Fé e Fortuna Fake: o perigo do discurso fácil em tempos difíceis
Num país onde a teologia da prosperidade virou modelo de negócio e a promessa de enriquecimento fácil se vende em reels com trilha do Coldplay, conversar com o Papai Financeiro é quase um ato de resistência. Thiago Godoy, educador, pai e autor do livro Emoções Financeiras, esteve comigo no podcast Inteligência Orgânica para um papo que começou com pessimismo (meu) e terminou com um “amém”.
Falamos sobre o medo — sentimento mais antigo que o Pix. Thiago lembra que biologicamente o medo é uma proteção, mas no Brasil do crédito rotativo e do golpe da bet, o medo virou motor de venda. “O medo está cinco vezes mais presente que qualquer outro sentimento” , ele diz. Faz sentido: o medo vende curso, lote, carro, voto. E também nos impede de planejar o futuro.
Essa dificuldade de lidar com o tempo, segundo Godoy, é ancestral. “Nossos ancestrais não tinham geladeira, Pedro. Planejamento é uma tecnologia recente.” Pois é. Mas mesmo com app de investimento e podcast de finanças, seguimos incapazes de dizer não para a Black Friday emocional que vivemos todos os dias.
Thiago traz dados, estudos, exemplos. E questiona, com razão, a frase batida das redes: “tempos fáceis geram pessoas fracas” . Ele prefere ir além do binarismo. “A escassez não te faz mais forte. Ela te faz sobreviver. E sobreviver é diferente de viver.”
Tocamos também no tabu da herança. “Muitos pais acham que dar tudo ao filho é amor. Não é. É sabotagem.” E criticamos juntos o fetiche da meritocracia em empresas familiares, onde o neto do fundador quer o lucro da firma, mas sem levantar da cadeira gamer.
Claro, sobrou para as apostas. “Já estamos vivendo o Igreja Bet” , dissemos em tom de alerta. Porque o que era promessa de salvação virou algoritmo de vício. Usar Deus para vender azar é uma das práticas mais desonestas dos nossos tempos — e parece que nem o dízimo é suficiente pra limpar esse carma.
Ao fim, falamos de ética. De liberdade. De como inteligência artificial talvez nunca consiga desenvolver algo que a gente também tem perdido: consciência.
O futuro financeiro do Brasil não será resolvido com sorte, mas com senso. E, de preferência, com menos frases prontas e mais perguntas difíceis.
Amém.