Quando até a leitura precisa de um personal trainer
Há conversas que parecem um espelho levemente distorcido: revelam verdades desconfortáveis, mas com bom humor e uma dose de lucidez. Assim foi o papo com Rafael Prioli no podcast Inteligência Orgânica. Entre chocolates compartilhados numa noite fria de 12 de junho e confissões sobre identidades emprestadas — ele, irmão da Gabi; eu, filho do Cortella — falamos sobre vícios digitais, saber encenado e o medo como pedagogo involuntário.
Rafael trouxe provocações com precisão cirúrgica. A começar pelo cenário: muita gente lê para postar e monta estante por metro, não por leitura. Num tempo em que “ser visto lendo” virou quase mais importante do que ler de fato, é preciso perguntar: o que estamos tentando provar? E pra quem? Isso também vale para a contradição assumida de quem usa Instagram para ensinar a sair do Instagram. Incoerência? Talvez.
A leitura, aliás, foi um ponto alto. O clube do livro que Rafael toca com a irmã e Leandro Karnal mostra que, num tempo de dopamina instantânea, folhear uma página virou ato de resistência. E a inteligência artificial entrou no jogo como ameaça e ferramenta: o humano que usa IA para treinar pode subir o nível, mas aquele que apenas copia vira repetidor de aparência. O problema não é a tecnologia, mas a preguiça de quem acha que aprender rápido é o mesmo que entender.
Falamos também sobre a desinformação, esse vírus silencioso que transforma fake news em certezas emocionais. Rafael citou a imagem da ambulância que “mata” pacientes, usada para atacar vacinas. O que isso mostra? Que dados sem método viram narrativa. E que duvidar da própria certeza é habilidade escassa, embora mais urgente do que nunca.
Se você chegou até aqui, talvez também acredite que o humor é um jeito sério de falar das coisas importantes. E que inteligência, em tempos de algoritmos, começa pelo desconforto de pensar além do feed. A gente segue. Mesmo com medo. Mesmo rindo no meio do caos.
*Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do Portal iG