Um dos mais vultosos processos de recuperação judicial em andamento em Mato Grosso do Sul, que envolve o frigorífico Boibras, localizado em São Gabriel do Oeste, está prestes a ser inviabilizado depois de os proprietários da empresa e administradores judiciais terem omitido do Poder Judiciário uma dívida de aproximadamente R$ 220 milhões com a União.
A dívida da Boibras com os outros credores é de aproximadamente R$ 55 milhões, e parte dos créditos vem sendo paga desde que o plano de recuperação judicial foi homologado, neste ano.
O Tribunal de Justiça de Mato Grosso do Sul, contudo, impôs uma derrota amarga ao frigorífico, depois que a Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN) denunciou a manobra do frigorífico Boibras, que consistia em ter o plano aprovado sem apresentar uma certidão negativa de débito com a União, ou mesmo uma certidão positiva com efeito de negativa.
Tal plano de recuperação, aprovado pela Vara Regional de Falências de Campo Grande, foi considerado ilegal, aos olhos não apenas da PGFN, mas também do Ministério Público de Mato Grosso do Sul, por não apresentar as certidões — e agora está à beira da nulidade.
A 3ª Câmara Cível já deu provimento ao pedido da União e estabeleceu um prazo de 90 dias para o frigorífico apresentar as certidões. Enquanto isso, os advogados da Boibras, Rodrigo Pimentel e Lucas Mochi, tentam ganhar tempo e reformar a decisão do Tribunal de Justiça por meio de um embargo de declaração.
A Boibras deve mais de R$ 55 milhões aos credores e pelo menos R$ 220 milhões ao Fisco federal. A dívida da empresa com a União está entre as maiores do ranking de devedores ativos. A maior parte desses débitos é composta por contribuições previdenciárias — uma negociação mais complexa e que não permite regularização imediata.
O juiz substituto da 3ª Câmara Cível do TJMS, Fábio Possik Salamene, discordou da decisão do titular da Vara Regional de Falências, José Neiva de Carvalho e Silva.
“Com todo respeito ao doutor magistrado condutor do feito, entendo que não houve desídia do fisco para apreciar o pedido de parcelamento de débitos, formulado pelas empresas recuperandas”, afirmou Salamene, contrapondo não apenas o argumento utilizado pelo frigorífico, mas também a decisão de primeira instância.
No plano de recuperação judicial da Boibras está previsto que a empresa vai honrar seus débitos até, pelo menos, a próxima década. O plano, porém, não inclui nenhuma negociação com a União.
Frigorífico 2 em 1
Enquanto o Boibras deve mais de R$ 50 milhões a pecuaristas, ex-funcionários e bancos — e mais de duas centenas de milhões de reais à União —, outro frigorífico opera de forma saudável (até que se prove o contrário) no mesmo endereço.
Trata-se da BMG Foods, empresa que se gaba, em sua página na internet, de ser o terceiro maior grupo frigorífico do Brasil, atrás apenas da JBS e da Minerva Foods.
O endereço dos dois frigoríficos é praticamente o mesmo. Os números de CNPJ são diferentes, mas os abates ocorrem na mesma estrutura. Formalmente, os endereços só não são idênticos porque o frigorífico Boibras está localizado no km 606 da BR-163, enquanto a BMG Foods está no km 606 da BR-163, nas salas 1, 2 e 3.
No Brasil, a BMG Foods é herdeira do grupo Torlim — rede de frigoríficos que deixou um rastro de dívidas com o Fisco federal antes de sair de cena no País.
No Paraguai, alguns dos proprietários do Torlim continuaram operando, por meio do Frigorífico Concepción. Em 2021, voltaram ao Brasil como BMG Foods.
Vice da Fiems
O frigorífico Boibras pertence ao empresário Régis Comarella, que é presidente do Sindicato de Carnes e Derivados de Mato Grosso do Sul (Sicadems) e também conselheiro e 3º vice-presidente da Federação das Indústrias de Mato Grosso do Sul (Fiems).
Mesmo com o frigorífico à beira da falência, ele continua representando a categoria até 2026. Entre os representados pelo Sicadems estão grandes grupos como JBS e Marfrig.
Entenda o caso
Enquanto Régis Luis Comarella, proprietário da Boibras, é acusado pelo Ministério Público Federal (MPF) de sonegar valores milionários, o nome por trás da BMG Foods é Jair Antônio de Lima — figura já conhecida no setor de carne bovina e também por responder a acusações de sonegação fiscal desde os anos 2000.
Em 2004, Lima era um dos principais controladores do grupo Torlim, conglomerado que operava diversos frigoríficos e mantinha vastas propriedades rurais em diferentes estados do Brasil. Na época, a dívida com a Previdência Social era estimada em pelo menos R$ 70 milhões.
O grupo também foi alvo de investigações da Polícia Federal, acusado de usar notas fiscais frias, importar ilegalmente gado do Paraguai e empregar laranjas em suas operações. Como resultado, 17 fazendas, além de dezenas de caminhões e veículos, foram bloqueados judicialmente.
A única frente de negócios do grupo Torlim que permaneceu ativa foi a operação no Paraguai, que deu origem ao Frigorífico Concepción — atualmente uma das maiores exportadoras de carne bovina daquele país.
No Brasil, Jair Lima retornou ao setor frigorífico em 2021 com a BMG Foods. Em seu site oficial, a empresa se apresenta da seguinte forma: “Nascida do grupo Concepción – um dos maiores frigoríficos do Paraguai, com mais de 27 anos de história –, a BMG Foods chegou ao Brasil em 2021. Em pouco tempo, consolidou-se como uma das principais produtoras e exportadoras de carne do País”.
O nome de Jair Lima, no entanto, não consta formalmente como sócio da BMG Foods. A empresa está registrada em nome da BFC-USA LLC, sediada em Miami, nos Estados Unidos, e de Douglas Augusto Fontes França.
Documentos do estado da Flórida, aos quais o Correio do Estado teve acesso, revelam que Jair Lima é um dos proprietários da empresa norte-americana, responsável pela BMG Foods no Brasil.
Fonte: Correio do Estado