação de todos e mantém diversidade de público.
John explica que a legislação deveria equilibrar interesses de artistas e turismo.
“ A lei atual prioriza eventos pagos e comércio. A Prefeitura desafeta o espaço público sem considerar quem trabalha ali há décadas ”, afirmou.
Ele defende diálogo com a categoria para criar regras mais justas e realistas.
Conflito com o prefeito e multas milionárias
O episódio mais tenso ocorreu na noite de sexta-feira (1º), quando um vídeo mostrou o prefeito Nestor Tissot (PP) discutindo com artistas na Rua Coberta. Em tom de ameaça, ele teria dito:
“ Vai filmando, que vocês vão ver o que vai acontecer ”.
Dayane França relatou que a abordagem foi agressiva e gerou preocupação entre os artistas.
“ Foi intimidante. Alguns se sentiram coagidos e registraram boletim de ocorrência ”, afirmou.
Poucos dias depois, segundo Dayane, foram aplicadas multas que somam mais de R$ 311 mil. A artista contestou a legalidade das autuações.
“ Estamos recorrendo judicialmente. Multas desse tamanho para artistas que seguem a lei são desproporcionais ”, disse.
A artista rebateu ainda a alegação do prefeito de que profissionais abordam turistas e cobram valores fixos.
“ Nunca fizemos isso. Nosso trabalho é contribuição espontânea, como prevê a lei federal. Cobrar é ilegal e isolado ”, afirmou.
John concordou e reforçou a importância de respeitar a lei federal nº 6.533/78, que permite apresentações gratuitas e doações voluntárias.
“ A Prefeitura confunde lei municipal com lei federal. O decreto proíbe o que é permitido por lei ”, disse.
Para os artistas, o episódio mostrou que há a necessidade de fiscalização clara e diálogo entre administração e artistas.
“ Não dá para criminalizar toda uma categoria por casos isolados. O prefeito precisa entender o valor da arte de rua para Gramado ”, concluiu Dayane.
Limites legais, rodízio e desafetação do espaço
As mudanças recentes incluem rodízio de artistas da Rua Coberta e transformação do espaço de bem comum para bem especial.
Apenas três profissionais podem atuar simultaneamente, com prioridade para artistas plásticos, e autorizações para eventos públicos não serão emitidas.
Dayane, no entanto, explica que a limitação prejudica a diversidade artística.
“ A Rua Coberta já recebeu apresentações de teatro, música, dança e personagens. Limitar a três artistas por vez mata a variedade cultural ”.
Ela sugere que Gramado adote modelos internacionais, com áreas delimitadas e tempo de permanência flexível.
A lei também impõe regras sobre jornada de trabalho, venda de produtos e publicidade. Dayane afirmou que a grande maioria dos artistas respeita essas normas.
“ Só vendemos objetos físicos, como quadros. Performances continuam com doações espontâneas, como manda a lei. Não há motivo para restrição ”, disse.
John criticou a priorização de interesses comerciais.
“ Empresas contratam atores para atrair turistas, enquanto artistas independentes são responsabilizados por problemas que não criaram. É um absurdo ”, afirmou.
Os dois defendem fiscalização federal e normas participativas para equilibrar cultura e turismo.
Mobilização judicial
Após a decisão da Prefeitura, três artistas registraram boletins de ocorrência e sete entraram com habeas corpus para garantir a atuação na Rua Coberta.
A juíza plantonista Simone Ribeiro Chalela recebeu a liminar, solicitando manifestação do prefeito antes de decisão final.
O Sindicato dos Artistas e Técnicos em Espetáculos do RS (Sated-RS) manifestou preocupação com a limitação de apresentações, que compromete liberdade de expressão, diversidade cultural e direito ao trabalho.
O iG Turismo entrou em contato com a Prefeitura de Gramado para comentar o caso, mas até o momento não obteve respostas.